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1 de mai. de 2022

Distração :: Adriane Garcia


O mundo e seus assuntos
Mundanos
A beleza da xícara trincada
Ficando despercebida
Entre os gritos dos socos
Na mesa
Todos resolveram parar
O trabalho e os dias
Para gritar
Truco!
Ganha quem engana melhor
Ganha a perspicácia
O poeta perdendo
Palavras como
Acácia
Uma feiura de implorar
Música
A Beleza desarrumadinha
Do lado, calada
Esperando vez.

1 de mai. de 2015

A Escolha :: William Butler Yeats


Jean-Léon Gérôme 

O intelecto do homem é forçado a escolher
A perfeição da vida, ou do trabalho
E se escolhe a segunda tem de recusar
Uma mansão celeste, enfurecendo-se em segredo.

Quando tudo acabar, o que haverá de novo?
Com sorte ou sem ela a labuta deixou as suas marcas:
Essa velha perplexidade é a bolsa vazia,
Ou a vaidade do dia, o remorso da noite.

Tradução: Maria de Lourdes Guimarães e Laureano Silveira
In: Os pássaros brancos e outros poemas. Relógio d'Água, 2012. 
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The Choice

The intellect of man is forced to choose
Perfection of the life, or of the work,
And if it take the second must refuse
A heavenly mansion, raging in the dark.

When all that story’s finished, what’s the news?
In luck or out the toil has left its mark:
That old perplexity an empty purse,
Or the day’s vanity, the night’s remorse.

10 de abr. de 2015

Eu Tomo Conta do Mundo :: Clarice Lispector

“Sou uma pessoa muito ocupada: tomo conta do mundo. Todos os dias olho pelo terraço para o pedaço de praia com mar, e vejo às vezes que as espumas parecem mais brancas e que às vezes durante à noite as águas avançaram inquietas, vejo isso pela marca que as ondas deixaram na areia. Olho as amendoeiras de minha rua. Presto atenção se o céu de noite, antes de eu dormir e tomar conta do mundo em forma de sonho,  se o céu de noite está estrelado e azul-marinho, porque em certas noites em vez de negro parece azul-marinho. O cosmos me dá muito trabalho, sobretudo porque vejo que Deus é o cosmos. Disso eu tomo conta com alguma relutância. Observo o menino de uns dez anos, vestido de trapos e magérrimo. Terá futura tuberculose, se é que já não a tem. No Jardim Botânico, então, eu fico exaurida, tenho que tomar conta com o olhar das mil plantas e árvores, e sobretudo das vitórias-régias.
Que se repare que não menciono nenhuma vez as minhas impressões emotivas: lucidamente apenas falo de algumas das milhares de coisas e pessoas de quem eu tomo conta. Também não se trata de um emprego pois dinheiro não ganho por isso. Fico apenas sabendo como é o mundo.

Se tomar conta do mundo dá trabalho? Sim. E lembro-me de um rosto terrivelmente inexpressível de uma mulher que vi na rua. Tomo conta dos milhares de favelados pelas encostas acima. Observo em mim mesma as mudanças de estação: eu claramente mudo com elas.

Hão de me perguntar por que tomo conta do mundo: é que nasci assim, incumbida. E sou responsável por tudo o que existe, inclusive pelas guerras e pelos crimes de leso-corpo e lesa-alma. Sou inclusive responsável pelo Deus que está em constante cósmica evolução para melhor.

Tomo desde criança conta de uma fileira de formigas: elas andam em fila indiana carregando um pedacinho de folha, o que não impede que cada uma, encontrando uma fila de formigas que venha de direção oposta, pare para dizer alguma coisa às outras.

Li o livro célebre sobre as abelhas, e tomei desde então conta das abelhas, sobretudo da rainha-mãe. As abelhas voam e lidam com flores: isto eu constatei. Mas as formigas têm uma cintura muito fininha. Nela, pequena como é, cabe um mundo que, se eu não tomar cuidado, me escapa: senso instintivo de organização, linguagem para além do supersônico aos nossos ouvidos, e provavelmente para sentimentos instintivos de amor-sentimento, já que falam.
Tomei muita conta das formigas quando era pequena, e agora, que eu queria tanto poder revê-las, não encontro uma. Que não houve matança delas, eu sei porque se tivesse havido eu já teria sabido. Tomar conta do mundo exige também muita paciência: tenho que esperar pelo dia em que me apareça uma formiga. Paciência: observar as flores imperceptivelmente e lentamente se abrindo.
Só não encontrei ainda a quem prestar contas.”

in: A descoberta do mundo. Nova Fronteira, 1984.

