No cinema dos anos 50/60, era assim: Jeanne Moreau, em "Ascensor para o Cadafalso", "Os Amantes" e "A Noite"; Monica Vitti, em "A Aventura" e "O Eclipse"; Anna Karina, em "Uma Mulher É uma Mulher" e "Viver a Vida"; Anouk Aimeé, em "Lola"; Audrey Hepburn, em "Bonequinha de Luxo"; e até a nossa Leila Diniz, em "Todas as Mulheres do Mundo", todas tinham de ser boas de pernas -literalmente.
Os diretores desses filmes as faziam caminhar quilômetros pelas ruas, sozinhas, em silêncio, cenho franzido, como se buscassem uma comunicação impossível com seus pares, os quais também deviam estar zanzando feito zumbis pela cidade. Era a famosa incomunicabilidade -uma doença do progresso, da industrialização, do amesquinhamento dos valores. Quanto mais próximas, menos as pessoas tinham o que dizer. Os casais viviam "em cheque" ou "em situação", como se dizia.
Seja o que for que atormentasse aqueles personagens, só podia ser discutido a dois, ao vivo, entre longas pausas. Não se concebia que, em "A Noite", de Antonioni, Moreau entrasse num telefone público, metesse uma ficha e derramasse seus problemas existenciais para Marcello Mastroianni. As pessoas tinham de viver o seu inferno até o fim, em preto e branco, sem esperança de redenção.
Hoje, com todo esse arsenal de meios -celulares, smart-phones, androides, twitters, facebooks, SMSs e outros que nem imagino-, não se toca mais em incomunicabilidade. A própria palavra perdeu o sentido.
Mas, pelo que vejo de homens e mulheres de expressão carregada, digitando incansavelmente, na rua, na fila do banco, nas salas de espera, nos saguões e até nos restaurantes -o que essas pessoas tanto falam umas com as outras?-, desconfio que a busca da comunicação seja a mesma. A fartura de meios não eliminou a solidão.
Folha de São Paulo, sábado, 03 de dezembro de 2011
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