6 de dez. de 2017

Abate :: Marcilio Godoi

que nome dar ao instante
em que na madrugada desperto
e começo a remoer um problema
que imenso me atordoa
em estado de assombração
no insone labirinto nevoento
do travesseiro?

logo imagino meus antepassados
agitados como eu
aflitos no meio da noite
a tempestade desabando sobre a fazenda
a dívida no banco corroendo-a
uma ameaça de morte
que nome dar ao medo
que os precipitava do sono inquieto
ao gelo úmido de lençóis
encharcados como os meus?

que natureza ansiosa antecipa-me
ao sol escuro dos despertadores
com os olhos pregados
como ovos estrelados no teto?
que nome terá o monstro da insônia
quando o pavor incerto de altas luas
recobre-me derramando essa prata
gelada e lenta sobre meus brios?

um filho doente, uma plantação danada
uma duplicata insolúvel
não há outro desejo nesse escuro
senão o de desinflamar o desespero
com o suor inquieto que derramo
pelo urro absurdo do boi atônito
em que aterrado me reconheço
na consciência solitária do matadouro.

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