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10 de nov. de 2017

Parábola :: Wislawa Szymborska ( 1923 - 2012 )

 Ivan Aivazovsky

Os Pescadores tiraram uma garrafa das profundezas.
Havia nela um papel que continha as seguintes palavras:
"Acudam! Estou aqui. O oceano atirou-me para uma ilha deserta. Estou junto à água à espera de ajuda. Depressa. Estou aqui!"
- Não traz data. Por certo já é tarde. A garrafa poderia ter andado à deriva por muito tempo - disse o primeiro pescador.
- E não indicou o lugar. O oceano, pode ser um qualquer - disse o segundo pescador.
- Não é por ser tarde nem longe. A ilha Aqui pode estar em qualquer parte - disse o terceiro pescador.
Sentiram embaraço, fez-se silêncio. Com as verdades universais, é sempre assim.

1 de out. de 2015

Dor :: Alfonsina Storni :(1892 -1938)

Nicholas Roerich 
Quisera esta tarde divina de outubro 
passear pela beira longínqua do mar; 
Que a areia de ouro, e as águas verdes, 
e os céus puros me vissem passar. 

Ser alta, soberba, perfeita, quisera, 
como uma romana, para concordar 
com as grandes ondas, e as rocas mortas 
e as largas praias que apertem o mar. 

Com o passo lento, e os olhos frios 
e a boca muda, deixar-me levar; 
ver como se rompem as ondas azuis, 
contra os granitos e não pestanejar; 
ver como as aves de rapina se comem 
os peixes pequenos e não despertar; 
pensar que puderam as frágeis barcas 
Afundar-se nas águas e não suspirar; 
Ver que se adianta a garganta ao ar, 
O homem mais belo não desejar amar… 

Perder o olhar, distraidamente, 
perde-lo e que nunca o volte a encontrar: 
E figura erguida entre céu e praia 
sentir-me o esquecimento perene do mar. 

Tradução de Maria Teresa Almeida Pina 

.............
Quisiera esta tarde divina de Octubre
pasear por la orilla lejana del mar;

que la arena de oro, y las aguas verdes,
y los cielos puros me vieran pasar.

Ser alta, soberbia, perfecta, quisiera,
como una romana, para concordar

con las grandes olas, y las rocas muertas
y las anchas playas que ciñen el mar.

Con el paso lento, y los ojos fríos
y la boca muda, dejarme llevar;

ver cómo se rompen las olas azules
contra los granitos y no parpadear;

ver cómo las aves rapaces se comen
los peces pequeños y no despertar;

pensar que pudieran las frágiles barcas
hundirse en las aguas y no suspirar;

ver que se adelanta la garganta al aire,
el hombre más bello no desear amar;

perder la mirada, distraidamente,
perderla, y que nunca la vuelva a encontrar;

y, figura erguida, entre cielo y playa,
sentirme el olvido perenne del mar.

18 de abr. de 2015

FELICIDADES :: Roseana Murray


Pequenas felicidades
passeiam por nossos dias
como joaninhas na palma
da mão,
como um desenho de orquídea
trazido pelo vento.
Para não desperdiçá-las
há que estar sempre atento,
caminhar vagarosamente
pelos contornos da tarde,
encher os bolsos com a areia
dourada do tempo.

Rios da Alegria. Moderna, 2005.

2 de mar. de 2015

Infância :: Helena Kolody

Anita Malfatti 
Aquelas tardes de Três Barras,
Plenas de sol e de cigarras!

Quando eu ficava horas perdidas
Olhando a faina das formigas
Que iam e vinham pelos carreiros,
No áspero tronco dos pessegueiros.

A chuva-de-ouro
Era um tesouro,
Quando floria.
De áureas abelhas
Toda zumbia.
Alfombra flava
O chão cobria...

O cão travesso, de nome eslavo,
Era um amigo, quase um escravo.

Merenda agreste:
Leite crioulo,
Pão feito em casa,
Com mel dourado,
Cheirando a favo.

Ao lusco-fusco, quanta alegria!
A meninada toda acorria
Para cantar, no imenso terreiro:
“Mais bom dia, Vossa Senhoria”...
“Bom barqueiro! Bom barqueiro...”
Soava a canção pelo povoado inteiro
E a própria lua cirandava e ria.

Se a tarde de domingo era tranquila,
Saía-se a flanar, em pleno sol,
No campo, recendente a camomila.
Alegria de correr até cair,
Rolar na relva como potro novo
E quase sufocar, de tanto rir!

No riacho claro, às segundas-feiras,
Batiam roupas as lavadeiras.
Também a gente lavava trapos
Nas pedras lisas, nas corredeiras;
Catava limo, topava sapos
(Ai, ai, que susto! Virgem Maria!)

Do tempo, só se sabia
Que no ano sempre existia
O bom tempo das laranjas
E o doce tempo dos figos...

