12 de jul. de 2014

Por um lindésimo de segundo de Paulo Leminski

The Wheel of Life - Stanley Pinker, 1974
tudo em mim
anda a mil
tudo assim
tudo por um fio
tudo feito
tudo estivesse no cio
tudo pisando macio
tudo psiutudo em minha volta
anda às tontas
como se as coisas
fossem todas
afinal de contas


11 de jul. de 2014

O Relógio da amizade de João Rui de Sousa

Chagall
Em cada relógio há sempre um amigo
que nos acorda, que suavemente nos percorre
os interstícios da alma, que nos assombra
com sinais discretíssimos de fraterna luz
ou que nos deixa, mesmo em minuto frágil,
um arco triunfal com tâmaras de afecto.
Nesse relógio há um lírio comestível
ou uma plena árvore com seus braços
de deslumbre, ou a mais ínfima erva
que por ele sobrevive à estrondosa queda
do granizo, à dissolução (inevitável) de casas
e areias, e mesmo ao advento da loucura.
É sempre tal relógio um rio profundo
onde a cor dum sol cheio, tantas vezes
reposto, tantas vezes presente em acenar
de címbalos e de búzios, pode acordar
em tons de uma aridez sombria, pode
deixar-nos tristes, sós e desolados,
numa gruta de horror frente ao deserto
- num recanto de sono e desalento.
Nesse amigo de sempre, um tal relógio
- com seus ponteiros de murta ou de veludo,
que saltam como lebres sobre as horas
ou são nichos de abrigo e cestos de avelãs –
é puro movimento e azul que estremece
o fio de cada dia, o voo do coração.
Mesmo em zonas de fogo e exaltação,
nesses lugares de praia mais sensíveis
(como o esplendor do corpo em combustão,
como o fremir da vaga e do desejo),
existe tal relógio, ó engrenagem mágica,
ó tiquetaque nítido, tão cúmplice.

em Revista Cultura Entre Culturas n.º4  (Outubro de 2011)

10 de jul. de 2014

Há doenças piores que as doenças :: Fernando Pessoa

Marc Chagall, 1918

Há doenças piores que as doenças,
Há dores que não doem, nem na alma
Mas que são dolorosas mais que as outras.
Há angústias sonhadas mais reais
Que as que a vida nos traz, há sensações
Sentidas só com imaginá-las
Que são mais nossas do que a própria vida,
Há tanta coisa que, sem existir,
Existe, existe demoradamente,
E demoradamente é nossa e nós...
Por sobre o verde turvo do amplo rio
Os circunflexos brancos das gaivotas...
Por sobre a alma o adejar inútil
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.
Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.

In. Quando fui outro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.  p. 50.

9 de jul. de 2014

VINTE ANOS :: Vinicius de Moraes ( 19 de outubro de 1913 - 9 de julho de 1980)


Pela campina as borboletas se amam ao estrépito das asas. 
Tudo quietação de folhas. E um sol frio 
Interiorizando as almas. 
Mergulhado em mim mesmo, com os olhos errando na campina 
Eu me lembro da minha juventude. 
Penso nela como os velhos na mocidade distante: 
- Na minha juventude... 

Eu fui feliz nesse passado grato 
Viviam então em mim forças que já me faltam. 
Possuía a mesma sinceridade nos bons e maus sentimentos. 
Aos frenesis da carne se sucediam os grandes misticismos quietos. 
Era um pequeno condor que ama as alturas 
E tem confiança nas garras. 
Tinha fé em Deus e em mim mesmo 
Confessava-me todo domingo 
E tornava a pecar toda segunda-feira 
Tinha paixão por mulheres casadas 
E fazia sonetos sentimentais e realistas 
Que catalogava num grande livro preto 
A que tinha posto o nome de Foederis Arca. 

A minha juventude... 

Onde eu seguia ansioso Tartarin pelos Alpes 
E Júlio Verne foi o mais audaz de todos os cérebros... 
Onde Mr. Pickwick era a alegria das noites de frio 
E Athos o mais perfeito de todos os homens... 
A minha juventude 
Onde Cervantes não era o filósofo de D. Quixote... 

A minha juventude 
E a noite passada em claro chorando Jean Valjean que Victor Hugo matara… 
Como vai longe tudo! 

Pesa-me como uma sufocação meus próximos vinte anos 
E esta experiência das coisas que aumenta a cada dia. 
Medo de ser jovem agora e ser ridículo 
Medo da morte futura que a minha juventude desprezava 
Medo de tudo, medo de mim próprio 
Do tédio das vigílias e do tédio dos dias…

Virá para mim uma velhice como vem para os outros 
Que me dissecará na experiência? 

Da campina verde voaram as borboletas… 

Só a quietação das folhas 

E o meu turbilhão de pensamentos.

