1 de mai. de 2023

Colaboração:: Liria Porto


aqui sou aprendiz

ali sou professor

:

sabemos que os saberes

quando compartilhados

melhoram uns e outros

ajustam as engrenagens

aumentam o entendimento

amaciam os passos

aliviam o fardo

                    da humanidade


* líria porto

20 de abr. de 2023

Do jardim :: Anne Sexton


Vem, meu amado.

olha os lírios.

Temos tão pouca fé.

Falamos demais.

Joga fora teu punhado de palavras

e vem comigo observar

os lírios se abrindo em campo tão vasto,

ali crescendo como iates,

guiando devagarinho as pétalas

sem enfermeiras nem relógios.

Olhemos a paisagem:

uma casa cujos salões enlameados

são adornados por nuvens brancas.

Oh, joga fora tuas palavras, as boas

e as ruins. Cospe

tuas palavras como pedras!

Vem cá! Vem cá!

Vem comer minhas frutas deliciosas

16 de abr. de 2023

O Homem; as Viagens Carlos :: Drummond de Andrade

O homem, bicho da Terra tão pequeno

chateia-se na Terra

lugar de muita miséria e pouca diversão,

faz um foguete, uma cápsula, um módulo

toca para a Lua

desce cauteloso na Lua

pisa na Lua

planta bandeirola na Lua

experimenta a Lua

coloniza a Lua

civiliza a Lua

humaniza a Lua.


Lua humanizada: tão igual à Terra.

O homem chateia-se na Lua.

Vamos para Marte — ordena a suas máquinas.

Elas obedecem, o homem desce em Marte

pisa em Marte

experimenta

coloniza

civiliza

humaniza Marte com engenho e arte.


Marte humanizado, que lugar quadrado.

Vamos a outra parte?

Claro — diz o engenho

sofisticado e dócil.

Vamos a Vênus.

O homem põe o pé em Vênus,

vê o visto — é isto?

idem

idem

idem.


O homem funde a cuca se não for a Júpiter

proclamar justiça junto com injustiça

repetir a fossa

repetir o inquieto

repetitório.


Outros planetas restam para outras colônias.

O espaço todo vira Terra-a-terra.

O homem chega ao Sol ou dá uma volta

só para tever?

Não-vê que ele inventa

roupa insiderável de viver no Sol.

Põe o pé e:

mas que chato é o Sol, falso touro

espanhol domado.


Restam outros sistemas fora

do solar a colonizar.

Ao acabarem todos

só resta ao homem

(estará equipado?)

a dificílima dangerosíssima viagem

de si a si mesmo:

pôr o pé no chão

do seu coração

experimentar

colonizar

civilizar

humanizar

o homem

descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas

a perene, insuspeitada alegria

de con-viver

11 de abr. de 2023

O pombo flâneur :: VARELLA, Alex.


Todo pombo é flâneur, mas o carioca ainda mais.
Conta Paulo Mendes Campos que era verão,
e dois deles tinham marcado um encontro,
às cinco azul em ponto,
nos céus do Rio de Janeiro.
Os tradicionais relógios da Mesbla e da Central marcavam a hora,
mas não marcavam o tempo,
(nenhum relógio marca o tempo).
Atravessando a cidade num fio de luz,
a vista ardendo de azul,
aquele pombo se atrasou
e, arrulhando,
em uma sentença se explicou:
“-- Desculpe , meu amor,
mas o dia estava tão bonito que eu vim andando;
eu tinha de vir andando!”


13 de mar. de 2023

Clara, o seu nome é poesia :: ChatGPT estilo Carlos Drummond de Andrade

 Clara, o seu nome é poesia,

uma sonoridade suave como o mar,

que me leva a lugares distantes,

numa viagem sem fim.


Clara, como uma estrela no céu,

ilumina a minha existência,

trazendo alegria e esperança,

num mundo tão cheio de desilusão.


Clara, o seu sorriso é uma canção,

que embala meu coração triste,

e me faz esquecer de tudo,

menos de estar ao seu lado.


Clara, você é a brisa que me acalma,

a chuva que me lava a alma,

o sol que aquece meu ser,

e a lua que me guia na escuridão.


