Quer souflé, entrecôte, foie gras?
Não, obrigado.
Quero arroz soltinho com feijão cozido na folha de louro e farinha crocante, frita com cebola picadinha e o dente de alho esmurrado que a mãe colocava só para abrir as narinas da gente e avisar logo à casa inteira que o meio-dia chegara.
Quer petit fours, croissant, pain au chocolat?
Quero não, pode deixar.
Quero é pão de queijo mesmo, quentinho, com ou sem manteiga, mas com uma fatia de minas generosa, branquinha, no meio, crostando entre os molares enxaguados de café bem ralo e doce, como o que fazia minha mãe, no centro geométrico de todas as tardes de minha vida, mesmo muito depois que saí de casa.
Quer petit gateau, vol-au-vent, crème brûlée?
Não, agradecido.
Quero é doce de figo em calda dourada, o coração verde que minha mãe colocava em potes de vidro emergenciais sobre a tábua curva do armário. Quero adentrar o escuro desse armário cheio de quitandas e ouvir de novo as histórias de nossas mil e uma noites familiares, e sua astronômica simplicidade.
Sinto-me como um ingrediente de Deus quando experimento qualquer coisa que me recupere na memória esse alimento que fala-me a todos os sentidos. Sou feito dessa comida. Mal sabem os renomados chefs cuisiniers contemporâneos que há mais de cinco, seis décadas, minha mãe já havia inventado a cozinha molecular. Sim, uma culinária toda à base de um ingrediente atômico indivisível e incondicional muito conhecido, presente em todas as culturas desse mundo, o amor.
Quer visitar a Grande Muralha da China, Machu Picchu, o Taj Mahal?
Não, fica para uma outra vez.
Quero é ir para Minas, ver minha mãe enxugar apressada as mãos no avental antes de me receber na cozinha com o abraço cheirando a cravo. Quero me sentir outra vez o pequeno astronauta incrustado para sempre em suas nuvens de ambrosia.
"A divina Cozinha de dona Etelvina"
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