5 de abr. de 2014

“Tanto amor e nada poder contra a morte!” César Vallejo



Edvard Munch 
No fim da batalha,

morto o combatente, apareceu-lhe um homem

dizendo: “Não morras, amo-te tanto!”

Mas o cadáver, ai, lá ia morrendo.

Então vieram dois e repetiram:

“Não nos deixes, coragem, volta para a vida!”

Mas o cadáver, ai, lá ia morrendo.

Acudiram então vinte, cem, mil, quinhentos mil,

clamando: “Tanto amor e nada poder contra a morte!”

Mas o cadáver, ai, lá ia morrendo.

Então rodearam-no todos os homens da terra;

olhou-os o cadáver triste, emocionado;

pôs-se em pé lentamente,

abraçou o primeiro homem; e pôs-se a andar…

4 de abr. de 2014

Anja Niedringhaus (1965 North Rhine-Westphalia, Alemanha – 2014)












Silvia Logi - artista de Florença, Itália


























Escutai de MAIAKÓVSKI


Escutai! Se as estrelas se acendem

será por que alguém precisa delas?

Por que alguém as quer lá em cima?

Será que alguém por elas clama,

por essas cuspidelas de pérolas?

Ei-lo aqui, pois, sufocado, ao meio-dia,

no coração dos turbilhões de poeira;

ei-lo, pois, que corre para o bom Deus,

temendo chegar atrasado,

e que lhe beija chorando

a mão fibrosa.

Implora! Precisa absolutamente

duma estrela lá no alto!

Jura! Que não poderia mais suportar

essa tortura de um céu sem estrelas!

Depois vai-se embora,

atormentado, mas bancando o gaiato

e diz a alguém que passa:

“Muito bem! Assim está melhor agora, não é?

Não tens mais medo, hein?


“Escutai, pois! Se as estrelas se acendem

é porque alguém precisa delas.

É porque, em verdade, é indispensável

que sobre todos os tetos, cada noite,

uma única estrela, pelo menos, se alumie.


tradução de E. Carrera Guerra

3 de abr. de 2014

Caminhante de Antonio Machado



Caminante, son tus huellas

el camino, y nada más;

caminante, no hay camino,

se hace camino al andar.

Al andar se hace camino,

y al volver la vista atrás

se ve la senda que nunca

se ha de volver a pisar.

Caminante, no hay camino,

sino estelas en la mar.

.......................

Caminhante, são teus rastos

o caminho, e nada mais;

caminhante, não há caminho,

faz-se caminho ao andar.

Ao andar faz-se o caminho,

e ao olhar-se para trás

vê-se a senda que jamais

se há-de voltar a pisar.

Caminhante, não há caminho,

somente sulcos no mar.

2 de abr. de 2014

Monika Forsberg
















http://walkyland.com/


Liberdade



Algarve - Praia de Amado

Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.


1 de abr. de 2014

Conta a teu filho :: Renata Pallottini

Conta a teu filho, meu filho
Daquilo que nós passamos
Que havia fitas gravadas
Retratos de corpo inteiro
Conta que nos encolhemos
Como animais espancados
Que ninguém teve coragem
Que respirávamos baixo
Olhos fugindo dos olhos
As mãos frias e suadas
E conta que faz dez anos
Que temos pouca esperança
Que pedimos testemunho
E não agüentamos mais
Talvez teu filho, meu filho
Viva em mundo mais aberto
Mas é grave que lhe contes calmamente
E nos mínimos detalhes
A história desses punhais
Cravados em nossas tardes
Porém, se por tudo isso
Renuncias a ter filhos
Como (alguns) renunciamos
Deixa inscritos, como eu deixo
Sinais em troncos de árvores
Letras em papéis esquivos
Pra que não escureça
Essa lâmpada mesquinha
Relâmpago, fogo fátuo
Pura lembrança dos dias
Em que livres,
Fomos filhos de pais muito mais felizes
Conta a quem possas, meu filho
O que em ti forem palavras
Nos outros serão raízes”.

Renata Pallottini. Coração americano. Feira de Poesia, 1979 

Se mentir todo dia :: Carlos Drummond de Andrade

Se mentir todo dia, 
erguerei um castelo 
em alta serrania 

contra toda escalada, 
e mais ninguém no mundo 
me atira seta ervada? 

Livre estarei, e dentro 
de mim outra verdade 
rebrilhará no centro? 

Ou mentirei apenas 
no varejo da vida, 
sem alívio de penas, 

sem suporte e armadura 
ante o império dos grandes, 
frágil, frágil criatura? 

Pensarei ainda nisto. 
Por enquanto não sei 
se me exponho ou resisto, 

se componho um casulo 
e nele me agasalho, 
tornando o resto nulo, 

ou adiro à suposta 
verdade contingente 
que, de verdade, mente. 

in Boitempo

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...