Longínqua infância... Três Barras
Plena de sol e cigarras!

 in A Sombra no Rio, 1951)

25 de jan. de 2015

11 de nov. de 2014

Um corpo :: Adélia Prado

Jerry McElroy

Um corpo quer outro corpo.
Uma alma quer outra alma e seu corpo.
Este excesso de realidade me confunde.
Jonathan falando:
parece que estou num filme.
Se eu lhe dissesse você é estúpido
ele diria sou mesmo.
Se ele dissesse vamos comigo ao inferno passear
eu iria.
As casas baixas, as pessoas pobres,
e o sol da tarde,
imaginai o que era o sol da tarde
sobre a nossa fragilidade.
Vinha com Jonathan
pela rua mais torta da cidade.
O Caminho do Céu.


1 de mai. de 2014

O Cavalinho Branco de Cecilia Meireles

Paul Gauguin, 1898

À tarde, o cavalinho branco
está muito cansado:

mas há um pedacinho do campo
onde é sempre feriado.

O cavalo sacode a crina
loura e comprida

e nas verdes ervas atira 
sua branca vida.

Seu relincho estremece as raízes
e ele ensina aos ventos

a alegria de sentir livres
seus movimentos.

Trabalhou todo o dia, tanto!
desde a madrugada!

Descansa entre as flores, cavalinho branco,
de crina dourada!

13 de abr. de 2014

IN VAIN THE AM’ROUS FLUTE :: Manuel de Freitas



Estas escadas tinham degraus
onde por acaso nos sentámos
à espera de não ver gaivotas,
com livros abertos
quando as mãos chegavam.

De novo e despercebida e só,
acendia-se para morrer na tarde
a inútil figuração do desejo.

E éramos outra vez nós
os seus irrepetíveis figurantes,
escondidos num poema
que o tempo pisou, deixa lá
- o recomeçado amor descendo.

17 de out. de 2013

O Amor no Éter Adélia Prado


Há dentro de mim uma paisagem
entre meio-dia e duas horas da tarde.
Aves pernaltas, os bicos mergulhados na água,
entram e não neste lugar de memória,
uma lagoa rasa com caniço na margem.
Habito nele, quando os desejos do corpo,
a metafísica, exclamam: como és bonito!
Quero escrever-te até encontrar
onde segregas tanto sentimento.
Pensas em mim, teu meio-riso secreto
atravessa mar e montanha,
me sobressalta em arrepios,
o amor sobre o natural.
O corpo é leve como a alma,
os minerais voam como borboletas.
Tudo deste lugar
entre meio-dia e duas horas da tarde.

21 de jun. de 2013

Com as rosas de Juan Ramón Jimenez

Klimt
Não, esta doce tarde
não poderei ficar;
esta tarde livre
tenho que ir na aragem.

Na aragem que ri
ao abrir das árvores,
amores aos milhares,
profunda, ondulante.

Esperam-me as rosas,
banhando sua carne.
Não ponha limites;
não quero ficar-me.

24 de mar. de 2013

Desenraizados de Cesare Pavese

Van Gogh 

Chega de mar. Já vimos mar que chegue.
Ao entardecer, quando deslavada a água se estende
e esfuma no nada, o meu amigo olha-a fixamente
e eu fixo o meu amigo e nenhum de nós fala.
Chegada a noite, acabamos por nos fechar nos fundos duma taberna,
perdidos no meio do fumo, e bebemos. O meu amigo tem sonhos
(o bramir do mar torna os sonhos um tanto monótonos)
em que a água é apenas o espelho, entre uma ilha e outra,
que reflecte colinas salpicadas de flores selvagens e cascatas.
Quando bebe, dá-lhe para isso. De olhos postos no copo,
vê-se a erguer colinas verdejantes sobre a planura do mar.
As colinas, a mim agradam-me; e deixo-o falar do mar
porque a água é tão clara que se vêem mesmo as pedras do fundo.

Eu, o que vejo é só colinas, e enchem-me o céu e a terra
com as linhas nítidas dos seus perfis, distantes ou próximas.
Mas as minhas são agrestes, estriadas de vinhedos
que crescem penosamente num solo calcinado. O meu amigo aceita-as
e quer vesti-las de flores e frutos selvagens
para nelas descobrir, entre risos, raparigas mais nuas que os frutos.
Não é preciso: aos meus sonhos mais agrestes não falta um sorriso.
Se amanhã, cedinho, nos metermos ao caminho,
poderemos encontrar nessas colinas, no meio das vinhas,
uma rapariga de pele morena, tisnada pelo sol,
e, talvez, metendo conversa, comer-lhe algumas uvas.


trabalhar cansa
trad.carlos leite
cotovia
1997

9 de jul. de 2012

Canto de um Povo de um Lugar - Caetano Veloso


Egon Schiele


Todo dia o sol levanta
E a gente canta
Ao sol de todo dia

Fim da tarde a terra cora
E a gente chora
Porque finda a tarde

Quando a noite a lua mansa
E a gente dança
Venerando a noite

Madrugada, céu de estrelas
E a gente dorme
sonhando com elas.