E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.
Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.
E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?
Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.
Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.
A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.
fonte: A Traição das Elegantes. Sabiá, 1967. p. 83.
Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
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15 de jun. de 2015
Despedida :: Rubem Braga
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15 de mai. de 2015
Há palavras que nos beijam :: Alexandre O'Neill
Francesco Hayez
Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.
Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.
De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.
(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)
Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.
13 de mai. de 2015
Os Amantes :: Julio Cortazar
se todos estão cegos?
Eles se tomam as mãos: algo fala
entre seus dedos, línguas doces
lambem a úmida palma, correm pelas falanges,
e acima a noite está cheia de olhos.
São os amantes, sua ilha flutua à deriva
rumo a mortes na relva, rumo a portos
que se abrem nos lençóis.
Tudo se desordena por entre eles,
tudo encontra seu signo escamoteado;
porém eles nem mesmo sabem
que enquanto rodam em sua amarga arena
há uma pausa na criação do nada
o tigre é um jardim que brinca.
Amanhece nos caminhões de lixo,
começam a sair os cegos,
o ministério abre suas portas.
Os amantes cansados se fitam e se tocam
uma vez mais antes de haurir o dia.
Já estão vestidos, já se vão pela rua.
E só então,
quando estão mortos, quando estão vestidos,
é que a cidade os recupera hipócrita
e lhes impõe os seus deveres quotidianos.
Tradução de José Jeronymo Rivera
21 de dez. de 2014
PREVIAMENTE :: Ester Naomi Perquin (Utrecht em 1980)
Marc Chagall
Na primeira existência aprendes logo o formato,
célula após célula desenrola-se em meadas organizadas, planta membros,
és reduzido lentamente a um conceito de seis letras.
Esqueces-te de como era ser perfeito. Permaneces assim brevemente,
reconheces as oportunidades no decorrer do tempo, roças-te à
coincidência, armas-te com a razão e o tempo,
até demarcas uma vida anterior.
No momento em que te divides
desapareces simultaneamente
em dois amantes.
Muitas vezes é esse o fim, vêem-se demasiado tarde,
é como se houvesse um estranho obstáculo ou
as suas míseras vidas se desenrolassem em cidades incompatíveis.
Por vezes, revelas-te contumaz, encontras com exactidão
a fenda, deixas-te repentina e imprevisivelmente
voltar a fundir-te num só.
tradução de Maria Leonor Raven-Gomes
célula após célula desenrola-se em meadas organizadas, planta membros,
és reduzido lentamente a um conceito de seis letras.
Esqueces-te de como era ser perfeito. Permaneces assim brevemente,
reconheces as oportunidades no decorrer do tempo, roças-te à
coincidência, armas-te com a razão e o tempo,
até demarcas uma vida anterior.
No momento em que te divides
desapareces simultaneamente
em dois amantes.
Muitas vezes é esse o fim, vêem-se demasiado tarde,
é como se houvesse um estranho obstáculo ou
as suas míseras vidas se desenrolassem em cidades incompatíveis.
Por vezes, revelas-te contumaz, encontras com exactidão
a fenda, deixas-te repentina e imprevisivelmente
voltar a fundir-te num só.
tradução de Maria Leonor Raven-Gomes
16 de dez. de 2014
O poeta visto por mim :: Dylan Thomas
Em meu ofício ou arte taciturna
Exercido na noite silenciosa
Quando somente a lua se enfurece
E os amantes jazem no leito
Com todas as suas mágoas nos braços,
Trabalho junto à luz que canta
Não por glória ou pão
Nem por pompa ou tráfico de encantos
Nos palcos de marfim
Mas pelo mínimo salário
De seu mais secreto coração.
Escrevo estas páginas de espuma
Não para o homem orgulhoso
Que se afasta da lua enfurecida
Nem para os mortos de alta estirpe
Com seus salmos e rouxinóis,
Mas para os amantes, seus braços
Que enlaçam as dores dos séculos,
Que não me pagam nem me elogiam
E ignoram meu ofício ou minha arte.
(tradução: Ivan Junqueira)
12 de jun. de 2014
O mais singular livro dos livros :: J. W. Goethe (1749-1832)
Edward Burne-Jones
O mais singular livro dos livros
É o Livro do Amor;
Li-o com toda a atenção:
Poucas folhas de alegrias,
De dores cadernos inteiros;
Apartamento faz uma secção,
Reencontro! um breve capítulo,
Fragmentário. Volumes de mágoas
Alongados de comentários,
Infinitos, sem medida.
Ó Nisami ! – mas no fim
Achaste o justo caminho;
O insolúvel, quem o resolve?
Os amantes que tornam a encontrar-se.
De Divan Ocidental-Oriental
26 de ago. de 2013
Dirás que sonho :: Hilda Hilst
John William Godward
Dirás que sonho o dementado sonho de um poeta
Se digo que me vi em outras vidas
Entre claustros, pássaros, de marfim uns barcos?
Dirás que sonho uma rainha persa
Se digo que me vi dolente e inaudita
Entre amoras negras, nêsperas, sempre-vivas?
Mas não. Alguém gritava: acorda, acorda Vida.
E se te digo que estavas a meu lado
E eloqüente e amante e de palavras ávido
Dirás que menti? Mas não. Alguém gritava:
Palavras... apenas sons e areia. Acorda.
Acorda Vida.
20 de abr. de 2013
O vinho dos amantes de Charles Baudelaire
Sem freio, sem esporas, sem brida,
Partamos a cavalo no vinho
Para um céu feérico e divino!
Como dois anjos atormentados
Por calentura implacável,
No azul cristal da manhã
Sigamos a miragem distante!
Suavemente balouçados sobre a asa
Do turbilhão inteligente,
Em um delírio paralelo,
Minha irmã, nadando lado a lado,
Fugiremos sem descanso nem tréguas
Para o paraíso dos meus sonhos!
Os paraísos artificiais. trad. José Saramago.Livros B. Estampa, 1978.
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