13 de ago. de 2018

APELO :: Carlos Drummond de Andrade

Numa entrevista dada por telefone a um repórter de jornal, em 1965, no início de um governo fardado  que terminaria se estendendo por duas décadas, Nara pedia aos militares que entregasse o poder aos civis. 
     As manchetes de jornais alardeavam, numa época em que os censores ainda não tinham desembarcado nas redações: “Nara é de opinião: esse Exército não vale nada”; “Nara pode ser presa mas não muda de opinião”; “Nara: sou contra militar no poder”; “Entrevista abalou os alicerces do Exército Nacional”; “Considero os exércitos, no plural, desnecessários e prepotentes”; “Meu violão é a única arma que tenho; meu campo de guerra é o palco.”
     Ameaçada de prisão, Nara Leão recebeu, pelo jornal, a solidariedade de Carlos Drummond de Andrade, através  de um poema de circunstância chamado Apelo. (Dossiê Drummond-Geneton Moraes Neto)


 “Meu honrado marechal
Dirigente da nação
Venho fazer-lhe um apelo
Não prenda Nara Leão

Soube que a Guerra, por conta,
Lhe quer dar uma lição. Vai enquadrá-la
– esta é forte –
Artigo tal... não sei não

A menina disse coisas
De causar estremeção?
Pois a voz de uma garota
Abala a revolução?

Nara quis separar
O civil do capitão
Em nossa ordem social
Lançar desagregação?

Será que ela tem na fala,
Mais do que charme, canhão?
Ou pensam que, pelo nome,
Em vez de Nara, é leão?

Se o general Costa e Silva,
Já nosso meio-chefão
Tem pinta de boa praça,
Porque tal irritação?

Ou foi alguém que, do contra,
Quis criar amolação
A seu
Artur, inventando

Este caso sem razão?
Que disse a mocinha, enfim,
De inspirado pelo cão?
Que é pela paz e amor
E contra a destruição?

E, depois, se não há preso,
Político na ocasião,
Por que fazer da menina
Uma única exceção?

Ah, marechal, compre um disco
De Nara, tão doce, tão
Meigamente brasileira,
E remeta ao escalão;
 
Ao ouvir o que ela canta
E penetra o coração,
O que é música de embalo
Em meio a tanta aflição.

O gabinete zangado
Que fez um tarantantão,
Denunciando Narinha,
Mudava de opinião.

De música precisamos
Para pegar o rojão,
Para viver e sorrir,
Que não está mole não.

Nara é pássaro, sabia?
E nem adianta prisão
Para a voz que pelos ares,
Espalha sua canção.

Meu ilustre general,
Dirigente da nação,
Não deixe, nem de brinquedo,
Que prendam Nara Leão

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