Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
13 de ago. de 2018
APELO :: Carlos Drummond de Andrade
Numa entrevista dada por telefone a um repórter de jornal, em 1965, no início de um governo fardado que terminaria se estendendo por duas décadas, Nara pedia aos militares que entregasse o poder aos civis.
As manchetes de jornais alardeavam, numa época em que os censores ainda não tinham desembarcado nas redações: “Nara é de opinião: esse Exército não vale nada”; “Nara pode ser presa mas não muda de opinião”; “Nara: sou contra militar no poder”; “Entrevista abalou os alicerces do Exército Nacional”; “Considero os exércitos, no plural, desnecessários e prepotentes”; “Meu violão é a única arma que tenho; meu campo de guerra é o palco.”
As manchetes de jornais alardeavam, numa época em que os censores ainda não tinham desembarcado nas redações: “Nara é de opinião: esse Exército não vale nada”; “Nara pode ser presa mas não muda de opinião”; “Nara: sou contra militar no poder”; “Entrevista abalou os alicerces do Exército Nacional”; “Considero os exércitos, no plural, desnecessários e prepotentes”; “Meu violão é a única arma que tenho; meu campo de guerra é o palco.”
Ameaçada de prisão, Nara Leão recebeu, pelo jornal, a solidariedade de Carlos Drummond de Andrade, através de um poema de circunstância chamado Apelo. (Dossiê Drummond-Geneton Moraes Neto)
“Meu honrado marechal
Dirigente da nação
Venho fazer-lhe um apelo
Não prenda Nara Leão
Soube que a Guerra, por conta,
Lhe quer dar uma lição. Vai enquadrá-la
– esta é forte –
Artigo tal... não sei não
A menina disse coisas
De causar estremeção?
Pois a voz de uma garota
Abala a revolução?
Nara quis separar
O civil do capitão
Em nossa ordem social
Lançar desagregação?
Será que ela tem na fala,
Mais do que charme, canhão?
Ou pensam que, pelo nome,
Em vez de Nara, é leão?
Se o general Costa e Silva,
Já nosso meio-chefão
Tem pinta de boa praça,
Porque tal irritação?
Ou foi alguém que, do contra,
Quis criar amolação
A seu
Artur, inventando
Este caso sem razão?
Que disse a mocinha, enfim,
De inspirado pelo cão?
Que é pela paz e amor
E contra a destruição?
E, depois, se não há preso,
Político na ocasião,
Por que fazer da menina
Uma única exceção?
Ah, marechal, compre um disco
De Nara, tão doce, tão
Meigamente brasileira,
E remeta ao escalão;
Ao ouvir o que ela canta
E penetra o coração,
O que é música de embalo
Em meio a tanta aflição.
O gabinete zangado
Que fez um tarantantão,
Denunciando Narinha,
Mudava de opinião.
De música precisamos
Para pegar o rojão,
Para viver e sorrir,
Que não está mole não.
Nara é pássaro, sabia?
E nem adianta prisão
Para a voz que pelos ares,
Espalha sua canção.
Meu ilustre general,
Dirigente da nação,
Não deixe, nem de brinquedo,
Que prendam Nara Leão
11 de ago. de 2018
Um homem fala do que não fica :: Laura Erber
um homem fala do que não fica do que não volta do que se alastra do interior
um homem faz o círculo e erra
um homem constrói uma canoa e some
um homem seus adendos suas carícias
um homem as pálpebras se abrindo
um homem talvez eremita talvez desmaie
um homem na proa velho cisne magoado
um homem loa após loa recobrando a antiga fé
um homem de mansinho
um homem príncipe do azar
um homem em certos momentos
um homem apenas isso
um homem que finge que dorme
um homem atrevido cauteloso mas atrevido
um homem regateia
um homem desce à Terra
um homem em dúvida
um homem e depois
um homem letárgico
um homem doce contrariado
um homem embaralha as cartas
um homem sem estrondo sem cartilha
um homem um pouco de febre
um homem matemática lenta
um homem o contrário do destino
um homem para uma viagem só
um homem cheio de tralhas
um homem no capinzal
um homem se afasta
um homem coloca mayonnaise em tudo
um homem vive com um cão dentro de um buraco dentro de um túnel
um homem vagamente um homem que conheci um dia
um homem mata se mata não morre se aborrece morre
um homem por intermédio
um homem solto no espaço
um homem o que fez o azar com a sua vida
um homem espirra de um jeito
um homem se quiser deixar uma mensagem
um homem de volta
um homem apara o bigode e sangra
um homem vende biscoitos amanteigados demais
um homem em grupo
um homem urso
um homem sem fim
um homem como havia sido
um homem conversível
um homem de costas
um homem tão só
um homem brinca como um gato brinca com um rato
um homem frio fundo falso
um abominável homem das neves
um homem sino rachado
um homem uma vida inteira
um homem entornado
um homem doce cristalizado
um homem Segundo Império
um homem quieto
um homem das cavernas pintadas
um homem perdido no labirinto de promessas diferidas
um homem sua outra vida com outros homens
um homem seus remorsos seus pruridos seu Trabant azul cobalto