Rio de Janeiro , 1933

O Que Viveu Meia Hora (A Paixão Medida) de Carlos Drummond de Andrade,

Emanuel Tanjala

Nascer para não viver 
só para ocupar
estrito espaço numerado
ao sol-e-chuva
que meticulosamente vai delindo
o número
enquanto o nome vai-se autocorroendo
na terra, nos arquivos
na mente volúvel ou cansada
até que um dia
trilhões de milênios antes do Juízo Final
não reste em qualquer átomo
nada de um hipótese de existência.

8 de jul. de 2014

Perguntas e respostas para um caderno escolar :: Clarice Lispector

Wassily Kandinsky, 1906

-Qual é a coisa mais antiga do mundo?
-Poderia dizer que é Deus que sempre existiu.
-Qual é a coisa mais bela?
-O instante de inspiração.
-E Deus quando criou o Universo não o fez no momento de sua maior inspiração?
-O Universo sempre existiu. O Cosmos é Deus.
-Qual das coisas é a maior?
-O amor, que é o maior dos mistérios.
-Das coisas qual é a mais constante?
-O medo. Que pena que eu não possa responder: é a esperança.
-Qual é o melhor dos sentimentos?
-O de amar e ao mesmo tempo ser amada, o que parece apenas um lugar-comum mas é uma das minhas verdades.
-Qual é o sentimento mais rápido?
- O sentimento mais rápido, que chega a ser apenas um fulgor, é o instante em que um homem e uma mulher sentem um no outro a promessa de um grande amor.
-Qual é a mais forte das coisas?
-O instinto de ser.
-O que é mais fácil de se fazer?
-Existir, depois que passa o medo.
-Qual é a coisa mais difícil de realizar?
-A própria relativa felicidade que vem do conhecimento de si mesmo.
(Depois as perguntas se tornaram mais complicadas).

In: A descoberta do mundo, 1984. p. 478

7 de jul. de 2014

Semelhança :: Mariana Ianelli

Ferdinand Hodler, 1898
– E se a tua mudez
For a superfície de um lago
Que nada recusa refletir

E se eu ali mergulhado
Feito um cego 
Compreender
Que o rosto que me falta ver
É este rosto 
Que sempre te ofereço
Mas que frente a frente
Jamais encontrei

E se o pranto for a verdade
Do canto

O assombro de um horizonte
Tão brando
Que desde longe me obriga
A trazer à tona, um dia,
O teu rosto refletido –

6 de jul. de 2014

Poeminha de louvor ao "strip-tease" secular de Millor Fernandes


Eu sou do tempo em que a mulher 
Mostrar o tornozelo
Era um apelo!
Depois, já rapazinho, vi as primeiras pernas
De mulher
Sem saia;
Mas foi na praia!

A moda avança
A saia sobe mais
Mostra os joelhos
Infernais!

As fazendas Com os anos
Se fazem mais leves
E surgem figurinhas
Em roupas transparentes
Pelas ruas:
Quase nuas.
E a mania do esporte
Trouxe o short.
O short amigo
Que trouxe consigo
O maiô de duas peças.
E logo, de audácia em audácia,
A natureza ganhando terreno
Sugeriu o biquíni,
O maiô de pequeno ficando mais pequeno
Não se sabendo mais
Até onde um corpo branco
Pode ficar moreno.

Deus,
A graça é imerecida,
Mas dai-me ainda
Uns aninhos de vida!

5 de jul. de 2014

O utopista :: Murilo Mendes

Daily Bread - Wojciech Siudmak

Ele acredita que o chão é duro
Que todos os homens estão presos
Que há limites para a poesia
Que não há sorrisos nas crianças
Nem amor nas mulheres
Que só de pão vive o homem
Que não há um outro mundo.


3 de jul. de 2014

Se equivocó la paloma de Rafael Alberti


Se equivocó la paloma.
Se equivocaba.
Por ir al norte, fue al sur.
Creyó que el trigo era agua.
Se equivocaba.


Creyó que el mar era el cielo;

que la noche, la mañana.

Se equivocaba.


Que las estrellas, rocío;

que la calor, la nevada.

Se equivocaba.


Que tu falda era tu blusa;

que tu corazón, su casa.

Se equivocaba.


(Ella se durmió en la orilla.

Tú, en la cumbre de una rama.)

2 de jul. de 2014

Dança da chuva de Paulo Leminski

Pablo Picasso, 1946
Dança da chuva
senhorita chuva
me concede a honra
desta contradança
e vamos sair
por esses campos
ao som desta chuva
que cai sobre o teclado parem
eu confesso
sou poeta cada manhã que nasce
me nasce
uma rosa na face parem
eu confesso
sou poeta só meu amor é meu deus eu sou o seu profeta um dia
a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíada

depois
a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lórca um éluard um ginsbergpor fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como a flores

1 de jul. de 2014

Laranja, peso, potência :: Herberto Helder

Basel Beattie
Laranja, peso, potência.
Que se finca, se apoia, delicadeza, fria abundância.
A matéria pensa. As madeiras
incham, dão luz. Apuram tão leve açúcar,
tal golpe na língua. Espaço lunado onde a laranja
recebe soberania.
E por anéis de carne artesiana o ouro sobe à cabeça.
A ferida que a gente é: de mundo
e invenção. Laranja
assombrosamente. Doce demência, arrancada à monstruosa
inocência da terra.


