12 de ago. de 2012

Ordálio ou ordália

manuscrito latino - século 12 
Outra vez, quis em vão, me ausentar do teu mundo.
Qual um eremita, mergulhar no deserto da minha alma frágil e sem calma.
Todavia, desta feita, como num ordálio previsível e sombrio, tua voz me inundou em ondas fatais, e tuas mãos, hoje calejadas, tocaram leves...
Meu sorriso guardado em caixa de papel crepom.
Heroína e vilã, eis me outra vez aos teus pés.
Rapapés a ti...
E minhas juras de volta aqui.
Meu pedido, em tom dolorido:
Cuide do teu refém, ou o deixe...
A outrem
de: Anderson Julio Lobone 

Ordálio ou ordália é um tipo de prova judiciária usado para determinar a culpa ou a inocência do acusado por meio da participação de elementos da natureza e cujo resultado é interpretado como um juízo divino.Também é conhecido como juízo de Deus (judicium Dei, em latim).
As práticas mais comuns do ordálio são as que envolvem submeter o acusado a uma prova dolorosa. Se a prova é concluída sem ferimentos ou se as feridas são rapidamente curadas, o acusado é considerado inocente. Na Europa medieval, este tipo de procedimento fundava-se na premissa de que Deus protegeria o inocente, por meio de um milagre que o livraria do mal causado pela prova. Apesar de haver sido amplamente praticado durante a Idade Média na Europa, o ordálio possui raízes mais antigas, em culturaspoliteistas tão remotas quanto o Código de Hamurábi e o Código de Ur-Nammu, bem como em sociedades tribais animistas, como o julgamento pela ingestão da "água vermelha" (fava-de-calabar) em Serra Leoa.
Nas sociedades pré-modernas, o ordálio era um dos três principais meios de prova que habilitavam o juiz a proferir um veredicto, juntamente com o juramento e o testemunho. Na Europa, os ordálios em geral consistiam em testar o acusado no fogo ("prova de fogo") ou na água, embora a natureza precisa da prova variasse conforme o lugar e a época. O fogo costumava ser reservado para testar acusados de origemnobre, enquanto que a água era mais usada para os plebeus.
A Igreja Católica por meio dos papas condenou sucessivamente o ordálio, por exemplo, Estêvão VI em887/888, Alexandre II em 1063[2], e mais prominentemente Inocêncio III no IV Concílio de Latrão em 1215, proibindo que o clero cooperasse com os julgamentos pelo fogo e pela água, substituindo-os pela compurgação (um misto de juramento e testemunho).[3] Mesmo assim, os julgamentos por ordálio escassearam somente no final da Idade Média, em geral substituídos pela confissão mediante tortura, mas a prática caiu em desuso apenas no século XVI nos países menos cristianizados.
Etimologia
O português "ordálio", registrado a partir de 1899, advém do latim tardio ordalium (plural ordalia), este do frâncico ordál ("julgamento", "juízo"), por meio dofrancês ordalie (1693).[1]
Outras fontes apontam o inglês antigo ordel e o germânico urthel ("julgamento", "veredicto") como a origem do francês ordalie, provenientes do proto-germânico *uzdailjam ("aquilo que é atribuído").

Meu Pai de Vinicius de Moraes

Van Gogh
Meu pai, dá-me os teus velhos sapatos manchados de terra
Dá-me o teu antigo paletó sujo de ventos e de chuvas
Dá-me o imemorial chapéu com que cobrias a tua paciência
E os misteriosos papéis em que teus versos inscreveste.

Meu pai, dá-me a tua pequena chave das grandes portas
Dá-me a tua lamparina de rolha, estranha bailarina das insônias
Meu pai, dá-me os teus velhos sapatos.

Ipê Amarelo





11 de ago. de 2012

A terceira margem do rio de Hélio Pellegrino


Com o passar do tempo, e em virtude do processo de minha própria maturação, percebo, literalmente, que não posso viver de ilusão. Os objetos externos se impõem, cada vez mais e, com sua autonomia, me fazem perceber as falhas de meus jogos – e dispositivos – imaginários. Preciso da realidade e dos outros, cada vez com mais urgência. A negação da realidade, pela qual construí meu sentimento de completude narcísica, tem que agora ser, por sua vez, negada. A negação dessa negação é o simbólico. Perco a capacidade de fechar os olhos ao mundo, através de minhas construções imaginárias mas, abrindo mão delas, vou simbolizá-­las, no mundo exterior segundo as leis que o regem e, acima de tudo, segundo as leis da linguagem e da cultura. A linguagem, portanto, é a terceira margem do rio, confluência do sonho e da realidade, núpcias da pulsão e do Logos, que, no transporte da paixão, engendra o verbo. Há quem pense que, com a dominância do princípio da realidade, o sonho se acabe. Em verdade, não acaba nunca. O sonho é centelha que salta do desejo e é através dela que vou acender as fogueiras através das quais o rosto do mundo se ilumina. O sonho, levado aos ombros da realidade, que o simboliza, é o projeto profundo do homem e a teleologia da história. O sonho, vivido, enraizado no real, que o suporta, vai ser a matriz da utopia, o eixo das grandes transformações que fazem a grandeza do processo civilizatório.
Pellegrino, Hélio. Édipo e Paixão in: Os Sentidos da Paixão . Companhia das Letras, São Paulo, 1986. p. 311-321