um homem brando viaja como um bárbaro não sei ler a dor em seus olhos
um homem circulando no meu corpo
um homem apesar de tudo
um homem basta
um homem recebe apaga
de vez em quando
respira comigo
um homem faz o círculo e erra
um homem constrói uma canoa e some
um homem seus adendos suas carícias
um homem as pálpebras se abrindo
um homem talvez eremita talvez desmaie
um homem na proa velho cisne magoado
um homem loa após loa recobrando a antiga fé
um homem de mansinho
um homem príncipe do azar
um homem em certos momentos
um homem apenas isso
um homem que finge que dorme
um homem atrevido cauteloso mas atrevido
um homem regateia
um homem desce à Terra
um homem em dúvida
um homem e depois
um homem letárgico
um homem doce contrariado
um homem embaralha as cartas
um homem sem estrondo sem cartilha
um homem um pouco de febre
um homem matemática lenta
um homem o contrário do destino
um homem para uma viagem só
um homem cheio de tralhas
um homem no capinzal
um homem se afasta
um homem coloca mayonnaise em tudo
um homem vive com um cão dentro de um buraco dentro de um túnel
um homem vagamente um homem que conheci um dia
um homem mata se mata não morre se aborrece morre
um homem por intermédio
um homem solto no espaço
um homem o que fez o azar com a sua vida
um homem espirra de um jeito
um homem se quiser deixar uma mensagem
um homem de volta
um homem apara o bigode e sangra
um homem vende biscoitos amanteigados demais
um homem em grupo
um homem urso
um homem sem fim
um homem como havia sido
um homem conversível
um homem de costas
um homem tão só
um homem brinca como um gato brinca com um rato
um homem frio fundo falso
um abominável homem das neves
um homem sino rachado
um homem uma vida inteira
um homem entornado
um homem doce cristalizado
um homem Segundo Império
um homem quieto
um homem das cavernas pintadas
um homem perdido no labirinto de promessas diferidas
um homem sua outra vida com outros homens
um homem seus remorsos seus pruridos seu Trabant azul cobalto
um homem brando viaja como um bárbaro não sei ler a dor em seus olhos
um homem circulando no meu corpo
um homem apesar de tudo
um homem basta
um homem recebe apaga
de vez em quando
respira comigo
O Peru de Natal :: Mário de Andrade
O nosso primeiro Natal de família, depois da morte de meu pai acontecida cinco meses antes, foi de conseqüências decisivas para a felicidade familiar. Nós sempre fôramos familiarmente felizes, nesse sentido muito abstrato da felicidade: gente honesta, sem crimes, lar sem brigas internas nem graves dificuldades econômicas. Mas, devido principalmente à natureza cinzenta de meu pai, ser desprovido de qualquer lirismo, de uma exemplaridade incapaz, acolchoado no medíocre, sempre nos faltara aquele aproveitamento da vida, aquele gosto pelas felicidades materiais, um vinho bom, uma estação de águas, aquisição de geladeira, coisas assim. Meu pai fora de um bom errado, quase dramático, o puro-sangue dos desmancha-prazeres.
Morreu meu pai, sentimos muito, etc. Quando chegamos nas proximidades do Natal, eu já estava que não podia mais pra afastar aquela memória obstruente do morto, que parecia ter sistematizado pra sempre a obrigação de uma lembrança dolorosa em cada almoço, em cada gesto mínimo da família. Uma vez que eu sugerira à mamãe a idéia dela ir ver uma fita no cinema, o que resultou foram lágrimas. Onde se viu ir ao cinema, de luto pesado! A dor já estava sendo cultivada pelas aparências, e eu, que sempre gostara apenas regularmente de meu pai, mais por instinto de filho que por espontaneidade de amor, me via a ponto de aborrecer o bom do morto.
Foi decerto por isto que me nasceu, esta sim, espontaneamente, a idéia de fazer uma das minhas chamadas "loucuras". Essa fora aliás, e desde muito cedo, a minha esplêndida conquista contra o ambiente familiar. Desde cedinho, desde os tempos de ginásio, em que arranjava regularmente uma reprovação todos os anos; desde o beijo às escondidas, numa prima, aos dez anos, descoberto por Tia Velha, uma detestável de tia; e principalmente desde as lições que dei ou recebi, não sei, de uma criada de parentes: eu consegui no reformatório do lar e na vasta parentagem, a fama conciliatória de "louco". "É doido, coitado!" falavam. Meus pais falavam com certa tristeza condescendente, o resto da parentagem buscando exemplo para os filhos e provavelmente com aquele prazer dos que se convencem de alguma superioridade. Não tinham doidos entre os filhos. Pois foi o que me salvou, essa fama. Fiz tudo o que a vida me apresentou e o meu ser exigia para se realizar com integridade. E me deixaram fazer tudo, porque eu era doido, coitado. Resultou disso uma existência sem complexos, de que não posso me queixar um nada.
