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21 de abr. de 2015

Que este amor não me cegue nem me siga. :: Hilda Hilst

 Alphonse Mucha

Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua do estar sendo perseguida
e do tormento
de só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
de um suposto de heras em alto muro.

Que este amor só me faça descontente
e farta de fadigas. E de fragilidades tantas
eu me faça pequena. E diminuta e tenra
como só soem ser aranhas e formigas.

Que este amor só me veja de partida.

In:  "Cantares do Sem-nome e de Partidas"  

7 de fev. de 2013

Uma situação ímpar de Clarice Lispector


Aqui em casa pousou uma esperança, não a clássica que tantas vezes verifica-se ilusória, embora mesmo assim nos sustente sempre, mas a outra, bem concreta e verde: o inseto. Houve um grito abafado de um dos meus filhos:

- Uma esperança! E na parede bem em cima de sua cadeira! Emoção dele que também unia em uma só as duas esperanças, já tem idade para isso. Antes surpresa minha: esperança é coisa secreta e costuma pousar diretamente em mim sem ninguém saber, e não acima de minha cabeça numa parede. Pequeno rebuliço, mas era indubitável, lá estava ela, e mais magra e verde não podia ser.

- Ela quase não tem corpo, queixei-me.

- Ela só tem alma, explicou meu filho. E como filhos são uma surpresa para nós, descobri com surpresa que ele falava das duas esperanças. Ela caminhava devagar sobre os fiapos das longas pernas, por entre os quadros da parede. Três vezes tentou renitente uma saída entre os dois quadros, três vezes teve que retroceder caminho. Custava a aprender.

- Ela é burrinha, comentou o menino.

- Sei disso, respondi um pouco trágica.

- Está agora procurando outro caminho, olhe, coitada, como ela hesita.

- Sei, é assim mesmo.

- Parece que esperança não tem olhos, mamãe, é guiada pelas antenas.

- Sei, continuei, mais feliz ainda.

Ali ficamos, não sei quanto tempo olhando, vigiando-a como se vigiava na Grécia ou em Roma o começo de fogo do lar para que não apagasse.

- Ela se esqueceu que pode voar, mamãe, e pensa que só pode andar devagar assim.

Andava mesmo devagar - estaria por acaso ferida? Ah não, senão de um modo ou de outro escorreria sangue, tem sido sempre assim comigo. Foi então que farejando o mundo que é comível, saiu de trás de um quadro uma aranha, não uma aranha, mas me parecia “a” aranha, andando pela sua teia invisível, parecia transladar-se maciamente no ar. Ela queria esperança. Mas nós também queríamos e, oh! Deus, queríamos menos que comê-la. Meu filho foi buscar a vassoura. Eu disse francamente, confusa sem saber se chegara infelizmente a hora certa de perder a esperança:

- É que não se mata aranha, me disseram que traz sorte...

- Mas ela vai esmigalhar a esperança! Respondeu o menino com ferocidade.

- Preciso falar com a empregada para limpar atrás dos quadros.

- Falei sentindo a frase deslocada e ouvindo certo cansaço que havia na minha voz. Depois devaneei um pouco de como eu seria sucinta e misteriosa com a empregada; eu lhe diria apenas; você fez o favor de facilitar o caminho da esperança.

O menino, morta a aranha, fez um trocadilho, com o inseto e com a nossa esperança. Meu outro filho, que estava vendo televisão, ouviu e riu de prazer. Não havia dúvida: a esperança pousara em nossa casa, alma e corpo, mas como é bonito o inseto: mais pousa que vive, é um esqueletinho verde e tem uma forma tão delicada que isso explica porque eu que gosto de pegar nas coisas, nunca tentei pegá-la. Uma vez, aliás, agora que me lembro, uma esperança bem menor do que esta, pousara no meu braço, não senti nada, de tão leve que era, foi só visualmente que tomei consciência de sua presença. Encabulei com a delicadeza. Eu não mexia o braço e pensei: e essa agora? Que devo fazer? Em verdade nada fiz. Fiquei extremamente quieta como se uma flor tivesse nascido em mim. Depois não me lembro mais o que aconteceu. E acho que não aconteceu nada.
fonte: Visão do esplendor. Francisco Alves, 1975. p. 99