6 de jan. de 2017

Minha vontade é a de colocar cada vez mais poesia neste meu espaço :: Hilda Hilst

Minha vontade é a de colocar cada vez mais poesia neste meu espaço, para encher de beleza e de justa ferocidade o coração do outro, do outro que é você, leitor. Porque tudo o que me vem às mãos através dos jornais, tudo o que me vem aos olhos através da televisão, tudo o que me vem aos ouvidos através do rádio é tão pré-apocalipse, tão pútrido, tão devastador que fico me perguntando: por que ainda insistimos colocar palavras nas páginas em branco? [...] Enquanto não forem feitas reformas políticas e econômicas essenciais e, principalmente, leitor, um ardente coração, um dilatar-se da alma do Homem, tudo ficará como está. Podem me chamar de louca, de fantasista, [...] até de... Não sei se vocês sabem, mas “Puta” foi uma grande deusa da mitologia grega. Vem do verbo “putare”, que quer dizer podar, pôr em ordem, pensar. Era a deusa que presidia à podadura. Só depois é que a palavra degringolou na propriamente dita e em “deputado”, “putativo” etc. Se eu, de alguma forma com os meus textos, ando ceifando vossas ilusões, é para fazer nascer em ti, leitor o ato de pensar. Não sou deusa, não. Sou apenas poeta. Mas poeta é aquele que é quase profeta [...]

Correio Popular. Campinas , 
25 de junho de 1994.

5 de jan. de 2017

QUANDO NASCI VOLTEI A REAPRENDER A TRADUZIR O MUNDO :: Gisela Ramos Rosa

Quando nasci voltei a reaprender a traduzir o mundo maior em que nascia e aquele
primeiro mundo pele de minha mãe,

Era a luz voltando a entrar em relevo pelos olhos sem que
a memória anterior se tivesse extinguido

tradução e agenciamento, fluência e água amadurecendo a observação
reintegrei os gestos as formas e abri um aqueduto livre no coração
onde guardei em segredo imagens originais

compreendi que na folha em branco os espelhos se podem confundir
com a rigidez do olhar onde as pedras se fixam,
assentei o verbo na tradução das manhãs anteriores
da primeira pele descobrindo as camadas do Livro
com o brilho inquieto do real sobre as mãos

inédito lido no blogue A Linguagem dos Rostos

30 de dez. de 2016

Presepe :: João Guimarães Rosa (1908-1967)