Era costume sempre, na família, a ceia de Natal. Ceia reles, já se imagina: ceia tipo meu pai, castanhas, figos, passas, depois da Missa do Galo. Empanturrados de amêndoas e nozes (quanto discutimos os três manos por causa dos quebra-nozes...), empanturrados de castanhas e monotonias, a gente se abraçava e ia pra cama. Foi lembrando isso que arrebentei com uma das minhas "loucuras":
— Bom, no Natal, quero comer peru.
Houve um desses espantos que ninguém não imagina. Logo minha tia solteirona e santa, que morava conosco, advertiu que não podíamos convidar ninguém por causa do luto.
— Mas quem falou de convidar ninguém! essa mania... Quando é que a gente já comeu peru em nossa vida! Peru aqui em casa é prato de festa, vem toda essa parentada do diabo...
— Meu filho, não fale assim...
— Pois falo, pronto!
E descarreguei minha gelada indiferença pela nossa parentagem infinita, diz-que vinda de bandeirantes, que bem me importa! Era mesmo o momento pra desenvolver minha teoria de doido, coitado, não perdi a ocasião. Me deu de sopetão uma ternura imensa por mamãe e titia, minhas duas mães, três com minha irmã, as três mães que sempre me divinizaram a vida. Era sempre aquilo: vinha aniversário de alguém e só então faziam peru naquela casa. Peru era prato de festa: uma imundície de parentes já preparados pela tradição, invadiam a casa por causa do peru, das empadinhas e dos doces. Minhas três mães, três dias antes já não sabiam da vida senão trabalhar, trabalhar no preparo de doces e frios finíssimos de bem feitos, a parentagem devorava tudo e ainda levava embrulhinhos pros que não tinham podido vir. As minhas três mães mal podiam de exaustas. Do peru, só no enterro dos ossos, no dia seguinte, é que mamãe com titia ainda provavam num naco de perna, vago, escuro, perdido no arroz alvo. E isso mesmo era mamãe quem servia, catava tudo pro velho e pros filhos. Na verdade ninguém sabia de fato o que era peru em nossa casa, peru resto de festa.
Não, não se convidava ninguém, era um peru pra nós, cinco pessoas. E havia de ser com duas farofas, a gorda com os miúdos, e a seca, douradinha, com bastante manteiga. Queria o papo recheado só com a farofa gorda, em que havíamos de ajuntar ameixa preta, nozes e um cálice de xerez, como aprendera na casa da Rose, muito minha companheira. Está claro que omiti onde aprendera a receita, mas todos desconfiaram. E ficaram logo naquele ar de incenso assoprado, se não seria tentação do Dianho aproveitar receita tão gostosa. E cerveja bem gelada, eu garantia quase gritando. É certo que com meus "gostos", já bastante afinados fora do lar, pensei primeiro num vinho bom, completamente francês. Mas a ternura por mamãe venceu o doido, mamãe adorava cerveja.
Quando acabei meus projetos, notei bem, todos estavam felicíssimos, num desejo danado de fazer aquela loucura em que eu estourara. Bem que sabiam, era loucura sim, mas todos se faziam imaginar que eu sozinho é que estava desejando muito aquilo e havia jeito fácil de empurrarem pra cima de mim a... culpa de seus desejos enormes. Sorriam se entreolhando, tímidos como pombas desgarradas, até que minha irmã resolveu o consentimento geral:
— É louco mesmo!...
Comprou-se o peru, fez-se o peru, etc. E depois de uma Missa do Galo bem mal rezada, se deu o nosso mais maravilhoso Natal. Fora engraçado:assim que me lembrara de que finalmente ia fazer mamãe comer peru, não fizera outra coisa aqueles dias que pensar nela, sentir ternura por ela, amar minha velhinha adorada. E meus manos também, estavam no mesmo ritmo violento de amor, todos dominados pela felicidade nova que o peru vinha imprimindo na família. De modo que, ainda disfarçando as coisas, deixei muito sossegado que mamãe cortasse todo o peito do peru. Um momento aliás, ela parou, feito fatias um dos lados do peito da ave, não resistindo àquelas leis de economia que sempre a tinham entorpecido numa quase pobreza sem razão.
— Não senhora, corte inteiro! Só eu como tudo isso!