2 de dez. de 2014

22 de nov. de 2014

Disciplina :: Cesare Pavese

O trabalho começa ao romper do dia. Mas nós começamos,
um pouco antes do romper do dia, a reconhecer-nos
nas pessoas que passam na rua. Ao descobrir os raros
transeuntes, cada um sabe que está sozinho
e que tem sono — perdido no seu próprio sonho,
cada um sabe no entanto que com o dia abrirá os olhos.
Quando a manhã chega, encontra-nos estupefactos
a fixar o trabalho que agora começa.
Mas já não estamos sozinhos e ninguém mais tem sono
e pensamos com calma os pensamentos do dia
até que o sorriso vem. Com o regresso do sol
estamos todos convencidos. Mas às vezes um pensamento
menos claro — um esgar — surpreende-nos inesperadamente
e voltamos a olhar para tudo como antes do amanhecer.
A cidade clara assiste aos trabalhos e aos esgares.
Nada pode turvar a manhã. Tudo pode
acontecer e basta levantar a cabeça
do trabalho e olhar. Rapazes que se escaparam
e que ainda não fazem nada passam na rua
e alguns até correm. As árvores das avenidas
dão muita sombra e só falta a erva
entre as casas que assistem imóveis. São tantos
os que à beira-rio se despem ao sol.
A cidade permite-nos levantar a cabeça
para pensar estas coisas, e sabe bem que em seguida a baixamos.

In:  Trabalhar Cansa (Lavorare Stanca)
Tradução de Carlos Leite

28 de out. de 2014

O homem, quando jovem :: HÉLIO PELLEGRINO.

"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar-se a si próprio. 

Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma.


Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece o seu nome."

27 de ago. de 2014

DESCULPA-ME A TERNURA :: Ana Luísa Amaral


Henri de Toulouse-Lautrec, 1894


Enternece-me pensar que estás aí
não força de trabalho desigual
nem vida à pressa
mas minha amiga.

Talvez as palavras que te digo
me transpareçam classe,
talvez nem te devesse dizer nada.
Porque és a mão que ampara o meu silêncio,
a minha filha, o meu cansaço
— à custa do teu cansaço, da tua filha,
do teu silêncio.

Não há homens-a-dias neste mundo,
mas tantas como tu,
a segurar nas mãos e no sorriso
algumas como eu.

Entraste há pouco a perguntar
se eu tinha febre
— a louça por lavar nas tuas mãos,
aspirando o cansaço dos meus ombros,
nos teus ombros o cansaço de mim
e o cansaço de ti.

Desculpa os meus silêncios,
o falar-me contigo como mais ninguém,
desculpa o tom sem pressa
— e o meu dinheiro que não chega a nada,
comprando o teu trabalho
(o teu sorriso)

3 de jun. de 2014

Labor feminino :: Maya Angelou

Russ Harris
Possuo as crianças para cuidar
Roupas para remendar
Chão para esfregar
Comida para comprar
Frango para fritar
Bebê para limpar
Tenho companhia para me alimentar
Jardim para ervas daninhas arrancar
Neném para trajar
Lata para cortar
Esta cabana limpar
O doentes para cuidar
E o algodão para pegar
Brilhem sobre mim, raios de sol
Chova sobre mim, chuva
Caiam, lentamente, gotas d’orvalho
e refresquem minha pele, novamente.
Tempestade, sopre-me daqui
Com seu mais poderoso vento
Deixe-me nos céus flutuar
Até que eu possa descansar.
Caiam, gentilmente, flocos de neve
Cubram-me com seu glacial
palor e seu beijo congelante
Deixe-me descansar nesta noite errante.
Sol, céu, chuva
Montanha, oceanos, folha e pedra
Estrela brilhante, lua incandescente
Vocês são as únicas coisas que me pertencem.