Clara, eu sou apenas um poeta,

tentando expressar o que sinto,

mas sei que nunca vou conseguir,

descrever toda a sua grandeza.


Clara, você é a luz que me ilumina,

e eu sou grato por tê-la em minha vida,

pois com você tudo parece mais belo,

e a vida se torna um eterno poema.

Socorro:: Arnaldo Antunes

Socorro, não estou sentindo nada

Nem medo, nem calor, nem fogo

Não vai dar mais pra chorar

Nem pra rir

Socorro, alguma alma, mesmo que penada

Me empreste suas penas

Já não sinto amor nem dor

Já não sinto nada

Socorro, alguém me dê um coração

Que esse já não bate nem apanha

Por favor, uma emoção pequena

Qualquer coisa

Qualquer coisa que se sinta

Tem tantos sentimentos, deve ter algum que sirva

Qualquer coisa que se sinta,

Tem tantos sentimentos, deve ter algum que sirva

Socorro, alguma rua que me dê sentido

Em qualquer cruzamento

Acostamento, encruzilhada

Socorro, eu já não sinto nada

Socorro, não estou sentindo nada

Nem medo, nem calor, nem fogo

Nem vontade de chorar, nem pra rir

Socorro, alguma alma, mesmo que penada

Me empreste suas penas

Já não sinto amor nem dor

Já não sinto nada

Socorro, alguém me dê um coração

Que esse já não bate nem apanha

Por favor, uma emoção pequena

Qualquer coisa

Qualquer coisa que se sinta

Tem tantos sentimentos, deve ter algum que sirva

Qualquer coisa que se sinta

Tem tantos sentimentos, deve ter algum que sirva

Fonte: LyricFind

Compositores: Alice Ruiz Schneronk e Arnaldo Filho

8 de mar. de 2023

Em celebração do meu útero :: Anne Sexton

Tudo em mim é um pássaro.

Adejo com todas as minhas asas.

Queriam extirpar-te

mas não o farão.

Diziam que estavas incomensuravelmente vazio

mas não estás.

Diziam que estavas doente prestes a morrer

mas estavam errados.

Cantas como uma colegial

Tu não estás desfeito.


Doce peso,

em celebração da mulher que sou

e da alma da mulher que sou

e da criatura central e do seu prazer

canto para ti. Atrevo-me a viver.

Olá, espírito. Olá, taça.

Fixar, cobrir. Cobre o que contém.

Olá, terra dos campos.

Bem-vindas, raízes.


Cada célula tem uma vida.

Há aqui bastantes para satisfazer uma nação.

Chega que a populaça possua estes bens.

Qualquer pessoa, qualquer grupo diria:

Está tudo tão bem este ano que podemos plantar de novo

e pensar noutra colheita.

Uma praga tinha sido prevista e foi eliminada.

Por isso muitas mulheres cantam em uníssono:

uma numa fábrica de sapatos amaldiçoando a máquina,

uma no aquário cuidando da foca,

uma aborrecida ao volante do seu FORD,

uma cobradora na portagem,

uma no Arizona enlaçando um bezerro,

uma na Rússia com uma perna de cada lado do violoncelo,

uma trocando panelas num fogão no Egipto,

uma pintando da cor da lua as paredes do quarto,

uma no seu leito de morte mas recordando um pequeno almoço,

uma na Tailândia deitada na esteira,

uma limpando o rabo ao seu bebé,

uma olhando pela janela do comboio,

no meio do Wyomming e uma está

em qualquer lado e algumas estão em todo o lado e todas

parecem estar cantando, embora haja quem

não possa cantar uma nota sequer.


Doce peso

em celebração da mulher que sou

deixa-me levar uma echarpe de três metros,

deixa-me tocar o tambor pelas que têm dezanove anos,

deixa-me levar taças para oferecer

(se é isso o que me toca).

deixa-me estudar o tecido cardiovascular,

deixa-me calcular a distância angular dos meteoros,

deixa-me chupar o pecíolo das flores

(se é isso o que me toca).

Deixa-me imitar certas figuras tribais

(se é isso o que me toca).

Pois o corpo preciso disso,

que me deixes cantar

para a ceia,

para o beijo,

para a correcta

afirmação.

.......

In celebration of my uterus

Everyone in me is a bird.

I am beating all my wings.