Era mentira. O amor familiar estava por tal forma incandescente em mim, que até era capaz de comer pouco, só-pra que os outros quatro comessem demais. E o diapasão dos outros era o mesmo. Aquele peru comido a sós, redescobria em cada um o que a quotidianidade abafara por completo, amor, paixão de mãe, paixão de filhos. Deus me perdoe mas estou pensando em Jesus... Naquela casa de burgueses bem modestos, estava se realizando um milagre digno do Natal de um Deus. O peito do peru ficou inteiramente reduzido a fatias amplas.
— Eu que sirvo!
"É louco, mesmo" pois por que havia de servir, se sempre mamãe servira naquela casa! Entre risos, os grandes pratos cheios foram passados pra mim e principiei uma distribuição heróica, enquanto mandava meu mano servir a cerveja. Tomei conta logo de um pedaço admirável da "casca", cheio de gordura e pus no prato. E depois vastas fatias brancas. A voz severizada de mamãe cortou o espaço angustiado com que todos aspiravam pela sua parte no peru:
— Se lembre de seus manos, Juca!
Quando que ela havia de imaginar, a pobre! que aquele era o prato dela, da Mãe, da minha amiga maltratada, que sabia da Rose, que sabia meus crimes, a que eu só lembrava de comunicar o que fazia sofrer! O prato ficou sublime.
— Mamãe, este é o da senhora! Não! não passe não!
Foi quando ela não pode mais com tanta comoção e principiou chorando. Minha tia também, logo percebendo que o novo prato sublime seria o dela, entrou no refrão das lágrimas. E minha irmã, que jamais viu lágrima sem abrir a torneirinha também, se esparramou no choro. Então principiei dizendo muitos desaforos pra não chorar também, tinha dezenove anos... Diabo de família besta que via peru e chorava! coisas assim. Todos se esforçavam por sorrir, mas agora é que a alegria se tornara impossível. É que o pranto evocara por associação a imagem indesejável de meu pai morto. Meu pai, com sua figura cinzenta, vinha pra sempre estragar nosso Natal, fiquei danado.
Bom, principiou-se a comer em silêncio, lutuosos, e o peru estava perfeito. A carne mansa, de um tecido muito tênue boiava fagueira entre os sabores das farofas e do presunto, de vez em quando ferida, inquietada e redesejada, pela intervenção mais violenta da ameixa preta e o estorvo petulante dos pedacinhos de noz. Mas papai sentado ali, gigantesco, incompleto, uma censura, uma chaga, uma incapacidade. E o peru, estava tão gostoso, mamãe por fim sabendo que peru era manjar mesmo digno do Jesusinho nascido.
Principiou uma luta baixa entre o peru e o vulto de papai. Imaginei que gabar o peru era fortalecê-lo na luta, e, está claro, eu tomara decididamente o partido do peru. Mas os defuntos têm meios visguentos, muito hipócritas de vencer: nem bem gabei o peru que a imagem de papai cresceu vitoriosa, insuportavelmente obstruidora.
— Só falta seu pai...
Eu nem comia, nem podia mais gostar daquele peru perfeito, tanto que me interessava aquela luta entre os dois mortos. Cheguei a odiar papai. E nem sei que inspiração genial, de repente me tornou hipócrita e político. Naquele instante que hoje me parece decisivo da nossa família, tomei aparentemente o partido de meu pai. Fingi, triste:
— É mesmo... Mas papai, que queria tanto bem a gente, que morreu de tanto trabalhar pra nós, papai lá no céu há de estar contente... (hesitei, mas resolvi não mencionar mais o peru) contente de ver nós todos reunidos em família.
E todos principiaram muito calmos, falando de papai. A imagem dele foi diminuindo, diminuindo e virou uma estrelinha brilhante do céu. Agora todos comiam o peru com sensualidade, porque papai fora muito bom, sempre se sacrificara tanto por nós, fora um santo que "vocês, meus filhos, nunca poderão pagar o que devem a seu pai", um santo. Papai virara santo, uma contemplação agradável, uma inestorvável estrelinha do céu. Não prejudicava mais ninguém, puro objeto de contemplação suave. O único morto ali era o peru, dominador, completamente vitorioso.
Minha mãe, minha tia, nós, todos alagados de felicidade. Ia escrever «felicidade gustativa», mas não era só isso não. Era uma felicidade maiúscula, um amor de todos, um esquecimento de outros parentescos distraidores do grande amor familiar. E foi, sei que foi aquele primeiro peru comido no recesso da família, o início de um amor novo, reacomodado, mais completo, mais rico e inventivo, mais complacente e cuidadoso de si. Nasceu de então uma felicidade familiar pra nós que, não sou exclusivista, alguns a terão assim grande, porém mais intensa que a nossa me é impossível conceber.
Mamãe comeu tanto peru que um momento imaginei, aquilo podia lhe fazer mal. Mas logo pensei: ah, que faça! mesmo que ela morra, mas pelo menos que uma vez na vida coma peru de verdade!
