24 de dez. de 2013

Natividade

Gentile da Fabriano, 1423

Tiepolo

Gerard van Honthorst


Bosh 

Giotto







La Nativité, vers 1150. Cathédrale de Chartres. França

Na manjedoura :: Clarice Lispector

Arthur Hughes

Na manjedoura estava calmo e bom. Era de tardinha, ainda não se via a estrela. Por enquanto o nascimento era só de família. Os outros sentiam mas ninguém via. Na tarde já escurecida, na palha cor de ouro, tenro como cordeiro refulgia o menino, tenro como o nosso filho. Bem de perto, uma cara de boi e outra de jumento olhavam, e esquentavam o ar com hálito do corpo. Era depois do parto e tudo úmido repousava, tudo úmido e morno respirava. Maria descansava o corpo cansado, sua tarefa no mundo seria a de cumprir o seu destino e ela agora repousava e olhava. José, de longas barbas, meditava; seu destino, que era o de entender, se realizara. O destino da criança era o de nascer. E o dos bichos ali se fazia e refazia: o de amar sem saber que amavam. A inocência dos meninos, esta a doçura dos brutos compreendia. E, antes dos reis, presenteavam o nascido com o que possuíam: o olhar grande que eles têm e a tepidez do ventre que eles são.
A humanidade é filha de Cristo homem, mas as crianças, os brutos e os amantes são filhos daquele instante na manjedoura. Como são filhos de menino, os seus erros são iluminados: a marca do cordeiro é o seu destino. Eles se reconhecem por uma palidez na testa, como a de uma estrela de tarde, um cheiro de palha e terra, uma paciência de infante. Também as crianças, os pobres de espírito e os que se amam são recusados nas hospedarias. Um menino, porém, é o seu pastor e nada lhes faltará. Há séculos eles se escondem em mistérios e estábulos onde pelos séculos repetem o instante do nascimento: a alegria dos homens.

Para não esquecer. Editora Ática, 1984. p. 23

23 de dez. de 2013

Caminho de Guimarães Rosa

Anna Silivonchik

Fiz o caminho. Sem tomar direção, sem saber do caminho. 
Pé por pé, pé por si. Deixei que o caminho me escolha. 
Na travessia, só silêncio. O nenhuns-nada. 
O alegre, mesmo, era a gente viver devagarinho, miudinho, 
não se importando demais com coisa nenhuma. 
Nessa estrada, salvou-me a palavra. 


20 de dez. de 2013

Anunciação :: Clarice Lispector

Angelo Savelli

Tenho em casa uma pintura do italiano Savelli - depois compreendi muito bem quando soube que ele fora convidado para fazer vitrais no Vaticano.

Por mais que olhe o quadro, não me canso dele. Pelo contrário, ele me renova.

Nele, Maria está sentada perto de uma janela e vê-se pelo volume de seu ventre que está grávida . O arcanjo , de pé ao seu lado, olha-a . E ela, como se mal suportasse o que lhe fora anunciado como destino seu e destino para a humanidade futura através dela, Maria aperta a garganta com a mão, em surpresa e angústia .

O anjo, que veio pela janela, é quase humano : só suas longas asas é que lembram que ele pode se transladar sem ser pelos pés. As asas são muito humanas: carnudas, e o seu rosto é o rosto de um homem.

É a mais bela e cruciante verdade do mundo.

Cada ser humano recebe a anunciação: e, grávido de alma, leva a mão à garganta em susto e angústia . Como se houvesse para cada um, em algum momento da vida, a anunciação de que há uma missão a cumprir .

A missão não é leve: cada homem é responsável pelo mundo inteiro .

In: A Descoberta do Mundo.  Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984. p. 232

O gato e o pássaro :: Jacques Prévert

O gato e o pássaro Uma cidade escuta desolada O canto de um pássaro ferido É o único pássaro da cidade E foi o único gato da cidade Que o de...