Igreja de  St Jacques des Guérets - França 


Todos foram à vila, para missa-do-galo e Natal, deixando na fazenda Tio Bola, por achaques de velhice, com o terreireiro Anjão, imbecil, e a cardíaca cozinheira Nhota. Tio Bola aceitara ficar, de boa graça, dando visíveis sinais de paciência. Tão magro, tão fraco: nem piolhos tinha mais. Tudo cabendo no possível, teve uma idéia.
Não de primeira e súbita invenção.
Apreciara antes a ausência de meninos e adultos, que o atormentavam, tratando-o de menos; dos outros convém é a gente se livrar. Logo, porém, casa vazia, os parentes figuravam ainda mais hostis e próximos. A gente precisa também da importunação dos outros. Tio Bola, desestimado, cumpria mazelas diversas, seus oitentas anos; mas afobado e azafamoso. Quis ver visões.
Seu espírito pulou tão quanto à vila, a Natal e missa, aquela merafusa. Topava era tristeza – isto é, falta de continuação. Por que é que a gente necessita, de todo jeito, dos outros? Velho sacode facilmente a cabeça. A idéia lhe chegou então, fantasia, passo de extravagância.
- “Mecê não mije na cama!” -intimara a Nhota, quando, comido o leite com farinha, ele fingia recolher-se. Não cabia no quarto. Natal era noite nova de antiguidade. Tomou o aviso e voltou-se: estafermado, no corredor, o Anjão fazia-lhe pelas costas gesto obsceno. Ordenou-lhe então -trouxesse ao curral um boi, qualquer!
Saiu o Anjão a obedecer, gostava do que parecesse feitiço ou maldade. E no pequeno cercado estava já o burro chumbo, de que os outros não tinham carecido. Sem excogitamento, o burrinho dera a Tio Bola o remate da idéia.
Lá tora o escuro fechava. O Anjão no pátio acendera fogo, acocorava-se ante chama e brasa. Esse se ria do sossego. Também botara milho e sal no cocho, mandado.
Natal era animação para surpresas, tintins tilintos, laldas e loas! O burro e o boi -à manjedoura- como quando os bichos falavam e os homens se calavam.
Nhota, em seus cantos, rezava para tomar ar, não baixando minuto, e tudo condenava. Tio Bola esperava que o Anjão se fosse, que Nhota não tossisse mas adormecesse.
Estava de alpercatas, de camisolão e sem carapuça, esticando à janela pescoço e nariz, muito compridos. Os currais todos ermos, menos aquele… Tremia de verdade.
Veio, enfim, à sorrelfa; a horas. Pelas dez horas. Queria ver. Devagar descera, com Deus, a escada. Burro e boi diferençavam-se, puxados da sombra, quase claros. Paz. Sem brusquidão nem bulir: de longe o reconheciam.
Os olhos oferecidos lustravam. Guarani, boi de carro, severo brando. Jacatirão, prezado burrinho de sela. Tio Bola tateou o cocho: limpo, úmido de línguas.
Empinou olhar: a umas estrelas miudinhas. Espiou o redor -caruca- que nem o esquecido, em vivido. Tio Bola devia distrair saudades, a velhice entristecía-o só um pouco. Riu do que não sentiu; riu e não cuspiu. Estava ali a não imaginar o mundo.
Por um tempo, acostumava a vista.
Nhota dormia, agora, decerto; até o Anjão. Os outros, no Natal, na vila, semelhavam sempre fugidos… Quem vinha rebater-lhe o ato, fazer-lhe irrisão? De anos, só isto, hoje somente, tinha ele resolvido e em seu poder: a Noite, o curralete, cheiro de estercos, céu aberto, os dois dredemente -gado e cavalgadura. Boi grosso, baixo, tostado, quase rapé. Burro cor de rato. Tão com ele, no meio espaço, de-junto. Caduco de maluco não estava. Não embargando que em espírito da gente ninguém intruje. Apoiou-se no topo do cocho. Bicho não é limpo nem sujo. Ia demorar lá um tanto. Só o viço da noite -o som confuso?
O Anjão, rondava. Nhota, também, com luz em castiçal, corria a casa; não chamava alto, porque lá a doença não lhe dava fôlego. Turro, o boi ainda não se deitara, como eles fazem -havia de sentir falta do Guaraná, par seu de junta. Burro não deita: come sempre, ou pára em pé, as horas todas. A gente podia esperar, assim como eles, ocultado num ponto do curral. Tudo era prazo.
Deitava-se no cocho? Não como o Menino, na pura nueza… O vôo de serafins, a sumidez daquilo. Mas, pecador, numa solidão sem sala. E um tiquinho de claro-escuro.
Teve para si que podia -não era indino- até o vir da aurora. Que o achassem sem tino perfeito, com algum desarranjo do juizo!
Tão gordo fora; e, assim, como era, tinha só de deixar de fora seus rústicos cotovelos. Agora, o comichar, uma coceira seca. Viu o boi deitar-se também -riscando primeiro com a pata uma cruz no chão, e ajoelhando-se- como eles procedem. O mundo perdeu seu tique-taque. Tombou no quiquiri de um cochilo. Relentava. Ouviu. O Anjão estava ali, no segundo curral, havia coisa de um instante. Que se aquietasse, pelo prazo de três credos.
Manteve-se. A hora dobrou de escura. Meia-noite já bateu? Abriu olhos de caçador. Dessurdo, escutou, já atilando. Um abecê, o reportório. Essas estrelas prosseguiam o caminhar, levantadas de um peso. Fazia futuro. O contrário do aqui não é ali… -achou. O boi -testo lento, olhos redondos. O burrinho, orelhas, fofas ventas. Da noite era um brotar, de plantação, do fundo. A noite era o dia ainda não gastado. Vez de espertar-se, viver, esta vida aos átimos… Soporava. Dormiu reto. Dormindo de pés postos.
Acordou, no tremeclarear. Orvalhava. A Nhota dormia também, ali sentada no chão, sem um rezungo. O Anjão, agachado, acendera um foguinho. Conchegados, com o boi amarelão e o burro rato, permaneciam; tão tanto ouvindo se passarinhos em incerta entonação.
A estrela-d’alva se tirou. Já mais clareava. As pretas árvores nos azulados… O Anjão se riu para o sol. Nhota entoava o Bendito, não tinha morrido. Cantando o galo, em arrebato: a última estrelinha se pingou para dentro.
Tio Bola levantou-se -o corpo todo tinha dor-decabeça. Deu ordens, de manhã, dia: o Anjão soltasse burro e boi aos campos, a Nhota indo coar café. Os outros vinham voltar, da vila, de Natal e missa-do-galo. Tio Bola subiu a escada, de camisolão e alpercatas, sarabambo, repetia:
- Amém, Jesus!

Tutaméia: terceiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

29 de dez. de 2016

Helicônia, também conhecida como caeté ou bananeira do mato.


















Classificação científica
Reino: Plantae
Divisão: Magnoliophyta
Classe: Liliopsida
Ordem: Zingiberales
Família: Heliconiaceae
Gênero: Heliconia
Helicônia, também conhecida como caeté ou bananeira do mato, é o nome geral dado às plantas do gênero Heliconia, o único da família Heliconiaceae (APG). A variedade é comum em jardins decorativos. Suas folhas atingem até 3 metros de altura e são parecidas com as da bananeira, uma Musaceae.

