11 de mai. de 2015

Cartografias da Alva - Vera Ferro












O artista inconfessável :: João Cabral de Melo Neto

Orest Kiprensky

Fazer o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre o fazer e o não fazer
Mais vale o inútil do fazer.
Mas não, fazer para esquecer
que é inútil: nunca o esquecer.
Mas fazer o inútil sabendo
que ele é inútil, e bem sabendo
que é inútil e que seu sentido
não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil
do que não fazer, e difícil-
mente se poderá dizer
com mais desdém, ou então dizer
mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém.


A educação pela pedra. Nova Fronteira, 2004. 

10 de mai. de 2015

Énia Lipanga (Moçambique)


Cresces e fazes meus sonhos aos poucos
Pouco a pouco ocupas meu ventre oco
Palpitas vida no meu ser

Desenho teu rosto e nossos futuros amassos
Sinto teu primeiro caminhar minha filhota
Te moves na melodia dos meus passos
Me empurras em tuas inocentes cambalhotas

Cresces vida em mim
Fazes voar meu entusiamo de te ter
Te apalpo mesmo coberta pelo ventre
E entre o vento me levas a ansiedade
E me ocupas o corpo com teu crescer

E aos poucos vai se unindo a nossa eterna corda
Me fazes esperar e a vontade já transborda

Cresces vida em mim
Magia sem igual na terra
Me das paz e eu protejo-te desta guerra
Cresces a cada segundo que te espero

Cresces como a água no mar dormindo
Cresces tu, cresces, e la vais indo


Mãe de Mário de Andrade

Existirem mães,
Isso é um caso serio.
Afirmam que a mãe 
Atrapalha tudo.
É fato, ela prende
Os erros da gente,
E era bem melhor 
Não existir mãe.
Mas em todo caso
Quando a vida está
Mais dura, mais vida,
Ninguém como a mãe
Para agüentar a gente
Escondendo a cara
Entre os joelhos dela
– O que você tem?...
Ela bem que sabe
Porém a pergunta
É pra disfarçar
Você mente muito,
Ela faz que acenta,
E a desgraça vira
Mistério pra dois.
Não vê que uma amante
Nem outra mulher
Entende a verdade
Que a gente confessa
Por trás das mentiras!
Só mesmo uma mãe...
Só mesmo essa dona
Que a-pesar-de ter
A cara raivosa
Do filho entre os seios
Marcando-lhe a carne,
Sentindo-lhe os cheiros,
Permanece virgem,
E o filho também...
Oh virgens, perdei-vos,
Pra terdes o direito
A essa virigindade
Que só as mães têm!"


Poesias Completas. Belo Horizonte, Editora Itatiaia. p. 305.

9 de mai. de 2015

Rodrigo Ferrario










Três metades :: Paulo Leminski

Anna Cunha 

Meio dia,
um dia e meio,
meio dia, meio noite,
metade deste poema
não sai na fotografia,
metade, metade foi-se.

Mas eis que a terça metade,
aquela que é menos dose
de matemática verdade
do que soco, tiro, ou coice,
vai e vem como coisa 
de ou, de nem, ou de quase.

Como se a gente tivesse 
metades que não combinam, 
três partes, destempestades,
três vezes ou vezes três, 
como se quase, existindo,
só nos faltasse o talvez.

Distraídos Venceremos. Brasiliense, 1987. 

8 de mai. de 2015

Arte digital de Catherine Nelson










Volta :: Alice Sant'Anna

7 de mai. de 2015

Yara Tupynambá











Paranapiacaba, um dia :: Fabiano Calixto

Chegamos à av. Fox
um vento gelado no rosto
as árvores como tigres espreitando
pelas venezianas
no céu, gigantescas filandras glaciais
uma tarde trincada por relâmpagos

(cerveja gelada, arroz, peixe e batata frita,
sentados ao terraço (de uma arquitetura
perdida), assistimos aos 
casais do século XIX, que adentravam
o baile do Clube Lira Serrano
com seus fraques e vestidos de gala,
rostos alegres e mãos dadas, 
tomados de névoa – a mesma
com a qual se vestem os mortos
e as fotografias antigas)

a mata atlântica  abraçava o velho casarão
que cultivava, sem barulho, seus fantasmas
(que, por sua vez, guardavam, incansáveis, 
os pequenos dias que iam embora
no sótão, junto aos vagões
que, como aqueles, também partiriam para sempre
- os dias, com suas espinhas, seus numerais vagos,
a ilusão suprema do fim de todo o mal;
os vagões, sua pele planejada, sua tinta
coroando a labuta, seus personagens complexos
a esconder sob os cílios tantas, paisagens)

como dois casais de navegantes do tempo,
como, quando crianças, nos velhos seriados de TV,
como pequenas iguarias no estômago de um deus faminto,
como quatro pares de asas tornando o planeta mais leve,
escrevemos nossos nomes, inscrevemos nossos risos
(por puro acidente) naquele dia
na história do Ocidente



Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...