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23 de mai. de 2015

O lugar que eu quis :: Juan Rulfo


“Lá achará minha querência. O lugar que eu quis. Onde os sonhos me enfraqueceram. Meu povoado, levantado sobre a planície. Cheio de árvores e de folhas, como um cofrinho onde guardamos nossas recordações. Sentirá que ali alguém quisesse viver pela eternidade. O amanhecer; a manhã; o meio-dia e a noite, sempre os mesmos; mas com a diferença do ar. Ali onde o ar muda a cor das coisas; onde se ventila a vida como se fosse um murmúrio; como se fosse um puro murmúrio da vida…”
In: Pedro Páramo. 

15 de mai. de 2015

Há palavras que nos beijam :: Alexandre O'Neill

Francesco Hayez

Há palavras que nos beijam 
Como se tivessem boca. 
Palavras de amor, de esperança, 
De imenso amor, de esperança louca. 

Palavras nuas que beijas 
Quando a noite perde o rosto; 
Palavras que se recusam 
Aos muros do teu desgosto. 

De repente coloridas 
Entre palavras sem cor, 
Esperadas inesperadas 
Como a poesia ou o amor. 

(O nome de quem se ama 
Letra a letra revelado 
No mármore distraído 
No papel abandonado) 

Palavras que nos transportam 
Aonde a noite é mais forte, 
Ao silêncio dos amantes 
Abraçados contra a morte. 

11 de abr. de 2015

SONETO DAS DEFINIÇÕES :: Carlos Penas Filho



Não falarei das coisas, mas de inventos
e de pacientes buscas no esquisito.
Em breve, chegarei à cor do grito
à música das cores e dos ventos.

Multiplicar-me-ei em mil cinzentos
(desta maneira, lúcido, me evito)
e a estes pés cansados de granito
saberei transformar em cataventos.

Daí, o meu desprezo a jogos claros
e nunca comparados ou medidos
como estes meus, ilógicos, mas raros.

Daí também, a enorme divergência
entre os dias e os jogos, divertidos
e feitos de beleza e improcedência.


22 de fev. de 2015

Para vermos o azul :: Clarice Lispector


Para vermos o azul, olhamos para o céu. A terra é azul para quem a olha do céu. Azul será uma cor em si, ou uma questão de distância?
A descoberta do mundo. Editora Nova Fronteira, 1984. p. 13

13 de out. de 2014

Písac, Peru













Písac (também Pisaq) está localizado a 33 quilômetros da cidade de Cusco, no Peru. O seu local arqueológico é um dos mais importantes do Vale Sagrado dos Incas. Este povoado tem uma parte inca e outra colonial.
Písac, e sua praça principal, é um lugar cheio de colorido e com diversos artigos artesanais à venda. Este povoado é conhecido pelo seu observatório astronómico.
A arquitetura de Písac também é mestiça, construída sobre restos indígenas pelo vice-rei Francisco de Toledo. Aqui pode-se assistir a uma missa em quíchua no meio de indígenas e varayocs ou prefeitos regionais. Igualmente, pode-se comprovar como os agricultores incas resolveram o problema de semear nas ladeiras dos morros.
Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

RECONHECIMENTO À LOUCURA :: Almada Negreiros


Já alguém sentiu a loucura vestir de repente o nosso corpo?
Já.
E tomar a forma dos objectos?
Sim.
E acender relâmpagos no pensamento?
Também.
E às vezes parecer ser o fim?
Exactamente.
Como o cavalo do soneto do Ângelo de Lima?
Tal e qual.
E depois mostrar-nos o que há-de vir
muito melhor do que está?
E dar-nos a cheirar uma cor
que nos faz seguir viagem
sem paragem nem resignação
E sentirmo-nos empurrados pelos rins
na aula de descer abismos
e fazer dos abismos descidas de recreio
e covas de encher novidade?
E de uns fazer gigantes
e de outros alienados?
E fazer frente ao impossível
atrevidamente e ganhar-lhe, e ganhar-lhe
a ponto do impossível ficar possível?
E quando tudo parece perfeito
poder-se ir ainda mais além?
E isto de desencantar vidas
aos que julgam que a vida é só uma?
E isto de haver sempre ainda mais uma maneira para tudo?
Tu só loucura és capaz de transformar
o mundo tantas vezes quantas sejam as necessárias para olhos individuais
Só tu és capaz de fazer que tenham razão
tantas razões que hão-de viver juntas
Tudo, excepto tu, é rotina peganhenta.
Só tu tens asas para dar
a quem tas vier buscar.