A tamanha falta de egoísmo me transportara o nosso infinito amor... Depois vieram umas uvas leves e uns doces, que lá na minha terra levam o nome de "bem-casados". Mas nem mesmo este nome perigoso se associou à lembrança de meu pai, que o peru já convertera em dignidade, em coisa certa, em culto puro de contemplação.
Levantamos. Eram quase duas horas, todos alegres, bambeados por duas garrafas de cerveja. Todos iam deitar, dormir ou mexer na cama, pouco importa, porque é bom uma insônia feliz. O diabo é que a Rose, católica antes de ser Rose, prometera me esperar com uma champanha. Pra poder sair, menti, falei que ia a uma festa de amigo, beijei mamãe e pisquei pra ela, modo de contar onde é que ia e fazê-la sofrer seu bocado. As outras duas mulheres beijei sem piscar. E agora, Rose!...
fonte: Contos Novos. 1938-1942
Morreu meu pai, sentimos muito, etc. Quando chegamos nas proximidades do Natal, eu já estava que não podia mais pra afastar aquela memória obstruente do morto, que parecia ter sistematizado pra sempre a obrigação de uma lembrança dolorosa em cada almoço, em cada gesto mínimo da família. Uma vez que eu sugerira à mamãe a idéia dela ir ver uma fita no cinema, o que resultou foram lágrimas. Onde se viu ir ao cinema, de luto pesado! A dor já estava sendo cultivada pelas aparências, e eu, que sempre gostara apenas regularmente de meu pai, mais por instinto de filho que por espontaneidade de amor, me via a ponto de aborrecer o bom do morto.
Foi decerto por isto que me nasceu, esta sim, espontaneamente, a idéia de fazer uma das minhas chamadas "loucuras". Essa fora aliás, e desde muito cedo, a minha esplêndida conquista contra o ambiente familiar. Desde cedinho, desde os tempos de ginásio, em que arranjava regularmente uma reprovação todos os anos; desde o beijo às escondidas, numa prima, aos dez anos, descoberto por Tia Velha, uma detestável de tia; e principalmente desde as lições que dei ou recebi, não sei, de uma criada de parentes: eu consegui no reformatório do lar e na vasta parentagem, a fama conciliatória de "louco". "É doido, coitado!" falavam. Meus pais falavam com certa tristeza condescendente, o resto da parentagem buscando exemplo para os filhos e provavelmente com aquele prazer dos que se convencem de alguma superioridade. Não tinham doidos entre os filhos. Pois foi o que me salvou, essa fama. Fiz tudo o que a vida me apresentou e o meu ser exigia para se realizar com integridade. E me deixaram fazer tudo, porque eu era doido, coitado. Resultou disso uma existência sem complexos, de que não posso me queixar um nada.
Era costume sempre, na família, a ceia de Natal. Ceia reles, já se imagina: ceia tipo meu pai, castanhas, figos, passas, depois da Missa do Galo. Empanturrados de amêndoas e nozes (quanto discutimos os três manos por causa dos quebra-nozes...), empanturrados de castanhas e monotonias, a gente se abraçava e ia pra cama. Foi lembrando isso que arrebentei com uma das minhas "loucuras":
— Bom, no Natal, quero comer peru.
Houve um desses espantos que ninguém não imagina. Logo minha tia solteirona e santa, que morava conosco, advertiu que não podíamos convidar ninguém por causa do luto.
— Mas quem falou de convidar ninguém! essa mania... Quando é que a gente já comeu peru em nossa vida! Peru aqui em casa é prato de festa, vem toda essa parentada do diabo...
— Meu filho, não fale assim...
— Pois falo, pronto!
E descarreguei minha gelada indiferença pela nossa parentagem infinita, diz-que vinda de bandeirantes, que bem me importa! Era mesmo o momento pra desenvolver minha teoria de doido, coitado, não perdi a ocasião. Me deu de sopetão uma ternura imensa por mamãe e titia, minhas duas mães, três com minha irmã, as três mães que sempre me divinizaram a vida. Era sempre aquilo: vinha aniversário de alguém e só então faziam peru naquela casa. Peru era prato de festa: uma imundície de parentes já preparados pela tradição, invadiam a casa por causa do peru, das empadinhas e dos doces. Minhas três mães, três dias antes já não sabiam da vida senão trabalhar, trabalhar no preparo de doces e frios finíssimos de bem feitos, a parentagem devorava tudo e ainda levava embrulhinhos pros que não tinham podido vir. As minhas três mães mal podiam de exaustas. Do peru, só no enterro dos ossos, no dia seguinte, é que mamãe com titia ainda provavam num naco de perna, vago, escuro, perdido no arroz alvo. E isso mesmo era mamãe quem servia, catava tudo pro velho e pros filhos. Na verdade ninguém sabia de fato o que era peru em nossa casa, peru resto de festa.