10 de ago. de 2012

Eucalyptus arco-íris (E. deglupta)






Esta árvore é originária da ilha de Mindanao, nas Filipinas. Também é encontrada naturalmente na Nova Inglaterra, Nova Guiné, Seram e Sulawesi, mas é cultivado em todo o mundo para fazer pasta de papel.
A árvore é também cultivada pela beleza de seu tronco decorativo. Na verdade, perde permanentemente sua casca lisa que se destaca em longas tiras finas e gradualmente muda de cor à medida que envelhece: primeiro um verde pálido, mais escuro antes que ela comece a ficar azul, roxo e laranja e finalmente marrom daí o nome comum da árvore.

Ele pode medir até setenta e cinco metros de altura e tem flores brancas.

Quero ser seu significado de Orhan Pamuk

imagem: arte persa - Século XV

Eu não quero ser uma árvore; Eu quero ser seu significado." 
―Orhan Pamuk, meu nome é vermelho

9 de ago. de 2012

Infância de Carlos Drummond de Andrade

Drummond aos 2 anos 

Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.

No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.

Macrame , migramah: arte de dar nós



Macramé é uma técnica de tecer fios que não utiliza nenhum tipo de maquinaria ou ferramenta. É uma forma de tecelagem manual. Trabalhando com os dedos, os fios vão se cruzando e ficam presos por nós, formando cruzamentos geométricos, franjas e uma infinidade de formas decorativas. O macramé tem duas formas mais conhecidas de trançado: o ponto "festonê" e o ponto "nó duplo", no primeiro dois fios são usados um esticado e o outro enlaça formando nós, no segundo três fios são usados um esticado no meio e os outros dois enlaçam formando nós.
A palavra macramé significa "nó". Há versões que dizem que a palavra vem do árabe, outras do turco, outras ainda do francês. Mais provavel é a origem do árabe migramah, que significa franja ornamental. Com a conquista da Península Ibérica, a técnica foi introduzida na Espanha e depois por toda a Europa. É uma arte que se originou na pré-história, quando o homem aprendeu a amarrar fibras para se agasalhar e criar objectos. Foi difundida no mundo por marinheiros que utilizavam a técnica para criar objetos marítimos que permutavam nos locais onde desembarcavam.
Até hoje a arte de dar nós é muito apreciada pela habilidade do artesão e delicadeza do trabalho.
fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Macram%C3%A9

8 de ago. de 2012

Cupido: cuspido, escarrado, de Estrela Ruiz Leminski


Os anos e os dias vão mudando
como as páginas do diário
Ou muda o número de páginas
ou mudam as paixões
Cada ano eu preciso
comprar um dicionário 
Só pra entender as minhas anotações

7 de ago. de 2012

Vilhelm Hammershøi (Copenhague1864 – Copenhague 1916)










Vilhelm Hammershøi (n. en Copenhague el 15 de mayo de 1864 – f. en Copenhague el 13 de febrero de 1916). Trabajó sobre todo en su ciudad natal, realizando retratos, paisajes y especialmente una serie de interiores por los que se hizo muy conocido.

Idioma Plural de Mia Couto




O que advogo é um homem plural, munido de um idioma plural. Ao lado de uma língua que nos faça ser mundo, deve coexistir uma outra que nos faça sair do mundo. De um lado, um idioma que nos crie raiz e lugar. De outro, um idioma que nos faça ser asa e viagem.
Para “ser asa e viagem” é preciso acolher todos os outros de si. Não tolerar o outro, mas ser o outro.
Mia Couto, na Conferência Internacional de Literatura, em Estocolmo, na Suécia.
fonte: http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/01/lingua-que-somos-lingua-que-podemos-ser.html

6 de ago. de 2012

Ipê- Rosa







Coisas que não há que há de Manuel António Pina


"Uma coisa que me põe triste é que não exista o que não existe.
(Se é que não existe, e isto é que existe!)

Há tantas coisas bonitas que não há: 
coisas que não há, 
gente que não há, 
bichos que já houve e já não há, 
livros por ler, 
coisas por ver, 
feitos desfeitos, outros feitos por fazer, 
pessoas tão boas ainda por nascer e outras que morreram há tanto tempo! 