22 de ago. de 2014

Para os anos dele :: Tjiske Jansen

Marc Chagall

Sei qual é cor em que prefere calçar-se.
Sei qual é a cor em que prefere vestir-se.

Porém, caminhar não é o mesmo que dormir
e usar não é o mesmo que acordar.

Portanto perguntei-lhe: qual é a tua cor preferida para dormir,
qual é a tua cor preferida para acordar?

A cor dos teus olhos, respondeu-me. A cor da tua pele.
Não fui à procura. Não necessito de andar à procura para saber que

não existe nenhuma loja que venda edredões nessas cores.
Não há outra solução a não ser dormir

com ele para sempre.

29 de jul. de 2014

Papoulas de Julho de Sylvia Plath

Georgia O'Keeffe, 1927

Ó papoulinhas pequenas flamas do inferno,
Então não fazem mal?

Vocês vibram. É impossível tocá-las.
Eu ponho as mãos entre as flamas. Nada me queima.

E me fatiga ficar a olhá-las
Assim vibrantes, enrugadas e rubras, 
como a pele de uma boca. Uma boca sangrando.
Pequenas franjas sangrentas!

Há vapores que não posso tocar.
Onde estão os narcóticos, as repugnantes cápsulas?

Se eu pudesse sangrar, ou dormir !
Se minha boca pudesse unir-se a tal ferida !

Ou que seus licores filtrem-se em mim, nessa cápsula de vidro,
Entorpecendo e apaziguando.
Mas sem cor. Sem cor alguma.

Tradução de Afonso Félix de Souza

30 de mai. de 2014

AINDA ASSIM, EU ME LEVANTO :: Maya Angelou, pseudônimo de Marguerite Ann Johnson (4 de abril de 1928 — 28 de maio de 2014)

Você pode me riscar da História
com mentiras lançadas ao ar.
Pode me jogar contra o chão de terra,
mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar.

Minha presença o incomoda?
Por que meu brilho o intimida?
Porque eu caminho como quem possui riquezas dignas do grego Midas.
Como a lua e como o sol no céu,
com a certeza da onda no mar,
como a esperança emergindo na desgraça,
assim eu vou me levantar.

Você não queria me ver quebrada?
Cabeça curvada e olhos para o chão?
Ombros caídos como as lágrimas,
minh'alma enfraquecida pela solidão?
Meu orgulho o ofende?
Tenho certeza que sim
porque eu rio como quem possui
ouros escondidos em mim.
Pode me atirar palavras afiadas,
dilacerar-me com seu olhar,
você pode me matar em nome do ódio,
mas ainda assim, como o ar, eu vou me levantar.

Minha sensualidade incomoda?
Será que você se pergunta
por que eu danço como se tivesse
um diamante onde as coxas se juntam?
Da favela, da humilhação imposta pela cor,
eu me levanto.

De um passado enraizado na dor,
eu me levanto.

Sou um oceano negro, profundo na fé
crescendo e expandindo-se como a maré.
Deixando para trás noites de terror e atrocidade,
eu me levanto.

Em direção a um novo dia de intensa claridade,
eu me levanto

trazendo comigo o dom de meus antepassados,
eu carrego o sonho e a esperança do homem escravizado.
E assim, eu me levanto

eu me levanto

eu me levanto.

14 de mai. de 2014

Pinguinho de tinta de Toquinho

Leon Chiver
Se um pinguinho de tinta
Cai num pedacinho
Azul do papel
Num instante imagino
Uma linda gaivota
A voar no céu...
Vai voando
Contornando a imensa
Curva Norte e Sul
Vou com ela
Viajando Havaí
Pequim ou Istambul
Pinto um barco a vela
Brando navegando
É tanto céu e mar
Num beijo azul...
Entre as nuvens
Vem surgindo um lindo
Avião rosa e grená
Tudo em volta colorindo
Com suas luzes a piscar...
Basta imaginar e ele está
Partindo, sereno e lindo
Se a gente quiser
Ele vai pousar...

Toquinho in Aquarela 

11 de mar. de 2014

A Linha e o Linho :: Gilberto Gil


Matizes 

É a sua vida que eu quero bordar na minha
Como se eu fosse o pano e você fosse a linha
E a agulha do real nas mãos da fantasia
Fosse bordando ponto a ponto nosso dia-a-dia
E fosse aparecendo aos poucos nosso amor
Os nossos sentimentos loucos, nosso amor
O zig-zag do tormento, as cores da alegria
A curva generosa da compreensão
Formando a pétala da rosa, da paixão
A sua vida o meu caminho, nosso amor
Você a linha e eu o linho, nosso amor
Nossa colcha de cama, nossa toalha de mesa
Reproduzidos no bordado
A casa, a estrada, a correnteza
O sol, a ave, a árvore, o ninho da beleza

9 de set. de 2013

Turquesa













Turquesa é o nome de uma cor terciária, intermediária entre o ciano e o verde. Tem esse nome em função do mineral homônimo, por sua vez, derivado da palavra francesa turquoise, que significa "oriundo da Turquia"

11 de mai. de 2013

Vozes de Marrakech de Enrique Vila-Matas

david graham

Tinha ouvido falar das vozes de Marrakech, mas não sabia se estas tinham realmente algo de peculiar. Talvez sejam diferentes do resto das vozes do mundo, eu me disse ao instalar-me na varanda do café de onde se divisava a praça de Xemaá-el-Fná. Deu-me de pensar que nunca se fala da cor das vozes e que talvez em Marrakech isso fosse possível. Voz terra de Siena de Petrarca, voz cor de traje de faquir hindu. Talvez em Marrakech, eu me disse, as vozes tenham cor. Não tardei em comprovar que andava certo. Aproximou-se um garçom marroquino e, ao perguntar-me o que desejava tomar, pareceu-me que sua voz, que evocava o fundo sonoro dos muezins quando dos minaretes convocam o povo à oração, era uma voz cor cal de torre de mesquita. E pedi religiosamente um chá.
Apareceu um orate de pele escura, raça negra, branca cafetã impoluta. Toda minha atenção centrou-se nele e no seu ingrávido edifício sonoro. Nunca tinha visto trejeitos tão airados e tão sobriamente compassados ao ritmo de umas vibrações acústicas, inaudíveis para mim, que se apoderavam com grande energia do ambiente e que pareciam reproduzir, no ar entrecortado pelos gestos, uma história.
Imaginei que o orate só possuía uma história e que esta falava de um tronco triste alçado como mastro. Falava dele mesmo e dos dias em que lhe dominaram as ânsias de aventura. O orate negro tinha viajado a terras longínquas e, em seu périplo, foi apropriando-se de fragmentos de histórias que dissimuladamente havia escutado. Com todos estes retalhos foi compondo o romance airado e musical de sua vida: uma história que, com ritmo sincopado e artimanhas de mímico, vendia diariamente como um sonho a um público sempre devotado e fiel, ali em Xemaá-el-Fná.
Era a história ou o resumo fictício do que tinha sido sua vida. Uma vida sintetizada em quatro gestos que clamavam ao céu e em quatro vibrações acústicas e rítmicas de voz cor fraque branco de músico de jazz. Voz de orate negro. Na verdade aquela era toda uma voz de cor.

Enrique Vila-Matas. "La fuga en camisa". In. Recuerdos inventados. Barcelona: Anagrama, 1994 [originalmente publicado em Una casa para siempre] Tradução de Conrado Falbo

21 de mar. de 2013