10 de jan. de 2017

O Barco e o Passageiro :: Manhae Han Yong-un (1879 – 1944)

Eu sou um barco.
Você, meu passageiro.
Você me trata com pés lamacentos.
Eu cruzo o rio, apertando-o em meus braços.

Quando você está em meus braços,
Eu não me importo
Se o rio é profundo, superficial ou rápido.

Se você não vem,
Espero, desde manhã até a noite,
Exposto a ventos, úmido de neve ou chuva.

Quando chegar outro barco,
Você se vai, sem olhar para trás.
Sei porém, que um dia você volta.
Então envelheço, esperando por você, dia e noite.

Eu sou um barco.
Você, meu passageiro.

6 de jan. de 2017

Minha vontade é a de colocar cada vez mais poesia neste meu espaço :: Hilda Hilst

Minha vontade é a de colocar cada vez mais poesia neste meu espaço, para encher de beleza e de justa ferocidade o coração do outro, do outro que é você, leitor. Porque tudo o que me vem às mãos através dos jornais, tudo o que me vem aos olhos através da televisão, tudo o que me vem aos ouvidos através do rádio é tão pré-apocalipse, tão pútrido, tão devastador que fico me perguntando: por que ainda insistimos colocar palavras nas páginas em branco? [...] Enquanto não forem feitas reformas políticas e econômicas essenciais e, principalmente, leitor, um ardente coração, um dilatar-se da alma do Homem, tudo ficará como está. Podem me chamar de louca, de fantasista, [...] até de... Não sei se vocês sabem, mas “Puta” foi uma grande deusa da mitologia grega. Vem do verbo “putare”, que quer dizer podar, pôr em ordem, pensar. Era a deusa que presidia à podadura. Só depois é que a palavra degringolou na propriamente dita e em “deputado”, “putativo” etc. Se eu, de alguma forma com os meus textos, ando ceifando vossas ilusões, é para fazer nascer em ti, leitor o ato de pensar. Não sou deusa, não. Sou apenas poeta. Mas poeta é aquele que é quase profeta [...]

Correio Popular. Campinas , 
25 de junho de 1994.

5 de jan. de 2017

QUANDO NASCI VOLTEI A REAPRENDER A TRADUZIR O MUNDO :: Gisela Ramos Rosa

Quando nasci voltei a reaprender a traduzir o mundo maior em que nascia e aquele
primeiro mundo pele de minha mãe,

Era a luz voltando a entrar em relevo pelos olhos sem que
a memória anterior se tivesse extinguido

tradução e agenciamento, fluência e água amadurecendo a observação
reintegrei os gestos as formas e abri um aqueduto livre no coração
onde guardei em segredo imagens originais

compreendi que na folha em branco os espelhos se podem confundir
com a rigidez do olhar onde as pedras se fixam,
assentei o verbo na tradução das manhãs anteriores
da primeira pele descobrindo as camadas do Livro
com o brilho inquieto do real sobre as mãos

inédito lido no blogue A Linguagem dos Rostos

30 de dez. de 2016

Presepe :: João Guimarães Rosa (1908-1967)