Tantas lembranças de que não me lembro, 
sítios que não sei, 
invenções que não invento, 
gente de vidro e de vento, 
países por achar, paisagens, 
plantas, 
jardins de ar, 
tudo o que eu nem posso imaginar porque se o imaginasse já existia 
embora num sítio onde só eu ia..."


5 de ago. de 2012

Quem somos nós de Ítalo Calvino

imagem: Hyuro 
Quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilo, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis. 
Ítalo Calvino In: Seis propostas para o próximo milênio.

4 de ago. de 2012

A Hora de Estrela Leminski


“Amo o que foi 
e já não é a dor 
que não me dói” 
“De agora em diante 
só o durante dura”

“Já ouvi doze vezes 
dar a hora
Num relógio que diz 
que é meio dia”

Dentro do tempo 
há o agora
E a vida preserva

3 de ago. de 2012

Rayuela de Julio Cortázar

Frank Lloyd Wrigh
Amor mío, no te quiero por vos ni por mí ni por los dos juntos, no te quiero porque la sangre me llame a quererte, te quiero porque no sos mía, porque estás del otro lado, ahí donde me invitás a saltar y no puedo dar el salto, porque en lo más profundo de la posesión no estás en mí, no te alcanzo, no paso de tu cuerpo, de tu risa, hay horas en que me atormenta que me ames (cómo te gusta usar el verbo amar, con qué cursilería lo vas dejando caer sobre los platos y las sábanas y los autobuses), me atormenta tu amor que no me sirve de puente porque un puente no se sostiene de un solo lado, jamás Wright ni Le Corbusier van a hacer un puente sostenido de un solo lado, y no me mires con esos ojos de pájaro, para vos la operación del amor es tan sencilla, te curarás antes que yo y eso que me querés como yo no te quiero. Claro que te curarás, porque vivís en la salud, después de mí será cualquier otro, eso se cambia como los corpiños.
 In: Rayuela, de Julio Cortázar

2 de ago. de 2012

Jardim Majorelle em Marraquexe, Marrocos














O Jardim Majorelle é o jardim botânico de Marraquexe. Foi projetado pelo artista francês Jacques Majorelle e 1924, durante o período em que o Marrocos era protetorado francês.

Soneto acompanhado de Glauco Mattoso



Bassês não são eternos, nem são nossa
melhor ou mais completa companhia... 
mas unem gênio, graça e raça à esguia 
salsicha, à pata torta, curta e grossa. 

Do Chicho, meu bassê, não há quem possa
dizer que outro mais fofo e vivo havia. 
Dá dó seu triste olhar, que o meu copia. 
Tem charme e classe até quando se coça. 

Depois dalgum convívio, conversamos
na mesma língua, e a bom entendedor 
bastava um "au", sem teimas nem reclamos. 

Sabia estar nos olhos minha dor,
e sei que os dois estávamos e estamos
no mesmo barco, e irei pronde ele for.

de: Animalesca escolha, de Glauco Mattoso

1 de ago. de 2012

Você Tem Açúcar - Ana Salvagni


Você tem açúcar na voz, no olhar

A vida é mais doce lhe ouvindo falar

Amando você, o amor não tem fel

A gente só pensa na lua-de-mel

Você tem açúcar no seu coração

Você é o engenho, minha Usina de Bangüê

Meu pé-de-moleque, meu doce de coco

Que gosto gostoso que eu sinto em você

Seu beijo é receita de um bolo caseiro

Que dá apetite até pelo cheiro

A fome não mata, mas tira a vontade

De, um dia, outro beijo o matuto provar

Você é reclame de confeitaria

Bombonzinho, casadinho

Se um dia você me deixar

Minha vida vai ser de amargar


canção de Roberto Martins e Osvaldo Santiago 
http://www.anasalvagni.com.br/tudo_cds.htm

31 de jul. de 2012

Viver de Anna Akhmátova



Aprendi a viver com simplicidade, com juízo,

a olhar o céu, a fazer minhas orações,

a passear sozinha até a noite,

até ter esgotado esta angústia inútil.

Enquanto no penhasco murmuram as bardanas

e declina o alaranjado cacho da sorveira,

componho versos bem alegres

sobre a vida caduca, caduca e belíssima.

Volto para casa. Vem lamber a minha mão

o gato peludo, que ronrona docemente,

e um fogo resplandecente brilha

no topo da serraria, à beira do lago.

Só de vez em quando o silêncio é interrompido

pelo grito da cegonha pousando no telhado.

Se vieres bater à minha porta,

é bem possível que eu sequer te ouça.


Tradução de Lauro Machado Coelho

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...