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21 de abr. de 2015

Que este amor não me cegue nem me siga. :: Hilda Hilst

 Alphonse Mucha

Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua do estar sendo perseguida
e do tormento
de só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
de um suposto de heras em alto muro.

Que este amor só me faça descontente
e farta de fadigas. E de fragilidades tantas
eu me faça pequena. E diminuta e tenra
como só soem ser aranhas e formigas.

Que este amor só me veja de partida.

In:  "Cantares do Sem-nome e de Partidas"  

2 de mar. de 2015

Infância :: Helena Kolody

Anita Malfatti 
Aquelas tardes de Três Barras,
Plenas de sol e de cigarras!

Quando eu ficava horas perdidas
Olhando a faina das formigas
Que iam e vinham pelos carreiros,
No áspero tronco dos pessegueiros.

A chuva-de-ouro
Era um tesouro,
Quando floria.
De áureas abelhas
Toda zumbia.
Alfombra flava
O chão cobria...

O cão travesso, de nome eslavo,
Era um amigo, quase um escravo.

Merenda agreste:
Leite crioulo,
Pão feito em casa,
Com mel dourado,
Cheirando a favo.

Ao lusco-fusco, quanta alegria!
A meninada toda acorria
Para cantar, no imenso terreiro:
“Mais bom dia, Vossa Senhoria”...
“Bom barqueiro! Bom barqueiro...”
Soava a canção pelo povoado inteiro
E a própria lua cirandava e ria.

Se a tarde de domingo era tranquila,
Saía-se a flanar, em pleno sol,
No campo, recendente a camomila.
Alegria de correr até cair,
Rolar na relva como potro novo
E quase sufocar, de tanto rir!

No riacho claro, às segundas-feiras,
Batiam roupas as lavadeiras.
Também a gente lavava trapos
Nas pedras lisas, nas corredeiras;
Catava limo, topava sapos
(Ai, ai, que susto! Virgem Maria!)

Do tempo, só se sabia
Que no ano sempre existia
O bom tempo das laranjas
E o doce tempo dos figos...

Longínqua infância... Três Barras
Plena de sol e cigarras!

 in A Sombra no Rio, 1951)