Kiki Smith (1954; Nuremberg, Germany)




















30 de jun. de 2014

Poemeto Matinal :: Abgar Renault

Patrick DuMouchel
O ar da manhã beija a minha face. 
A minha alma beija o ar leve da manhã 
e olha a paisagem longínqua da cidade, 
que branqueja alegremente na distância 

e sorri humanamente 
um sorriso branco no caiado das casas 
que montam os flancos das colinas azuis 
e espiam pelos olhos escancarados das janelas. 

7 horas. Vai começar a função. 
O despertador das sirenes fura liricamente 
o silêncio doirado da manhã. 
Parece que a vida acorda agora pela primeira vez 

e esfrega os olhos deslumbradamente... 
Meu Ford fordeja dentro da manhã 
e sobe a rua velha do meu bairro, 
arquejando, bufando, fumando gasolina. 

Meu Ford a cabriolar nos buracos da rua descalça 
é um cabrito todo preto a cabriolar, prodigioso. 
O ar leve beija o radiador 
e beija a minha face. 

A meninice de todo o meu ser 
na doirada névoa desta manhã! 

29 de jun. de 2014

Não sou areia :: Lya Luft

Botticelli
Não sou areia 
onde se desenha um par de asas
ou grades diante de uma janela.
não sou apenas a pedra que rola
na marés do mundo,
em cada praia renascendo outra.
Sou a orelha encostada na concha
da vida, sou construção e desmoronamento,
servo e senhor, e sou
mistério.

A quatro mãos escrevemos o roteiro
para o palco de meu tempo:
o meu destino e eu.
Nem sempre estamos afinados,
nem sempre nos levamos
a sério.

28 de jun. de 2014

A moça anônima da história :: Clarice Lispector

Embora a moça anônima da história seja tão antiga que podia ser uma figura bíblica. Ela era subterrânea e nunca tinha tido floração. Minto: ela era capim. Se a moça soubesse que minha alegria também vem de minha mais profunda tristeza e que a tristeza era uma alegria falhada. Sim, ela era alegrezinha dentro de sua neurose.  Neurose de guerra.

fonte: A Hora da Estrela. Rocco, 1998.

Delphinium: Delfino, esporinha, Larkspur






NOME CIENTÍFICO: Delphinium
NOME POPULAR: Delfino, esporinha, Larkspur.
SINONÍMIA: Consolida ambígua.
FAMÍLIA: Ranunculaceae.
CICLO DE VIDA: Anual - ( Nasce, cresce, dá flores e morre em 1 ano ).
ORIGEM: Nativas do sul da Europa.
PORTE: De 90cm a 1,5 m.
FOLHAS: De coloração verde brilhante e rendilhada.

LUMINOSIDADE: Apreciam bastante luz, mas não sol direto nas horas mais quentes do dia.
ÁGUA: Não descuidar de manter o solo úmido durante a fase de crescimento, mas sem encharcar.
CLIMA: Ameno.
CULTIVO: Solo fértil e bem drenado, plantar diretamente no lugar definitivo, ela não gosta de ser transplantada, para espécies altas colocar estacas.
FERTILIZAÇÃO: Adubar mensalmente.
PROPAGAÇÃO: Sementes.

PLANTA MEDICINAL: Antiinflamatório e antiparasitário.
PLANTA TÓXICA: Folhas e sementes são tóxicas, cuidados especiais com crianças pequenas e animais domésticos.

27 de jun. de 2014

Zalipie - Polônia




















Zalipie é uma vila situada no município de Olesno na Polônia. É conhecida por suas pinturas sobre madeira. Diz a tradição que o costume nasceu décadas atrás, quando uma Felicja Curylowa, querendo cobrir manchas de fuligem no teto de sua casa, pintou flores sobre elas. Pinturas semelhantes rapidamente foram reproduzidas por outras mulheres da aldeia e, assim, tornou-se a mais bela aldeia na Polônia. O costume foi mantida mesmo após o advento nos fogões - o problema da fuligem não existe mais - e gradualmente padrões de flores pintadas nas paredes tornaram-se mais sofisticados e mais evidente, tanto dentro como fora da casa e ao redor da casa. 
Atualmente, a vila organiza uma competição anual de pintura em torno da festa católica de Corpus Christi . No concurso as mulheres, maioria dos participantes,  apresentam as suas próprias criações de parede,  decorações florais que mantêm os elementos tradicionais aos quais agregam a sua própria interpretação.

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...