Não, não se convidava ninguém, era um peru pra nós, cinco pessoas. E havia de ser com duas farofas, a gorda com os miúdos, e a seca, douradinha, com bastante manteiga. Queria o papo recheado só com a farofa gorda, em que havíamos de ajuntar ameixa preta, nozes e um cálice de xerez, como aprendera na casa da Rose, muito minha companheira. Está claro que omiti onde aprendera a receita, mas todos desconfiaram. E ficaram logo naquele ar de incenso assoprado, se não seria tentação do Dianho aproveitar receita tão gostosa. E cerveja bem gelada, eu garantia quase gritando. É certo que com meus "gostos", já bastante afinados fora do lar, pensei primeiro num vinho bom, completamente francês. Mas a ternura por mamãe venceu o doido, mamãe adorava cerveja.
Quando acabei meus projetos, notei bem, todos estavam felicíssimos, num desejo danado de fazer aquela loucura em que eu estourara. Bem que sabiam, era loucura sim, mas todos se faziam imaginar que eu sozinho é que estava desejando muito aquilo e havia jeito fácil de empurrarem pra cima de mim a... culpa de seus desejos enormes. Sorriam se entreolhando, tímidos como pombas desgarradas, até que minha irmã resolveu o consentimento geral:
— É louco mesmo!...
Comprou-se o peru, fez-se o peru, etc. E depois de uma Missa do Galo bem mal rezada, se deu o nosso mais maravilhoso Natal. Fora engraçado:assim que me lembrara de que finalmente ia fazer mamãe comer peru, não fizera outra coisa aqueles dias que pensar nela, sentir ternura por ela, amar minha velhinha adorada. E meus manos também, estavam no mesmo ritmo violento de amor, todos dominados pela felicidade nova que o peru vinha imprimindo na família. De modo que, ainda disfarçando as coisas, deixei muito sossegado que mamãe cortasse todo o peito do peru. Um momento aliás, ela parou, feito fatias um dos lados do peito da ave, não resistindo àquelas leis de economia que sempre a tinham entorpecido numa quase pobreza sem razão.
— Não senhora, corte inteiro! Só eu como tudo isso!
Era mentira. O amor familiar estava por tal forma incandescente em mim, que até era capaz de comer pouco, só-pra que os outros quatro comessem demais. E o diapasão dos outros era o mesmo. Aquele peru comido a sós, redescobria em cada um o que a quotidianidade abafara por completo, amor, paixão de mãe, paixão de filhos. Deus me perdoe mas estou pensando em Jesus... Naquela casa de burgueses bem modestos, estava se realizando um milagre digno do Natal de um Deus. O peito do peru ficou inteiramente reduzido a fatias amplas.
— Eu que sirvo!
"É louco, mesmo" pois por que havia de servir, se sempre mamãe servira naquela casa! Entre risos, os grandes pratos cheios foram passados pra mim e principiei uma distribuição heróica, enquanto mandava meu mano servir a cerveja. Tomei conta logo de um pedaço admirável da "casca", cheio de gordura e pus no prato. E depois vastas fatias brancas. A voz severizada de mamãe cortou o espaço angustiado com que todos aspiravam pela sua parte no peru:
— Se lembre de seus manos, Juca!
Quando que ela havia de imaginar, a pobre! que aquele era o prato dela, da Mãe, da minha amiga maltratada, que sabia da Rose, que sabia meus crimes, a que eu só lembrava de comunicar o que fazia sofrer! O prato ficou sublime.
— Mamãe, este é o da senhora! Não! não passe não!
Foi quando ela não pode mais com tanta comoção e principiou chorando. Minha tia também, logo percebendo que o novo prato sublime seria o dela, entrou no refrão das lágrimas. E minha irmã, que jamais viu lágrima sem abrir a torneirinha também, se esparramou no choro. Então principiei dizendo muitos desaforos pra não chorar também, tinha dezenove anos... Diabo de família besta que via peru e chorava! coisas assim. Todos se esforçavam por sorrir, mas agora é que a alegria se tornara impossível. É que o pranto evocara por associação a imagem indesejável de meu pai morto. Meu pai, com sua figura cinzenta, vinha pra sempre estragar nosso Natal, fiquei danado.
Bom, principiou-se a comer em silêncio, lutuosos, e o peru estava perfeito. A carne mansa, de um tecido muito tênue boiava fagueira entre os sabores das farofas e do presunto, de vez em quando ferida, inquietada e redesejada, pela intervenção mais violenta da ameixa preta e o estorvo petulante dos pedacinhos de noz. Mas papai sentado ali, gigantesco, incompleto, uma censura, uma chaga, uma incapacidade. E o peru, estava tão gostoso, mamãe por fim sabendo que peru era manjar mesmo digno do Jesusinho nascido.
Principiou uma luta baixa entre o peru e o vulto de papai. Imaginei que gabar o peru era fortalecê-lo na luta, e, está claro, eu tomara decididamente o partido do peru. Mas os defuntos têm meios visguentos, muito hipócritas de vencer: nem bem gabei o peru que a imagem de papai cresceu vitoriosa, insuportavelmente obstruidora.
