Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
8 de ago. de 2013
O idílio suave de Guilherme de Almeida
Watteau
Chegas. Vens tão ligeira
e és tão ansiosamente esperada, que enfim,
nem te sentindo o passo e já te tendo inteira,
completamente em mim,
quando, toda Watteau, silenciosa, apareces,
é como se não viesses.
Vens... E ficas tão perto
de mim, e tão diluída em minha solidão,
que eu me sinto sozinho e acho imenso e deserto
e vazio o salão...
E, sem te ouvir nem ver, arde-me em febre a face,
como se eu te esperasse!
Partes. Mas é tão pouco
o que de ti se vai que ainda te vejo o arfar
do seio, e o teu cabelo, e o teu vestido louco,
e a carícia do olhar,
e a tua boca em flor a dizer-me doidices,
como se não partisses!
7 de ago. de 2013
POR DELICADEZA :: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
Mas nunca dancei
Em frente das grades
Só três passos dei
Tão breve o começo
Tão cedo negado
Dancei no avesso
Do tempo bailado
Dançarina fui
Mas nunca bailei
Deixei-me ficar
Na prisão do rei
Onde o mar aberto
E o tempo lavado?
Perdi-me tão perto
Do jardim buscado
Bailarina fui
Mas nunca bailei
Minha vida toda
Como cega errei
Minha vida atada
Nunca a desatei
Como Rimbaud disse
Também eu direi:
«Juventude ociosa
Por tudo iludida
Por delicadeza
Perdi minha vida»
6 de ago. de 2013
Jasmim da Carolina, Jasmim amarelo, jessamine, gelsemium, woodbine (em inglês); jasmim real, gelsemio (em espanhol), Gelsemium sempervirens
Esta trepadeira, cuja flor é símbolo da Carolina do Sul, estado localizado no Sudeste dos Estados Unidos, é longamente mencionada na medicina homeopática. No paisagismo, é usada em cercas ou portões próximos dos acessos, para aproveitar melhor a fragrância de suas flores que atraem muitas borboletas. Seus ramos de tons avermelhados são finos e fortes, mas não conseguem suportar o peso de suas folhas coriáceas, por esse motivo é indispensável conduzi-la através de guias ou apoios. É interessante podá-la discretamente depois da florada, isto incentiva o florescimento futuro.
Sinônimos estrangeiros: Yellow jessamine, jasmine, carolina jasmine, jessamine, trumpetflower, gelsemium, woodbine (em inglês), jazmín real, jazmín de Carolina, gelsemio (em espanhol).
Família: Loganiaceae.
Características: Trepadeira semi-lenhosa e ramificada.
Porte: Ramos com cerca de 6 m de comprimento, desde que com ajuda de suportes.
Fenologia: Verão e outono.
Cor da flor: Amarelo, às vezes com o centro alaranjado, em cachos e com formato de trombeta. Muito perfumada.
Cor da folhagem: Verde-escuro e brilhante, podendo adquirir tons cúpreos no inverno.
Origem: Sul dos Estados Unidos, México e América Central.
Clima: Temperado/ subtropical
Luminosidade: Sol pleno.fonte: http://www.jardimcor.com
UM CASAQUINHO PRETO de Manuel António Pina
Como podia saber que vivia
num lugar tão distante
e numa casa tão grande?
Que a mãe me falava
de debaixo da terra,
e que o seu rosto era
uma sombra passada
sobre mim debruçada?
Que o seu nome me chamava
e eu já lá não estava,
porque tinha crescido
e porque tudo crescera comigo:
a casa, o quarto, os livros,
até o céu crescera
e se afastava;
e que eu próprio era
uma recordação
de que já mal me lembrava?
5 de ago. de 2013
Garras dos sentidos de Agustina Bessa Luís
Não quero cantar amores,
Amores são passos perdidos.
São frios raios solares,
Verdes garras dos sentidos.
São cavalos corredores
Com asas de ferro e chumbo,
Caídos nas águas fundas.
Não quero cantar amores.
Paraísos proibidos,
Contentamentos injustos,
Feliz adversidade,
Amores são passos perdidos.
São demência dos olhares,
Alegre festa de pranto,
São furor obediente,
São frios raios solares.
Da má sorte defendidos
Os homens de bom juízo
Têm nas mãos prodigiosas
Verdes garras dos sentidos.
Não quero cantar amores
Nem falar dos seus motivos.
Agustina de Bessa Luís (n. em Vila Meã, Amarante em 1922)
4 de ago. de 2013
Viagem de Otavio Ianni
A viagem pode ser uma longa faina destinada a desenvolver o eu. As inquietações, descobertas e frustrações podem agilizar as potencialidades daquele que caminha, busca ou foge. Ao longo da
travessia, não somente encontra-se, mas reencontra-se, já que se descobre mesmo e diferente, idêntico e transfigurado. (IANNI, Otavio. Enigmas da modernidade. Civilização Brasileira, 2000,
p. 26)
3 de ago. de 2013
Poema-improviso de Hélio Pellegrino
nikolay bogdanov belsky
Eu tinha que levantar cedo,
tinha que escovar os dentes,
ir a escola, passar de ano,
assistir à missa e temer a Deus.
Nessa medida,
Eu tinha garantia certa de felicidade certa.
O resto,
Isto é,
o lado escuro do mundo,
os mistérios da vida e da morte,
os segredos da sexualidade,
ah, o resto
correu por minha conta.
2 de ago. de 2013
Dai-nos, meu Deus um pequeno absurdo quotidiano que seja de Alexandre O'Neill
Dai-nos, meu Deus, um pequeno absurdo quotidiano que seja,
que o absurdo, mesmo em curtas doses,
defende da melancolia e nós somos tão propensos a ela!
Se é verdade o aforismo faca afia faca
(não sabemos falar senão figuradamente
sinal de que somos pouco capazes de abstracção).
Se faca afia faca,
então que a faca do absurdo
venha afiar a faca da nossa embotada vontade,
venha instalar-se sobre a lâmina do inesperado
e o dia a dia será nosso e diferente.
Aflições? Teremos muitas não haja dúvida.
Mas tudo será melhor que este dia a dia.
Os povos felizes não têm história, diz outro aforismo.
Mas nós não queremos ser um povo feliz.
Para isso bastam os suiços, os suecos, que sei eu?
Bom proveito lhes faça!
Nós queremos a maleita do suíno,
a noiva que vê fugir o noivo,
a mulher que vê fugir o marido,
o órfão que é entregue à caridade pública,
o doente de hospital ainda mais miserável que o hospital
onde está a tremer, a um canto, e ainda ninguém lhe ligou nenhuma.
Nós queremos ser o aleijado nas ruas,
a pedir esmola, a esbardalhar-se frente aos nossos olhos.
Queremos ser o pai desempregado que não sabe que Natal há-de dar aos seus.
Garanti-nos, meu Deus, um pequeno absurdo cada dia,
um pequeno absurdo às vezes chega para salvar.
Alexandre Manuel Vahía de Castro O'Neill (n. em Lisboa a 19 de Dez de 1924; m. em 21 de Agosto de 1986).
1 de ago. de 2013
Timidez de Cecilia Meireles
BASTA-ME um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...
- mas só esse eu não farei.
Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...
- palavra que não direi.
Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,
- que amargamente inventei.
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