They wanted to cut you out

but they will not.

They said you were immeasurably empty

but you are not.

They said you were sick unto dying

but they were wrong.

You are singing like a school girl.

You are not torn.


Sweet weight,

in celebration of the woman I am

and of the soul of the woman I am

and of the central creature and its delight

I sing for you. I dare to live.

Hello, spirit. Hello, cup.

Fasten, cover. Cover that does contain.

Hello to the soil of the fields.

Welcome, roots.


Each cell has a life.

There is enough here to please a nation.

It is enough that the populace own these goods.

Any person, any commonwealth would say of it,

“It is good this year that we may plant again

and think forward to a harvest.

A blight had been forecast and has been cast out.”

Many women are singing together of this:

one is in a shoe factory cursing the machine,

one is at the aquarium tending a seal,

one is dull at the wheel of her Ford,

one is at the toll gate collecting,

one is tying the cord of a calf in Arizona,

one is straddling a cello in Russia,

one is shifting pots on the stove in Egypt,

one is painting her bedroom walls moon color,

one is dying but remembering a breakfast,

one is stretching on her mat in Thailand,

one is wiping the ass of her child,

one is staring out the window of a train

in the middle of Wyoming and one is

anywhere and some are everywhere and all

seem to be singing, although some can not

sing a note.


Sweet weight,

in celebration of the woman I am

let me carry a ten-foot scarf,

let me drum for the nineteen-year-olds,

let me carry bowls for the offering

(if that is my part).

Let me study the cardiovascular tissue,

let me examine the angular distance of meteors,

let me suck on the stems of flowers

(if that is my part).

Let me make certain tribal figures

(if that is my part).

For this thing the body needs

let me sing

for the supper,

for the kissing,

for the correct

yes.

tradução Jorge Sousa Braga in: Poesia Ilimitada, publicado em 21.8.2011.

20 de fev. de 2023

Fernando Pessoa MARIA: Amo como o amor ama.

              MARIA:


Amo como o amor ama.


Não sei razão pra amar-te mais que amar-te.


Que queres que te diga mais que te amo,


Se o que quero dizer-te é que te amo?


Não procures no meu coração...


Quando te falo, dói-me que respondas


Ao que te digo e não ao meu amor.


Quando há amor a gente não conversa:


Ama-se, e fala-se para se sentir.


Posso ouvir-te dizer-me que tu me amas,


Sem que mo digas, se eu sentir que me amas.


Mas tu dizes palavras com sentido,


E esqueces-te de mim; mesmo que fales


Só de mim, não te lembras que eu te amo.


Ah, não perguntes nada, antes me fala


De tal maneira, que, se eu fora surda,


Te ouvisse toda com o coração.


Se te vejo não sei quem sou; eu amo.


Se me faltas, (...)


Mas tu fazes, amor, por me faltares


Mesmo estando comigo, pois perguntas


Quando deves amar-me. Se não amas,


Mostra-te indiferente, ou não me queiras,


Mas tu és como nunca ninguém foi,


Pois procuras o amor pra não amar,


E, se me buscas, é como se eu só fosse


O Alguém pra te falar de quem tu amas.


Diz-me porque é que o amor te faz ser triste?


Canso-te? Posso eu cansar-te se amas?


Ninguém no mundo amou como tu amas.


Sinto que me amas, mas que a nada amas,


E não sei compreender isto que sinto.


Dize-me qualquer palavra mais sentida


Que essas palavras que, como se as perderas,


                                                               buscas


E encontras cinzas.


Quando te vi, amei-te já muito antes.


Tornei a achar-te quando te encontrei.


Nasci pra ti antes de haver o mundo.


Não há coisa feliz ou hora alegre


Que eu tenha tido pela vida fora,


Que não o fosse porque te previa,


Porque dormias nela tu futuro,


E com essas alegrias e esse prazer


Eu viria depois a amar-te. Quando,


Criança, eu, se brincava a ter marido,


Me faltava crescer e o não sentia,


O que me satisfazia eras já tu,


E eu soube-o só depois, quando te vi,


E tive para mim melhor sentido,


E o meu passado foi como uma estrada


Iluminada pela frente, quando


O carro com lanternas vira a curva


Do caminho e já a noite é toda humana.