Igreja de  St Jacques des Guérets - França 


Todos foram à vila, para missa-do-galo e Natal, deixando na fazenda Tio Bola, por achaques de velhice, com o terreireiro Anjão, imbecil, e a cardíaca cozinheira Nhota. Tio Bola aceitara ficar, de boa graça, dando visíveis sinais de paciência. Tão magro, tão fraco: nem piolhos tinha mais. Tudo cabendo no possível, teve uma idéia.
Não de primeira e súbita invenção.
Apreciara antes a ausência de meninos e adultos, que o atormentavam, tratando-o de menos; dos outros convém é a gente se livrar. Logo, porém, casa vazia, os parentes figuravam ainda mais hostis e próximos. A gente precisa também da importunação dos outros. Tio Bola, desestimado, cumpria mazelas diversas, seus oitentas anos; mas afobado e azafamoso. Quis ver visões.
Seu espírito pulou tão quanto à vila, a Natal e missa, aquela merafusa. Topava era tristeza – isto é, falta de continuação. Por que é que a gente necessita, de todo jeito, dos outros? Velho sacode facilmente a cabeça. A idéia lhe chegou então, fantasia, passo de extravagância.
- “Mecê não mije na cama!” -intimara a Nhota, quando, comido o leite com farinha, ele fingia recolher-se. Não cabia no quarto. Natal era noite nova de antiguidade. Tomou o aviso e voltou-se: estafermado, no corredor, o Anjão fazia-lhe pelas costas gesto obsceno. Ordenou-lhe então -trouxesse ao curral um boi, qualquer!
Saiu o Anjão a obedecer, gostava do que parecesse feitiço ou maldade. E no pequeno cercado estava já o burro chumbo, de que os outros não tinham carecido. Sem excogitamento, o burrinho dera a Tio Bola o remate da idéia.
Lá tora o escuro fechava. O Anjão no pátio acendera fogo, acocorava-se ante chama e brasa. Esse se ria do sossego. Também botara milho e sal no cocho, mandado.
Natal era animação para surpresas, tintins tilintos, laldas e loas! O burro e o boi -à manjedoura- como quando os bichos falavam e os homens se calavam.
Nhota, em seus cantos, rezava para tomar ar, não baixando minuto, e tudo condenava. Tio Bola esperava que o Anjão se fosse, que Nhota não tossisse mas adormecesse.
Estava de alpercatas, de camisolão e sem carapuça, esticando à janela pescoço e nariz, muito compridos. Os currais todos ermos, menos aquele… Tremia de verdade.
Veio, enfim, à sorrelfa; a horas. Pelas dez horas. Queria ver. Devagar descera, com Deus, a escada. Burro e boi diferençavam-se, puxados da sombra, quase claros. Paz. Sem brusquidão nem bulir: de longe o reconheciam.
Os olhos oferecidos lustravam. Guarani, boi de carro, severo brando. Jacatirão, prezado burrinho de sela. Tio Bola tateou o cocho: limpo, úmido de línguas.
Empinou olhar: a umas estrelas miudinhas. Espiou o redor -caruca- que nem o esquecido, em vivido. Tio Bola devia distrair saudades, a velhice entristecía-o só um pouco. Riu do que não sentiu; riu e não cuspiu. Estava ali a não imaginar o mundo.
Por um tempo, acostumava a vista.
Nhota dormia, agora, decerto; até o Anjão. Os outros, no Natal, na vila, semelhavam sempre fugidos… Quem vinha rebater-lhe o ato, fazer-lhe irrisão? De anos, só isto, hoje somente, tinha ele resolvido e em seu poder: a Noite, o curralete, cheiro de estercos, céu aberto, os dois dredemente -gado e cavalgadura. Boi grosso, baixo, tostado, quase rapé. Burro cor de rato. Tão com ele, no meio espaço, de-junto. Caduco de maluco não estava. Não embargando que em espírito da gente ninguém intruje. Apoiou-se no topo do cocho. Bicho não é limpo nem sujo. Ia demorar lá um tanto. Só o viço da noite -o som confuso?
O Anjão, rondava. Nhota, também, com luz em castiçal, corria a casa; não chamava alto, porque lá a doença não lhe dava fôlego. Turro, o boi ainda não se deitara, como eles fazem -havia de sentir falta do Guaraná, par seu de junta. Burro não deita: come sempre, ou pára em pé, as horas todas. A gente podia esperar, assim como eles, ocultado num ponto do curral. Tudo era prazo.
Deitava-se no cocho? Não como o Menino, na pura nueza… O vôo de serafins, a sumidez daquilo. Mas, pecador, numa solidão sem sala. E um tiquinho de claro-escuro.
Teve para si que podia -não era indino- até o vir da aurora. Que o achassem sem tino perfeito, com algum desarranjo do juizo!
Tão gordo fora; e, assim, como era, tinha só de deixar de fora seus rústicos cotovelos. Agora, o comichar, uma coceira seca. Viu o boi deitar-se também -riscando primeiro com a pata uma cruz no chão, e ajoelhando-se- como eles procedem. O mundo perdeu seu tique-taque. Tombou no quiquiri de um cochilo. Relentava. Ouviu. O Anjão estava ali, no segundo curral, havia coisa de um instante. Que se aquietasse, pelo prazo de três credos.
Manteve-se. A hora dobrou de escura. Meia-noite já bateu? Abriu olhos de caçador. Dessurdo, escutou, já atilando. Um abecê, o reportório. Essas estrelas prosseguiam o caminhar, levantadas de um peso. Fazia futuro. O contrário do aqui não é ali… -achou. O boi -testo lento, olhos redondos. O burrinho, orelhas, fofas ventas. Da noite era um brotar, de plantação, do fundo. A noite era o dia ainda não gastado. Vez de espertar-se, viver, esta vida aos átimos… Soporava. Dormiu reto. Dormindo de pés postos.
Acordou, no tremeclarear. Orvalhava. A Nhota dormia também, ali sentada no chão, sem um rezungo. O Anjão, agachado, acendera um foguinho. Conchegados, com o boi amarelão e o burro rato, permaneciam; tão tanto ouvindo se passarinhos em incerta entonação.
A estrela-d’alva se tirou. Já mais clareava. As pretas árvores nos azulados… O Anjão se riu para o sol. Nhota entoava o Bendito, não tinha morrido. Cantando o galo, em arrebato: a última estrelinha se pingou para dentro.
Tio Bola levantou-se -o corpo todo tinha dor-decabeça. Deu ordens, de manhã, dia: o Anjão soltasse burro e boi aos campos, a Nhota indo coar café. Os outros vinham voltar, da vila, de Natal e missa-do-galo. Tio Bola subiu a escada, de camisolão e alpercatas, sarabambo, repetia:
- Amém, Jesus!

Tutaméia: terceiras estórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

29 de dez. de 2016

Helicônia, também conhecida como caeté ou bananeira do mato.


















Classificação científica
Reino: Plantae
Divisão: Magnoliophyta
Classe: Liliopsida
Ordem: Zingiberales
Família: Heliconiaceae
Gênero: Heliconia
Helicônia, também conhecida como caeté ou bananeira do mato, é o nome geral dado às plantas do gênero Heliconia, o único da família Heliconiaceae (APG). A variedade é comum em jardins decorativos. Suas folhas atingem até 3 metros de altura e são parecidas com as da bananeira, uma Musaceae.

Aprecia solos úmidos e ricos em matéria orgânica. Os ventos fortes podem danificar suas folhas. Multiplica-se pela divisão das touceiras, cortando-se seus rizomas. São plantas tropicais, originárias da América do Sul, América Central, Ilhas do Pacífico e Indonésia.
fonte: Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...