6 de ago. de 2012

Ipê- Rosa







Coisas que não há que há de Manuel António Pina


"Uma coisa que me põe triste é que não exista o que não existe.
(Se é que não existe, e isto é que existe!)

Há tantas coisas bonitas que não há: 
coisas que não há, 
gente que não há, 
bichos que já houve e já não há, 
livros por ler, 
coisas por ver, 
feitos desfeitos, outros feitos por fazer, 
pessoas tão boas ainda por nascer e outras que morreram há tanto tempo! 

Tantas lembranças de que não me lembro, 
sítios que não sei, 
invenções que não invento, 
gente de vidro e de vento, 
países por achar, paisagens, 
plantas, 
jardins de ar, 
tudo o que eu nem posso imaginar porque se o imaginasse já existia 
embora num sítio onde só eu ia..."


5 de ago. de 2012

Quem somos nós de Ítalo Calvino

imagem: Hyuro 
Quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilo, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis. 
Ítalo Calvino In: Seis propostas para o próximo milênio.

4 de ago. de 2012

A Hora de Estrela Leminski


“Amo o que foi 
e já não é a dor 
que não me dói” 
“De agora em diante 
só o durante dura”

“Já ouvi doze vezes 
dar a hora
Num relógio que diz 
que é meio dia”

Dentro do tempo 
há o agora
E a vida preserva

3 de ago. de 2012

Rayuela de Julio Cortázar

Frank Lloyd Wrigh
Amor mío, no te quiero por vos ni por mí ni por los dos juntos, no te quiero porque la sangre me llame a quererte, te quiero porque no sos mía, porque estás del otro lado, ahí donde me invitás a saltar y no puedo dar el salto, porque en lo más profundo de la posesión no estás en mí, no te alcanzo, no paso de tu cuerpo, de tu risa, hay horas en que me atormenta que me ames (cómo te gusta usar el verbo amar, con qué cursilería lo vas dejando caer sobre los platos y las sábanas y los autobuses), me atormenta tu amor que no me sirve de puente porque un puente no se sostiene de un solo lado, jamás Wright ni Le Corbusier van a hacer un puente sostenido de un solo lado, y no me mires con esos ojos de pájaro, para vos la operación del amor es tan sencilla, te curarás antes que yo y eso que me querés como yo no te quiero. Claro que te curarás, porque vivís en la salud, después de mí será cualquier otro, eso se cambia como los corpiños.
 In: Rayuela, de Julio Cortázar

2 de ago. de 2012

Jardim Majorelle em Marraquexe, Marrocos














O Jardim Majorelle é o jardim botânico de Marraquexe. Foi projetado pelo artista francês Jacques Majorelle e 1924, durante o período em que o Marrocos era protetorado francês.

Soneto acompanhado de Glauco Mattoso



Bassês não são eternos, nem são nossa
melhor ou mais completa companhia... 
mas unem gênio, graça e raça à esguia 
salsicha, à pata torta, curta e grossa. 

Do Chicho, meu bassê, não há quem possa
dizer que outro mais fofo e vivo havia. 
Dá dó seu triste olhar, que o meu copia. 
Tem charme e classe até quando se coça. 

Depois dalgum convívio, conversamos
na mesma língua, e a bom entendedor 
bastava um "au", sem teimas nem reclamos. 

Sabia estar nos olhos minha dor,
e sei que os dois estávamos e estamos
no mesmo barco, e irei pronde ele for.

de: Animalesca escolha, de Glauco Mattoso

1 de ago. de 2012

Você Tem Açúcar - Ana Salvagni


Você tem açúcar na voz, no olhar

A vida é mais doce lhe ouvindo falar

Amando você, o amor não tem fel

A gente só pensa na lua-de-mel

Você tem açúcar no seu coração

Você é o engenho, minha Usina de Bangüê

Meu pé-de-moleque, meu doce de coco

Que gosto gostoso que eu sinto em você

Seu beijo é receita de um bolo caseiro

Que dá apetite até pelo cheiro

A fome não mata, mas tira a vontade

De, um dia, outro beijo o matuto provar

Você é reclame de confeitaria

Bombonzinho, casadinho

Se um dia você me deixar

Minha vida vai ser de amargar


canção de Roberto Martins e Osvaldo Santiago 
http://www.anasalvagni.com.br/tudo_cds.htm

31 de jul. de 2012

Viver de Anna Akhmátova



Aprendi a viver com simplicidade, com juízo,

a olhar o céu, a fazer minhas orações,

a passear sozinha até a noite,

até ter esgotado esta angústia inútil.

Enquanto no penhasco murmuram as bardanas

e declina o alaranjado cacho da sorveira,

componho versos bem alegres

sobre a vida caduca, caduca e belíssima.

Volto para casa. Vem lamber a minha mão

o gato peludo, que ronrona docemente,

e um fogo resplandecente brilha

no topo da serraria, à beira do lago.

Só de vez em quando o silêncio é interrompido

pelo grito da cegonha pousando no telhado.

Se vieres bater à minha porta,

é bem possível que eu sequer te ouça.


Tradução de Lauro Machado Coelho

Lavanda ou Alfazema





30 de jul. de 2012

Del amor con cien años de Federico Garcia Lorca


VITTORIO PIERGIOVANNI

Suben por la calle 
los cuatro galanes, 
ay, ay, ay, ay. 
Por la calle abajo 
van los tres galanes, 
ay, ay, ay. 
Se ciñen el talle 
esos dos galanes, 
ay, ay. 
¡Cómo vuelve el rostro 
un galán y el aire! 
Ay. 
Por los arrayanes 
se pasea nadie.