Aprecia solos úmidos e ricos em matéria orgânica. Os ventos fortes podem danificar suas folhas. Multiplica-se pela divisão das touceiras, cortando-se seus rizomas. São plantas tropicais, originárias da América do Sul, América Central, Ilhas do Pacífico e Indonésia.
fonte: Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

27 de dez. de 2016

Matrioskas :: Líria Porto



as bisavós das avós
a mãe da mãe depois nós
as filhas netas bisnetas
as crias destas daquelas
e assim uma após outra
pelos séculos dos séculos

22 de dez. de 2016

Natal não é só presente : Rosely Sayão



A maioria  das crianças adora o Natal! Elas esperam ansiosamente pela data: marcam no calendário se já conseguem, perguntam constantemente aos pais quantos dias faltam para chegar, e algumas até querem dormir logo porque acham que, desse modo, o dia chegará mais rapidamente.
Será por causa dos presentes que elas sabem que irão ganhar que ficam nessa espera ansiosa? Para saber disso diretamente delas, juntei-me a uma colega e resolvemos conversar com pelo menos 20 crianças, todas com idades entre 5 e 11 anos, pertencentes a famílias diferentes e não conhecidas entre si, e perguntamos se elas gostavam do Natal, e por quê. Pode ser que você se surpreenda com as respostas que tivemos, caro leitor!
Sim, quase todas falaram dos presentes. Mas nenhuma delas deixou de dizer que gostava de estar com a família toda reunida, de comer as coisas gostosas que costumam ser servidas e que ficavam sentindo-se contentes com todos juntos, inclusive com os parentes que moram longe delas e com quem pouco se encontram. Aliás, várias disseram que acham uma pena que isso aconteça apenas no Natal, ou seja, uma vez ao ano.
Aí está: se alguém ainda tinha dúvidas sobre a importância da convivência familiar para as crianças, poderá agora repensar suas ideias a respeito.
No cotidiano familiar, quase não há tempo nem espaço para a convivência tranquila dos pais e demais adultos do grupo, sem que haja metas e objetivos a cumprir, sem obrigações mediando os relacionamentos, sem horários rigorosos, sem pressa, enfim.
Reunirem-se apenas para estarem juntos uns com os outros, para comer ao mesmo tempo as comidas que foram preparadas especialmente para a família celebrar o encontro, para rir do próprio grupo: nada é mais importante do que isso para as crianças.
Tais reuniões oferecem a elas uma sensação de conforto, de segurança, de acolhimento e, principalmente, a certeza de poderem contar com chão firme que lhes permite seguir em frente na vida.
Se para nós, adultos, essas sensações são das mais relevantes para nos ajudar a continuar em nosso caminho, apesar dos percalços que a vida nos impõe, imagine, caro leitor, na formação da base estrutural de uma criança!
Talvez nem todos ainda consigam perceber que, no dia a dia da família, nem sempre os mais novos conseguem ter a percepção clara de que sua família toda —não apenas seus pais— estão com eles lado a lado, no apoio e na tutela, para o que der e vier, mesmo que seja a distância, agora encurtada pelos contatos virtuais frequentes. Por isso, todas as crianças citaram a reunião da família expandida como algo de que gostam muito no Natal.
Por isso, meu caro leitor, eu desejo que, neste Natal, celebrando ou não a data no seu sentido religioso, você realize os investimentos pessoais necessários para que as crianças que pertencem a seu grupo familiar consigam desfrutar dessa reunião com todos juntos e, assim, criar memórias afetivas.
E não pense que se houver contratempos nos relacionamentos, que esse fato prejudica os mais novos. Ao contrário: ajuda-os a entender que amores e ódios são as duas faces da mesma moeda e, portanto, estarão sempre presentes nos relacionamentos afetivos.
A todos, meu desejo de um ótimo Natal!
As crianças querem presentes, mas também se importam em estar com a família toda reunida

Folha De S.Paulo         20 Dezembro  2016

21 de dez. de 2016

RETORNO :: Prisca Agustoni

 
Dessas distâncias
eu falo.

Digo céus digo homens
que caçam a origem.

Não voltarei
dessa plena distância.

Tenho a consistência do silêncio
primeiro.
Pois espero a floração das chegadas.

Parti para sempre,
com as histórias
órfãs de todos os invernos.


............

Da questa lontananza
io parlo.

Parlo cieli parlo uomini
che cacciano l'inizio.

Non ritornerò
da questa colma distanza.

Ho la consistenza del silenzio
primigenio.
Quindi aspetto la fioritura degli arrivi.

Sono partita per sempre,
assieme alle storie
dimentiche di tutti gli inverni.

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...