— Só falta seu pai...
Eu nem comia, nem podia mais gostar daquele peru perfeito, tanto que me interessava aquela luta entre os dois mortos. Cheguei a odiar papai. E nem sei que inspiração genial, de repente me tornou hipócrita e político. Naquele instante que hoje me parece decisivo da nossa família, tomei aparentemente o partido de meu pai. Fingi, triste:
— É mesmo... Mas papai, que queria tanto bem a gente, que morreu de tanto trabalhar pra nós, papai lá no céu há de estar contente... (hesitei, mas resolvi não mencionar mais o peru) contente de ver nós todos reunidos em família.
E todos principiaram muito calmos, falando de papai. A imagem dele foi diminuindo, diminuindo e virou uma estrelinha brilhante do céu. Agora todos comiam o peru com sensualidade, porque papai fora muito bom, sempre se sacrificara tanto por nós, fora um santo que "vocês, meus filhos, nunca poderão pagar o que devem a seu pai", um santo. Papai virara santo, uma contemplação agradável, uma inestorvável estrelinha do céu. Não prejudicava mais ninguém, puro objeto de contemplação suave. O único morto ali era o peru, dominador, completamente vitorioso.
Minha mãe, minha tia, nós, todos alagados de felicidade. Ia escrever «felicidade gustativa», mas não era só isso não. Era uma felicidade maiúscula, um amor de todos, um esquecimento de outros parentescos distraidores do grande amor familiar. E foi, sei que foi aquele primeiro peru comido no recesso da família, o início de um amor novo, reacomodado, mais completo, mais rico e inventivo, mais complacente e cuidadoso de si. Nasceu de então uma felicidade familiar pra nós que, não sou exclusivista, alguns a terão assim grande, porém mais intensa que a nossa me é impossível conceber.
Mamãe comeu tanto peru que um momento imaginei, aquilo podia lhe fazer mal. Mas logo pensei: ah, que faça! mesmo que ela morra, mas pelo menos que uma vez na vida coma peru de verdade!
A tamanha falta de egoísmo me transportara o nosso infinito amor... Depois vieram umas uvas leves e uns doces, que lá na minha terra levam o nome de "bem-casados". Mas nem mesmo este nome perigoso se associou à lembrança de meu pai, que o peru já convertera em dignidade, em coisa certa, em culto puro de contemplação.
Levantamos. Eram quase duas horas, todos alegres, bambeados por duas garrafas de cerveja. Todos iam deitar, dormir ou mexer na cama, pouco importa, porque é bom uma insônia feliz. O diabo é que a Rose, católica antes de ser Rose, prometera me esperar com uma champanha. Pra poder sair, menti, falei que ia a uma festa de amigo, beijei mamãe e pisquei pra ela, modo de contar onde é que ia e fazê-la sofrer seu bocado. As outras duas mulheres beijei sem piscar. E agora, Rose!...
fonte: Contos Novos. 1938-1942
10 de ago. de 2018
Há um pássaro azul no meu peito de Charles Bukowski
(…) Há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
Eu digo: sei que você está aí,
então não fique triste.
Depois, o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro, não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
como nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar,
mas eu não choro,
e você ?”
In: Textos Autobiográficos. tradução de Pedro Gonzaga.
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there's a bluebird in my heart that
wants to get out
but I'm too clever, I only let him out
at night sometimes
when everybody's asleep.
I say, I know that you're there,
so don't be
sad.
then I put him back,
but he's singing a little
in there, I haven't quite let him
die
and we sleep together like
that
with our
secret pact
and it's nice enough to
make a man
weep, but I don't
weep, do
you?
Charles Bukowski in The Last Night of the Earth Poems. Santa Rosa CA: Black Sparrow, 1992.
8 de ago. de 2018
6 de ago. de 2018
4 de ago. de 2018
2 de ago. de 2018
Saudades da pátria! :: Marina Tsvetáieva
Saudades da pátria! Com esse mal
Há muito tempo que eu luto!
Para mim é absolutamente igual
Onde estar só em absoluto.
Quais cascalhos que eu arranhe
Arrastando o carrinho de feira
Para a casa, que me é de todo estranha –
Se hospital ou se caserna, como queira.
A mim é indiferente, qual o povo
Que há de ver em cativeiro
A leonina minha crespa cabeleira,
Ou me expulsar – de novo! –
Ao deserto dessa minha solidão.
Urso polar apartado do gelo
Onde não posso viver (e não faço questão!),
Tanto me faz – onde será o pesadelo.
Não me ilude o chamado longínquo
Da materna minha língua, que convida… –
Não me importa, em qual língua
Serei mal-compreendida.
