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11 de out. de 2016

Envelhecer :: Arnaldo Antunes

A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer
A barba vai descendo e os cabelos vão caindo para cabeça aparecer
Os filhos vão crescendo e o tempo vai dizendo que agora é para valer
Os outros vão morrendo e a gente aprendendo a esquecer

Não quero morrer pois quero ver
Como será que deve ser envelhecer
Eu quero é viver para ver qual é
E dizer venha para o que vai acontecer

Eu quero que o tapete voe
No meio da sala de estar
Eu quero que a panela de pressão pressione
E que a pia comece a pingar
Eu quero que a sirene soe
E me faça levantar do sofá
Eu quero pôr Rita Pavone
No ringtone do meu celular
Eu quero estar no meio do ciclone
Para poder aproveitar
E quando eu esquecer meu próprio nome
Que me chamem de velho gagá

Pois ser eternamente adolescente nada é mais demodé
Com uns ralos fios de cabelo sobre a testa que não para de crescer
Não sei por que essa gente vira a cara para o presente e esquece de aprender
Que felizmente ou infelizmente sempre o tempo vai correr

12 de fev. de 2015

Aprendamos :: José Saramago

Maurice Prendergast
Aprendamos, amor, com estes montes 
Que, tão longe do mar, sabem o jeito 
De banhar no azul dos horizontes. 

Façamos o que é certo e de direito: 
Dos desejos ocultos outras fontes 
E desçamos ao mar do nosso leito. 

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"

16 de fev. de 2013

Semáforos, farmácias, máscaras ou três cenas paulistanas - Sérgio Telles

Sebastião Salgado

Ao parar no semáforo, o carro é imediatamente cercado por um bando de crianças, adolescentes, jovens adultos.
Alguns correm entre os veículos, colocando nos retrovisores pequenos sacos plásticos com balas, bombons ou flanelinhas, acrescidos de um pequeno escrito onde está afirmado que aquilo não é um assalto e sim um trabalho honesto, pelo qual é pedida uma remuneração. Outros, com água e rodos, ameaçadoramente se oferecem para limpar o para-brisa. Os menores não se dão ao trabalho de oferecer serviços supérfluos e não solicitados, vão diretamente ao que interessa e pedem dinheiro, querem moedas e trocados. Uns poucos ainda fazem malabarismos com fogo, a maioria exibindo um sofrível desempenho nesse desempenho.
Vagamente atemorizado, o motorista tenta manter a calma. Pra um diz que não precisa limpar o vidro. Pra outro diz que não tem moedas, está sem trocado. Não, também não quer comprar flanelinha nem balas de hortelã ou de qualquer outro sabor. Pros malabaristas mais esforçados, eventualmente faz um elogio. Procura sorrir para uma das criancinhas de cara suja e cabelo emaranhado.
O medo diminuiu e foi substituído por um estado de preocupação. Olha para as crianças, pros adolescentes, pros jovens adultos, pensando que todos eles deveriam estar em outro lugar, em casa com os pais, na escola, no trabalho.
Sabe o motorista que todos aqueles meninos, rapazes e moças vivem um presente negro, sem poder alimentar nenhuma esperança de um futuro melhor. Estão batalhando a sobrevivência em meio à fria indiferença dos homens, num áspero aprendizado que certamente terá efeitos desastrosos para todos. Sabe que apenas um fio os separa da franca marginalidade.
O motorista é invadido pelo desânimo e aumenta o volume do rádio do carro. A música o distrai até o próximo grande cruzamento, quando tudo recomeça.
fonte: O Estado de S.Paulo - C2 + Música 17/03/12

31 de out. de 2011

Amor - O Interminável Aprendizado

...

Então, pensou: há o amor, há o desejo e há a paixão.
O desejo é assim: quer imediata e pronta realização. É indistinto. Por alguém que, de repente, se ilumina nas taças de uma festa, por alguém que de repente dobra a perna de uma maneira irresistivelmente feminina.
Já a paixão é outra coisa. O desejo não é nada pessoal. A paixão é um vendaval. Funde um no outro, é egoísta e, em muitos casos, fatal.
O amor soma desejo e paixão, é a arte das artes, é arte final.
Mas reparou: amor às vezes coincide com a paixão, às vezes não.
Amor às vezes coincide com o desejo, às vezes não.
Amor às vezes coincide com o casamento, às vezes não.
E mais complicado ainda: amor às vezes coincide com o amor, às vezes não.
Absurdo.
Como pode o amor não coincidir consigo mesmo?
Adolescente amava de um jeito. Adulto amava melhormente de outro. Quando viesse a velhice, como amaria finalmente? Há um amor dos vinte, um amor dos cinqüenta e outro dos oitenta? Coisa de demente.
Não era só a estória e as estórias do seu amor. Na história universal do amor, amou-se sempre diferentemente, embora parecesse ser sempre o mesmo amor de antigamente.
Estava sempre perplexo. Olhava para os outros, olhava para si mesmo ensimesmado.
Não havia jeito. O amor era o mesmo e sempre diferenciado.
O amor se aprendia sempre, mas do amor não terminava nunca o aprendizado.
Optou por aceitar a sua ignorância.
Em matéria de amor, escolar, era um repetente conformado.
E na escola do amor declarou-se eternamente matriculado.

Affonso Romano de Sant'Anna, In "21 Histórias de amor", Francisco Alves Editora – Rio de Janeiro, 2002, pág.11.