Tens um segredo? Dize-mo, que eu sei tudo


De ti, quando m'o digas com a alma.


Em palavras estranhas que m'o fales,


Eu compreenderei só porque te amo.


Se o teu segredo é triste, eu saberei


Chorar contigo até que o esqueças todo.


Se o não podes dizer, dize que me amas,


E eu sentirei sem qu'rer o teu segredo.


Quando eu era pequena, sinto que eu


Amava-te já hoje, mas de longe,


Como as coisas se podem ver de longe,


E ser-se feliz só por se pensar


Em chegar onde ainda se não chega.


Amor, diz qualquer coisa que eu te sinta!


                FAUSTO:


Compreendo-te tanto que não sinto.


Oh coração exterior ao meu!


Fatalidade filha do destino


E das leis que há no fundo deste mundo!


Que és tu a mim que eu compreenda ao ponto


De o sentir...?


                MARIA:


Para que queres compreender


Se dizes qu'rer sentir?


s.d.

Fausto - Tragédia Subjectiva. Fernando Pessoa. (Texto estabelecido por Teresa Sobral Cunha. Prefácio de Eduardo Lourenço.) Lisboa: Presença, 1988. - 99.

1ª versão inc.: “Primeiro Fausto” in Poemas Dramáticos. Fernando Pessoa. (Nota explicativa e notas de Eduardo Freitas da Costa.) Lisboa: Ática, 1952 (imp.1966, p.126).

Carnaval :: Catherine Krulik









13 de fev. de 2023

Fernando Pessoa (Álvaro de Campos) :: REALIDADE

Sim, passava aqui frequentemente há vinte anos...

Nada está mudado — ou, pelo menos, não dou por isso —

Nesta localidade da cidade...

Há vinte anos!...

O que eu era então! Ora, era outro...

Há vinte anos, e as casas não sabem de nada...

Vinte anos inúteis (e sei lá se o foram!

Sei eu o que é útil ou inútil?)...

Vinte anos perdidos (mas o que seria ganhá-los?)

Tento reconstruir na minha imaginação

Quem eu era e como era quando por aqui passava

Há vinte anos...

Não me lembro, não me posso lembrar.

O outro que aqui passava então,

Se existisse hoje, talvez se lembrasse...

Há tanta personagem de romance que conheço melhor por dentro

Do que esse eu-mesmo que há vinte anos passava aqui!

Sim, o mistério do tempo.

Sim, o não se saber nada,

Sim, o termos todos nascido a bordo.

Sim, sim, tudo isso, ou outra forma de o dizer...

Daquela janela do segundo-andar, ainda idêntica a si mesma,

Debruçava-se então uma rapariga mais velha que eu, mais lembradamente de azul.

Hoje, se calhar, está o quê?

Podemos imaginar tudo do que nada sabemos.

Estou parado física e moralmente: não quero imaginar nada...

Houve um dia em que subi esta rua pensando alegremente no futuro.

Pois Deus dá licença que o que não existe seja fortemente iluminado.

Hoje, descendo esta rua, nem no passado penso alegremente.

Quando muito, nem penso...

Tenho a impressão que as duas figuras se cruzaram na rua, nem então nem agora,

Mas aqui mesmo, sem tempo a perturbar o cruzamento.

Olhámos indiferentemente um para o outro.

E eu o antigo lá subi a rua imaginando um futuro girassol.

E eu o moderno lá desci a rua não imaginando nada.

Talvez isto realmente se desse...

Verdadeiramente se desse...

Sim, carnalmente se desse...

Sim, talvez...

15-12-1932

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993). - 293.

6 de fev. de 2023

Donas de casa:: Anne Sexton (1928 -1974, EUA)


Karin Dawn Kelshall

Algumas mulheres casam-se com casas. 

É outro tipo de pele, tem um coração, 

uma boca, um fígado e movimento de entranhas. 

As paredes são permanentes e cor-de-rosa. 

Vejam como ela está ajoelhada o dia todo, 

lavando-se fielmente de alto a baixo 

Os homens entram à força, atraídos como Jonas 

para as suas mães carnudas. 

Uma mulher é a sua própria mãe 

e isso é o mais importante. 


 LIVE OR DIE (1966)

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...