1 de jun. de 2015

Maude Alta White :: escultura no papel






















Retrato antigo :: José António Lozano

(...) Era então quando fazíamos uma improvisada encenação com teias e vestidos passados de moda, papel, cartão, sedas: as nossas ilusões. Marionetes e títeres.
- Podemos começar?
- Adiante
- Quem fala?
- Adivinha com o coração, pensa com as tuas mãos. Respira pela ponta dos pés. Vês com os teus dedos?
- Onde está o meu chocolate?
- Cala e anda, bebe e cala. Fala Clara?
- Calma
- Clara!
- Chama!?
A chama da vela apagava-se. Bela chama que se extinguia numa doce impressão de revolta. Nós estávamos rígidas, tão rígidas como bonécos, tão incompreensíveis como as nossas fabulosas pistas.
Uma vela, um mínimo candeeiro e aí estavam os nossos jogos de pátios azúis e de distâncias de nuvem. Os nossos olhos de carvão e vinho reflecteriam-se nas taças de chocolate de tia Letícia: carvão, vinho (nos nossos olhos, no nosso brilho) e chocolate sobre as colecções de borboletas e cenários de roupas velhas que descem como um conto de falas ligeiras. Como escrever no círculo mágico das horas oblíquas um momento ou a intuição dum momento? Doce, pois, percorre pelos sensos a voz da casa e tudo acorda veloz, veloz como dedos finos, na sua mímica e no teatro do mundo: a nossa pequena estância.
Vagarosamente a tarde decaía e a noite antiquíssima impunha o seu desvelado sonho. Eu crescia com as minhas incomparáveis amigas na mais iluminada das excitações de seda ou antigas varandas. Era eu realmente?
fonte:  Retrato antigo. Laiovento, 1993.

31 de mai. de 2015

30 de mai. de 2015

Recheng Tsang

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Está feito para o amor. :: Jorge Luis Borges

Utagawa Kunisada
Ia e vinha, delicado e fatal, repleto de infinita energia, do outro lado das firmes barras e todos nós o olhávamos. Era o tigre dessa manhã, em Palermo, e o tigre do Oriente e o tigre de Blake e de Hugo e de Shere Khan, e os tigres que foram e que serão também o tigre arquetípico, já que o indivíduo, em seu caso, é toda a espécie. Pensamos que era sanguinário e belo. Norah, uma menina, disse: “Está feito para o amor”.

In: Obras completas, vol. III, (1975-1985). Globo, 1999.  

29 de mai. de 2015

ANNABEL LEE :: Edgar Allan Poe


Foi há muitos e muitos anos já,
Num reino de ao pé do mar.
Como sabeis todos, vivia lá
Aquela que eu soube amar;
E vivia sem outro pensamento
Que amar-me e eu a adorar.

Eu era criança e ela era criança,
Neste reino ao pé do mar;
Mas o nosso amor era mais que amor --
O meu e o dela a amar;
Um amor que os anjos do céu vieram
a ambos nós invejar.

E foi esta a razão por que, há muitos anos,
Neste reino ao pé do mar,
Um vento saiu duma nuvem, gelando
A linda que eu soube amar;
E o seu parente fidalgo veio
De longe a me a tirar,
Para a fechar num sepulcro
Neste reino ao pé do mar.

E os anjos, menos felizes no céu,
Ainda a nos invejar...
Sim, foi essa a razão (como sabem todos,
Neste reino ao pé do mar)
Que o vento saiu da nuvem de noite
Gelando e matando a que eu soube amar.

Mas o nosso amor era mais que o amor
De muitos mais velhos a amar,
De muitos de mais meditar,
E nem os anjos do céu lá em cima,
Nem demônios debaixo do mar
Poderão separar a minha alma da alma
Da linda que eu soube amar.

Porque os luares tristonhos só me trazem sonhos
Da linda que eu soube amar;
E as estrelas nos ares só me lembram olhares
Da linda que eu soube amar;
E assim 'stou deitado toda a noite ao lado
Do meu anjo, meu anjo, meu sonho e meu fado,
No sepulcro ao pé do mar,
Ao pé do murmúrio do mar.

tradução : Fernando Pessoa

os menores carregam o mundo :: Mar Becker

em todas as espécies, os menores suportam-no com seus braços poucos e seus humilhados ombros  como algumas flores breves como as que não dur...