14 de nov. de 2022

Agradecimento :: Wislawa Szymborska

Leonardo da Vinci

Devo muito

aos que não amo.


O alívio de aceitar

que sejam mais próximos de outrem.


A alegria de não ser eu

o lobo de suas ovelhas.


A paz que tenho com eles

e a liberdade com eles,

isso o amor não pode dar

nem consegue tirar.


Não espero por eles

andando da janela à porta.

Paciente

quase como um relógio de sol,

entendo o que o amor não entende,

perdoo,

o que o amor nunca perdoaria.


Do encontro à carta

não se passa uma eternidade,

mas apenas alguns dias ou semanas.


As viagens com eles são sempre um sucesso,

os concertos assistidos,

as catedrais visitadas,

as paisagens claras.


E quando nos separam

sete colinas e rios

são colinas e rios

bem conhecidos dos mapas.


É mérito deles

eu viver em três dimensões,

num espaço sem lírica e sem retórica,

com um horizonte real porque móvel.


Eles próprios não veem

quanto carregam nas mãos vazias.


“Não lhes devo nada” —

diria o amor

sobre essa questão aberta.

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