Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
12 de mai. de 2015
11 de mai. de 2015
O artista inconfessável :: João Cabral de Melo Neto
Orest Kiprensky
Fazer o que seja é inútil.
Não fazer nada é inútil.
Mas entre o fazer e o não fazer
Mais vale o inútil do fazer.
Mas não, fazer para esquecer
que é inútil: nunca o esquecer.
Mas fazer o inútil sabendo
que ele é inútil, e bem sabendo
que é inútil e que seu sentido
não será sequer pressentido,
fazer: porque ele é mais difícil
do que não fazer, e difícil-
mente se poderá dizer
com mais desdém, ou então dizer
mais direto ao leitor Ninguém
que o feito o foi para ninguém.
A educação pela pedra. Nova Fronteira, 2004.
10 de mai. de 2015
Énia Lipanga (Moçambique)
Cresces e fazes meus sonhos aos poucos
Pouco a pouco ocupas meu ventre oco
Palpitas vida no meu ser
Desenho teu rosto e nossos futuros amassos
Sinto teu primeiro caminhar minha filhota
Te moves na melodia dos meus passos
Me empurras em tuas inocentes cambalhotas
Cresces vida em mim
Fazes voar meu entusiamo de te ter
Te apalpo mesmo coberta pelo ventre
E entre o vento me levas a ansiedade
E me ocupas o corpo com teu crescer
E aos poucos vai se unindo a nossa eterna corda
Me fazes esperar e a vontade já transborda
Cresces vida em mim
Magia sem igual na terra
Me das paz e eu protejo-te desta guerra
Cresces a cada segundo que te espero
Cresces como a água no mar dormindo
Cresces tu, cresces, e la vais indo
Mãe de Mário de Andrade
Existirem mães,
Isso é um caso serio.
Afirmam que a mãe
Atrapalha tudo.
É fato, ela prende
Os erros da gente,
E era bem melhor
Não existir mãe.
Mas em todo caso
Quando a vida está
Mais dura, mais vida,
Ninguém como a mãe
Para agüentar a gente
Escondendo a cara
Entre os joelhos dela
– O que você tem?...
Ela bem que sabe
Porém a pergunta
É pra disfarçar
Você mente muito,
Ela faz que acenta,
E a desgraça vira
Mistério pra dois.
Não vê que uma amante
Nem outra mulher
Entende a verdade
Que a gente confessa
Por trás das mentiras!
Só mesmo uma mãe...
Só mesmo essa dona
Que a-pesar-de ter
A cara raivosa
Do filho entre os seios
Marcando-lhe a carne,
Sentindo-lhe os cheiros,
Permanece virgem,
E o filho também...
Oh virgens, perdei-vos,
Pra terdes o direito
A essa virigindade
Que só as mães têm!"
Poesias Completas. Belo Horizonte, Editora Itatiaia. p. 305.
Isso é um caso serio.
Afirmam que a mãe
Atrapalha tudo.
É fato, ela prende
Os erros da gente,
E era bem melhor
Não existir mãe.
Mas em todo caso
Quando a vida está
Mais dura, mais vida,
Ninguém como a mãe
Para agüentar a gente
Escondendo a cara
Entre os joelhos dela
– O que você tem?...
Ela bem que sabe
Porém a pergunta
É pra disfarçar
Você mente muito,
Ela faz que acenta,
E a desgraça vira
Mistério pra dois.
Não vê que uma amante
Nem outra mulher
Entende a verdade
Que a gente confessa
Por trás das mentiras!
Só mesmo uma mãe...
Só mesmo essa dona
Que a-pesar-de ter
A cara raivosa
Do filho entre os seios
Marcando-lhe a carne,
Sentindo-lhe os cheiros,
Permanece virgem,
E o filho também...
Oh virgens, perdei-vos,
Pra terdes o direito
A essa virigindade
Que só as mães têm!"
Poesias Completas. Belo Horizonte, Editora Itatiaia. p. 305.
9 de mai. de 2015
Três metades :: Paulo Leminski
Anna Cunha
Meio dia,
um dia e meio,
meio dia, meio noite,
metade deste poema
não sai na fotografia,
metade, metade foi-se.
Mas eis que a terça metade,
aquela que é menos dose
de matemática verdade
do que soco, tiro, ou coice,
vai e vem como coisa
de ou, de nem, ou de quase.
Como se a gente tivesse
metades que não combinam,
três partes, destempestades,
três vezes ou vezes três,
como se quase, existindo,
só nos faltasse o talvez.
Distraídos Venceremos. Brasiliense, 1987.
8 de mai. de 2015
Volta :: Alice Sant'Anna
em que se tem tempo –
tempo só se arranja quando
não se tem
quando sobra desse jeito
a gente repete os assuntos
o ônibus chega rápido
e os trajetos ficam curtos
– de repente
readaptar-se à própria casa
como foi lá? bom
rever os gigantes, os mínimos
dedicar a eles igual dose
de carinho ou indiferença
usar as roupas que ficaram
meses dobradas no armário
com cheiro de sachê
nessas tardes sem compromisso
esticadas com rolo de macarrão
tudo é longo
nada dura
7 de mai. de 2015
Paranapiacaba, um dia :: Fabiano Calixto
Chegamos à av. Fox
um vento gelado no rosto
as árvores como tigres espreitando
pelas venezianas
no céu, gigantescas filandras glaciais
uma tarde trincada por relâmpagos
(cerveja gelada, arroz, peixe e batata frita,
sentados ao terraço (de uma arquitetura
perdida), assistimos aos
casais do século XIX, que adentravam
o baile do Clube Lira Serrano
com seus fraques e vestidos de gala,
rostos alegres e mãos dadas,
tomados de névoa – a mesma
com a qual se vestem os mortos
e as fotografias antigas)
a mata atlântica abraçava o velho casarão
que cultivava, sem barulho, seus fantasmas
(que, por sua vez, guardavam, incansáveis,
os pequenos dias que iam embora
no sótão, junto aos vagões
que, como aqueles, também partiriam para sempre
- os dias, com suas espinhas, seus numerais vagos,
a ilusão suprema do fim de todo o mal;
os vagões, sua pele planejada, sua tinta
coroando a labuta, seus personagens complexos
a esconder sob os cílios tantas, paisagens)
como dois casais de navegantes do tempo,
como, quando crianças, nos velhos seriados de TV,
como pequenas iguarias no estômago de um deus faminto,
como quatro pares de asas tornando o planeta mais leve,
escrevemos nossos nomes, inscrevemos nossos risos
(por puro acidente) naquele dia
na história do Ocidente
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