como são enormes
as ossadas de animais no museu nacional
(“Não se diz ‘ossos’”, advertiu a tia solteirona
formada em filosofia pura)
quando descobri o imenso livro de anatomia
de crustáceos e moluscos
sob impulso científico enclausurei
insetos nos vidrinhos de remédio
da bisavó
a bisavó chorava à toa, aliás,
e zanzava pela casa ralhando (em vêneto)
com fantasmas que a haviam
abandonado
bem ali
como são enormes
as lembranças
quando meu pai me perdeu no mar
quando minha mãe me perdeu na saída do cinema
deve ter durado trinta segundos
e até hoje
quando o carrilhão dá cinco
(que era a hora do bolinho de polvilho)
sento-me pro chá solitário
e folheio um atlas de imagens decorridas
que se debatem como insetos
e o gole tem um gosto desabitado e ermo
porque perdi o código
com que se argumenta
com os fantasmas
A palavra algo. Iluminuras, 2016
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