(O leitor de jornais, o ouvinte
De notícias, fuçador de mexericos…)
Ele – é do século vinte,
E eu – de todo século abdico!
Como um tronco que a esmo
Vê na rua em seu redor passar a gente,
Para mim é indiferente, dá no mesmo –
E, talvez, de tudo o mais indiferente
Seja a pátria onde se acha.
Cada marca dela em mim que se esconde
Vou despir, de cima a baixo:
Eis a alma, que nasceu – tanto faz onde.
E eu também, para a pátria, tanto faço, –
De frente para trás, de trás para frente,
Investigue se encontra dela traço,
Inspetor, em minha alma indiferente!
Estranha é cada casa, vazios todos os templos, –
E tudo – indiferente, e tudo – igual.
Mas basta que um arbusto eu contemple, –
E da sorva me lembre – da terra natal…
1934
* * *
Há muito tempo que eu luto!
Para mim é absolutamente igual
Onde estar só em absoluto.
Quais cascalhos que eu arranhe
Arrastando o carrinho de feira
Para a casa, que me é de todo estranha –
Se hospital ou se caserna, como queira.
A mim é indiferente, qual o povo
Que há de ver em cativeiro
A leonina minha crespa cabeleira,
Ou me expulsar – de novo! –
Ao deserto dessa minha solidão.
Urso polar apartado do gelo
Onde não posso viver (e não faço questão!),
Tanto me faz – onde será o pesadelo.
Não me ilude o chamado longínquo
Da materna minha língua, que convida… –
Não me importa, em qual língua
Serei mal-compreendida.
(O leitor de jornais, o ouvinte
De notícias, fuçador de mexericos…)
Ele – é do século vinte,
E eu – de todo século abdico!
Como um tronco que a esmo
Vê na rua em seu redor passar a gente,
Para mim é indiferente, dá no mesmo –
E, talvez, de tudo o mais indiferente
Seja a pátria onde se acha.
Cada marca dela em mim que se esconde
Vou despir, de cima a baixo:
Eis a alma, que nasceu – tanto faz onde.
E eu também, para a pátria, tanto faço, –
De frente para trás, de trás para frente,
Investigue se encontra dela traço,
Inspetor, em minha alma indiferente!
Estranha é cada casa, vazios todos os templos, –
E tudo – indiferente, e tudo – igual.
Mas basta que um arbusto eu contemple, –
E da sorva me lembre – da terra natal…
1934
* * *
Тоска по родине! Давно
Разоблаченная морока!
Мне совершенно все равно —
Где — совершенно одинокой
Разоблаченная морока!
Мне совершенно все равно —
Где — совершенно одинокой
Быть, по каким камням домой
Брести с кошелкою базарной
В дом, и не знающий, что — мой,
Как госпиталь или казарма.
Брести с кошелкою базарной
В дом, и не знающий, что — мой,
Как госпиталь или казарма.
Мне все равно, каких среди
Лиц ощетиниваться пленным
Львом, из какой людской среды
Быть вытесненной — непременно —
Лиц ощетиниваться пленным
Львом, из какой людской среды
Быть вытесненной — непременно —
В себя, в единоличье чувств.
Камчатским медведем без льдины
Где не ужиться (и не тщусь!),
Где унижаться — мне едино.
Камчатским медведем без льдины
Где не ужиться (и не тщусь!),
Где унижаться — мне едино.
Не обольщусь и языком
Родным, его призывом млечным.
Мне безразлично, на каком
Непонимаемой быть встречным!
Родным, его призывом млечным.
Мне безразлично, на каком
Непонимаемой быть встречным!
(Читателем, газетных тонн
Глотателем, доильцем сплетен…)
Двадцатого столетья — он,
А я — до всякого столетья!
Глотателем, доильцем сплетен…)
Двадцатого столетья — он,
А я — до всякого столетья!
Остолбеневши, как бревно,
Оставшееся от аллеи,
Мне все — равны, мне всё — равно;
И, может быть, всего равнее —
Оставшееся от аллеи,
Мне все — равны, мне всё — равно;
И, может быть, всего равнее —
Роднее бывшее — всего.
Все признаки с меня, все меты,
Все даты — как рукой сняло:
Душа, родившаяся — где-то.
Все признаки с меня, все меты,
Все даты — как рукой сняло:
Душа, родившаяся — где-то.
Так край меня не уберег
Мой, что и самый зоркий сыщик
Вдоль всей души, всей — поперек!
Родимого пятна не сыщет!
Мой, что и самый зоркий сыщик
Вдоль всей души, всей — поперек!
Родимого пятна не сыщет!
Всяк дом мне чужд, всяк храм мне пуст,
И всё — равно, и всё — едино.
Но если по дороге — куст
Встает, особенно — рябина …
И всё — равно, и всё — едино.
Но если по дороге — куст
Встает, особенно — рябина …
1934
Tradução André Nogueira
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