Tradução  Alice Dias

1 de mai. de 2014

O Cavalinho Branco de Cecilia Meireles

Paul Gauguin, 1898

À tarde, o cavalinho branco
está muito cansado:

mas há um pedacinho do campo
onde é sempre feriado.

O cavalo sacode a crina
loura e comprida

e nas verdes ervas atira 
sua branca vida.

Seu relincho estremece as raízes
e ele ensina aos ventos

a alegria de sentir livres
seus movimentos.

Trabalhou todo o dia, tanto!
desde a madrugada!

Descansa entre as flores, cavalinho branco,
de crina dourada!

Notícias do Paraíso de Zbigniew Herbert (1924 – 1998)


No paraíso a semana de trabalho é de trinta horas
os salários são elevados e os preços descem regularmente
o trabalho manual não é cansativo (devido à reduzida gravidade)
derrubar árvores não é mais pesado do que dactilografar
o sistema social é estável e as leis são sábias
na verdade no paraíso vive-se melhor do que em qualquer outro lado

A principio era para ter sido diferente
círculos luminosos coros e graus de abstracção
mas não foram capazes de separar completamente
o espirito da carne de tal modo que quem chega
traz sempre uma gota de gordura uma fibra de músculo
foi necessário enfrentar as consequências
misturar um grão de absoluto com um grão de argila
mais um desvio da doutrina o ultimo desvio
só o apostolo João o entreviu: ressuscitaremos na carne

São poucos os que acreditam em Deus
isso é só para aqueles cem por cento pneuma
os outros ouvem os comunicados sobre milagres e dilúvios
um dia Deus revelar-se-á a todos
quando irá isso acontecer ninguém sabe

Como agora todos os sábados ao meio-dia
as sirenes tocam docemente
e das fábricas saem os proletários celestes
envergonhados debaixo ds braços carregam as suas asas como violinos

Tradução de Jorge Sousa Braga a partir da versão inglesa de Czeslaw Milosz.

Publicado por Assírio & Alvim, Lisboa 2009

27 de abr. de 2014

Heraclito, o Obscuro de Hélio Pellegrino


Klaus Tiedge.


A pedra se move menos que a planta.

A planta se move menos que o réptil, movendo-se sobre a

pedra.

O réptil se move menos que o leopardo, na espessura da

floresta.

O leopardo se move menos que o homem, faminto de

mundo e espaço.

Todo ser, ao mover-se, exprime o seu desassossego: arco

tendido na direção do vir-a-ser.

A pedra tem mais sossego que a planta.

A planta tem mais repouso que o réptil.

O réptil é mais sonolento que o leopardo.

O homem, este é pura insônia — trabalho futuro, vôo e flecha.

1 de mai. de 2013

Coisas a fazer segundo a Bíblia de Elaine Equi

Jonathan Eastman Johnson

Embebedar-se.
Caminhar sobre as águas.
Colecionar circuncisões.
Arrancar um olho.

Construir uma arca.
Interpretar sonhos.
Matar um irmão.
Não olhar para trás.

Juntar-se a uma tribo.
Ouvir as nuvens.
Viver numa tenda.
Deixar o trabalho.

Falar com as montanhas.
Apresentar-se perante um rei.
Ressuscitar os mortos.
Procurar o espírito.

Colher o que se semeou.
Somar bem-aventuranças.
Ranger os dentes.
Pescar para os homens.

Deixar crescer a barba.
Usar o hábito.
Montar um burro.
Transportar uma tocha.

Sentar-se junto a uma nascente.
Viver para chegar a velho.
Permanecer virgem
e falar em línguas.

Estas são as palavras do Senhor.

(original em Illinois Voices, organização e selecção de Kevin Stein e G.E. Murray, University of Illinois Press, Urbana and Chicago, 2001, pp. 272-273).

7 de nov. de 2010

Para pensar






"Sete pecados sociais: política sem princípios, riqueza sem trabalho, prazer sem consciência, conhecimento sem caráter, comércio sem moralidade, ciência sem humanidade e culto sem sacrifício."
Collected Works of Mahatma Gandhi  Vol. 33  p. 135