6 de abr. de 2014

Os Beijos de António José de Sousa Almada

Man Ray
Dos beijos que por aí vão

Perdidos,… que nem eu sei;
Nem sequer um beijo só
Dos que se perdem, achei!

E mais, não é por descuido,

Nem por faltar-me o desejo,
Que eu não sei dizer ainda
O gosto que tem um beijo.

Pedi-los… não querem dar-me,

Furtá-los… não sei a quem,
Por mais que busque e pergunte
Onde estão?… e quem os tem?!

Que sabem bem… desconfio!

Pois mo têm vindo contar:
Há beijo, que tira a cor,
Há beijo… que faz corar!

O beijo que tira a cor,

É beijo dado com medo;
Que sobressalta, e descora
A quem lhe guarda o segredo.

O beijo que faz corar,

É quase sempre o primeiro;
Murmúrio d’alma da virgem,
Que assoma aos lábios fagueiro.

Os beijos que são pedidos,

Pousa-os na face a vontade:
É o amor a dilatar-se
No perfume da amizade!

Mas os beijos que são dados

À vista de muita gente,
Desmerecem no apreço
E arrefecem de repente.

E dizem também que há beijos

Que dados mais de uma vez:
Entumecem nos sentidos
Torrentes de languidez.

Eu cá por mim, — nada sei,

Mas acho que estes são
Mistérios que não se explicam,
Segredos do coração!

Não sei: — nem mesmo se o beijo,

Revela às vezes, pousando,
Mística voz lá do céu
Que a boca não diz, falando!

E se inexacto julgarem

Os beijos que descrevi;
Mostrem-me as Damas o erro
Dando-me um beijo a mi!…

Que os beijos que por aí vão,

Perdidos,… que nem eu sei.
Nem sequer um beijo só
Dos que se perdem, achei.

Lisboa, 1848
O poema vem publicado no Tomo IV de Lísia Poética, colectânea de poesia romântica e ultra-romântica publicada no Rio de Janeiro em 1849 por José Ferreira Monteiro.

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