15 de fev. de 2022

Ainda não sei:: Virgínia do Carmo

Ainda não sei como contar-te que cresci

sem mar. Que andei a verter sangue a vida

toda, de coração golpeado pelas cercas vivas

dos meus lugares. Não sei como contar-te 

da minha ânsia de fugir, de correr até à praia

e cegar a memória, de como me atirei

em desespero contra os espinhos, e de como

sangrei, exausta, na sombra dos fracassos.


Agora cheguei ao mar e o sal arde-me


nas feridas. Tenho um chão de areia quente

que me queima os pés, tão gastos de correr.

Cheguei ao mar. Ao espanto comovente 

do mar, e permaneço imóvel. Tão quieta

como as rochas ao longe.

Sou livre e não me movo.

Não sei como se faz isto de viver.



In: Ecos de Green Rose. Poética, 2019, p. 35

Nenhum comentário:

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...