29 de jul. de 2012

Aqui estou de Pablo Neruda

Isla Negra


Limpo é o dia lavado pela areia
branca, e gelada no mar roda a espuma,
e nesta desmedida solidão
sustenta-se a luz do meu livre-arbítrio.

Mas este mundo não é o que eu quero.

In "Memorial de Isla Negra". Brasil: L&Pm, 2007

26 de jul. de 2012

Del amor imprevisto de Federico Garcia Lorca



Martin Johnson Heade (1819-1904)


Nadie comprendía el perfume 
de la oscura magnolia de tu vientre. 
Nadie sabía que martirizabas 
un colibrí de amor entre los dientes. 

Mil caballitos persas se dormían 
en la plaza con luna de tu frente, 
mientras que yo enlazaba cuatro noches 
tu cintura, enemiga de la nieve. 

Entre yeso y jazmines, tu mirada 
era un pálido ramo de simientes. 
Yo busqué, para darte, por mi pecho 
las letras de marfil que dicen siempre, 

siempre, siempre: jardín de mi agonía, 
tu cuerpo fugitivo para siempre, 
la sangre de tus venas en mi boca, 
tu boca ya sin luz para mi muerte.

Hortênsia




25 de jul. de 2012

Maria Helena Vieira da Silva - pintora portuguesa (1908-1993)






Paris la nuit














TESTAMENTO

Eu lego aos meus amigos
Um azul cerúleo para voar alto.
Um azul cobalto para a felicidade.
Um azul ultramarino para estimular o espírito.
Um vermelhão para o sangue circular alegremente.
Um verde musgo para apaziguar os nervos.
Um amarelo ouro: riqueza.
Um violeta cobalto para o sonho.
Um garança para deixar ouvir o violoncelo.
Um amarelo barife: ficção científica e brilho; resplendor.
Um ocre amarelo para aceitar a terra.
Um verde veronese para a memória da primavera.
Um anil para poder afinar o espírito com a tempestade.
Um laranja para exercitar a visão de um limoeiro ao longe.
Um amarelo limão para o encanto.
Um branco puro: pureza.
Terra de siena natural: a transmutação do ouro.
Um preto sumptuoso para ver Ticiano.
Um terra de sombra natural para aceitar melhor a melancolia negra.
Um terra de siena queimada para o sentimento de duração.



texto encontrado nos papéis de Maria Helena Vieira da Silva após a sua morte, onde nos transmite a convicção de que as cores, simples matéria pigmentada, contêm afinal todo o arco-iris de que a vida é composta.



Dos Restos de Velhos Tempos de Bertolt Brecht

imagem: Susie Gordon 

Para exemplo ainda continua a Lua 
Nas noites por sobre os novos edifícios; 
Entre as coisas de cobre 
É ela 
A mais inutilizável. Já 
As mães contam de animais, 
Chamados cavalos, que puxavam carros. 
E verdade que quando se fala de continentes 
Já não são capazes de acertar com os nomes: 
Pelas grandes antenas novas 
Já dos velhos tempos 
Se não conhece nada. 


Bertolt Brecht, in 'Lendas, Parábolas, Crónicas, Sátiras e outros Poemas'

24 de jul. de 2012

Carlos Drummond de Andrade




Prazer de balanço, prazer de vôo. 

Prazer de ouvir música;
sobre o papel deixar que a mão deslize. 

Irredutível prazer dos olhos;
certas cores: como se desfazem, como aderem;
certos objetos, diferentes a uma luz nova. 

Que ainda sinta cheiro de fruta,
de terra na chuva, que pegue,
que imagine e grave, que lembre. 

O tempo de conhecer mais algumas pessoas,
de aprender como vivem, de ajudá-las.

23 de jul. de 2012

Vaga-lumes de Tsuneaki Hiramatsu




O conto da ilha desconhecida (parte) de José Saramago

Disseram-me que já não há ilhas desconhecidas, e que, mesmo que as houvesse, não iriam eles tirar-se do sossego dos seus lares e da boa vida dos barcos de carreira para se meterem em aventuras oceânicas, à procura de um impossível, como se ainda estivéssemos no tempo do mar tenebroso, E tu, que lhes respondeste, Que o mar é sempre tenebroso, E não lhes falaste da ilha desconhecida, Como poderia falar-lhes eu duma ilha desconhecida, se não a conheço, Mas tens a certeza de que ela existe, Tanta como a de ser tenebroso o mar, Neste momento, visto daqui, com aquela água cor de jade e o céu como um incêndio, de tenebroso não lhe encontro nada, É uma ilusão tua, também as ilhas às vezes parece que flutuam sobre as águas, e não é verdade, Que pensas fazer, se te falta a tripulação, Ainda não sei, Podíamos ficar a viver aqui, eu oferecia-me para lavar os barcos que vêm à doca, e tu, E eu, Tens com certeza um mester, um ofício, uma profissão, como agora se diz, Tenho, tive, terei se for preciso, mas quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou eu quando nela estiver, Não o sabes, Se não sais de ti, não chegas a saber quem és, O filósofo do rei, quando não tinha que fazer, ia sentar-se ao pé de mim, a ver-me passajar as peúgas dos pajens, e às vezes dava-lhe para filosofar, dizia que todo o homem é uma ilha, eu, como aquilo não era comigo, visto que sou mulher, não lhe dava importância, tu que achas, Que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós, Se não saímos de nós próprios, queres tu dizer, Não é a mesma coisa.

Aos Namorados do Brasil :: Carlos Drummond de Andrade

Dai-me, Senhor, assistência técnica para eu falar aos namorados do Brasil. Será que namorado algum escuta alguém? Adianta falar a namorados?...