Quando baldeava a pé pelo bairro, espichava o rabo do olho para as garagens dos vizinhos. Ouvia o sibilar da porta se levantando e já procurava confirmar se encontraria dois ou três veículos estacionados. Quase contava com os dedos, escandaloso com a curiosidade.
Sentava no ar ao me imaginar com dois carros, um todo meu e outro para minha mulher. Seria a glória cada um ter sua própria condução para ir ao trabalho e fazer seus roteiros. Sem aquela explicação de onde vou e quando volto. Sem os horários estreitos e o medo de não chegar a tempo.
Os dois não brigariam para escolher o modelo, definiriam a fábrica de sua preferência sem longas e aterrorizantes conversas entre vendedores. A cor da lataria não passaria pela aprovação do condomínio familiar (talvez por isso tenha tantos carros brancos). Nenhum lançaria um olhar suplicante de madrugada para arrebatar uma carona, nem mendigariam ao telefone com o propósito de regressar cedo de um compromisso. Não haveria cobrança e retribuição de favor. Metade das discussões estaria abolida.
Ao atingir o conforto e a independência, amarguei uma brutal solidão. Solidão de açude.
A música não preenchia o banco do lado. Os caminhos foram se tornando mais longos, os engarrafamentos mais demorados, as sinaleiras mais indolentes. Abandonei o pisca-alerta da respiração. Não estacionava em local proibido. Não chovia faróis nas paredes. As desculpas sumiram para as pequenas transgressões no trânsito.
Não achava graça em não ser esperado, eu me desimportei em dirigir. Entendi que não sou motorista para me satisfazer, minha habilitação é sair de mim. Quem ama torna-se chofer, taxista, empregado de van. Atravessa o cansaço pela recompensa da cabeça dela deitada em seu ombro.
Como era gostoso apressar a casa no automóvel, ela estaria comigo durante o caminho brincando, descrevendo seu serviço, mostrando um cd novo.
Na verdade, levava minha residência comigo.
As decisões surgiam em conjunto, inesperadas. Tomávamos um café no posto, lembrávamos da necessidade do mercado, alterávamos a rota por um cinema.
Os casais se conhecem enormemente com um único carro. Preocupam-se com gentilezas, retribuem acenos, além de alternar a marcha com a maciez da mão de sua companhia.
A falta de recursos é uma intimidade luxuosa. Um carro apenas, que seja velho, com as janelas trincadas, os brancos emperrados, carecendo de espaço para mortos no bagageiro. Existirá um esforço maior para ser atento e misturar os trajetos.
Aposto que a vida será apertada, mas nunca os dois vão deixar de se procurar.
Sentava no ar ao me imaginar com dois carros, um todo meu e outro para minha mulher. Seria a glória cada um ter sua própria condução para ir ao trabalho e fazer seus roteiros. Sem aquela explicação de onde vou e quando volto. Sem os horários estreitos e o medo de não chegar a tempo.
Os dois não brigariam para escolher o modelo, definiriam a fábrica de sua preferência sem longas e aterrorizantes conversas entre vendedores. A cor da lataria não passaria pela aprovação do condomínio familiar (talvez por isso tenha tantos carros brancos). Nenhum lançaria um olhar suplicante de madrugada para arrebatar uma carona, nem mendigariam ao telefone com o propósito de regressar cedo de um compromisso. Não haveria cobrança e retribuição de favor. Metade das discussões estaria abolida.
Ao atingir o conforto e a independência, amarguei uma brutal solidão. Solidão de açude.
A música não preenchia o banco do lado. Os caminhos foram se tornando mais longos, os engarrafamentos mais demorados, as sinaleiras mais indolentes. Abandonei o pisca-alerta da respiração. Não estacionava em local proibido. Não chovia faróis nas paredes. As desculpas sumiram para as pequenas transgressões no trânsito.
Não achava graça em não ser esperado, eu me desimportei em dirigir. Entendi que não sou motorista para me satisfazer, minha habilitação é sair de mim. Quem ama torna-se chofer, taxista, empregado de van. Atravessa o cansaço pela recompensa da cabeça dela deitada em seu ombro.
Como era gostoso apressar a casa no automóvel, ela estaria comigo durante o caminho brincando, descrevendo seu serviço, mostrando um cd novo.
Na verdade, levava minha residência comigo.
As decisões surgiam em conjunto, inesperadas. Tomávamos um café no posto, lembrávamos da necessidade do mercado, alterávamos a rota por um cinema.
Os casais se conhecem enormemente com um único carro. Preocupam-se com gentilezas, retribuem acenos, além de alternar a marcha com a maciez da mão de sua companhia.
A falta de recursos é uma intimidade luxuosa. Um carro apenas, que seja velho, com as janelas trincadas, os brancos emperrados, carecendo de espaço para mortos no bagageiro. Existirá um esforço maior para ser atento e misturar os trajetos.
Aposto que a vida será apertada, mas nunca os dois vão deixar de se procurar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário