8 de abr. de 2025

Relação de casas boas e más para juízo dos arquitectos Carlos Loureiro e Pádua Ramos :: Eugenio de Andrade

 

Há casas

cuja beleza começa no projecto;

outras, e são talvez as mais belas,

existem só na cabeça do arquitecto.


Há casas feitas à medida do homem,

outras há para andar de bicicleta;


há casas sobre cascatas

onde ao sortilégio da água

se junta a música de Bach.


Há casas tão ajustadas

como fato por medida

ou um verso de Cesário,

outras de tão confusas

não viram régua nem esquadro.


Há casas de papel,

casas de madeira,

casas de palha e de barro


casas que trepam pelo céu,

casas que cheiram

a jasmim do Cabo;

há casas só para dormir,

parecidas com um sudário.


Há casas onde habitar

é o começo da morte;

há casas de pátios caiados

com varandas para o mar


casas onde apetece

estar sentado

com um gato nos joelhos

e o coração apaziguado.


Há casas com recantos para amar,

há outras onde o amor

se faz em cinco minutos,

e às vezes já é demais;

há casas como um dedal

e geometria de abelhas,

casas de perfil

atento ao rumor

de nascentes e de estrelas.


Há casas como um cristal,

casas de luz circular,


casas onde não é possível

ouvir correr o silêncio,

há casas que de casas só têm o nome;

há casas que nem para cães.


Há casas tão inteligentes

que não consentem qualquer margem

para luxos e arrebiques,

casas onde a alegria se instala

sem tempo nenhum para a mágoa.


Há casas onde o pão é triste

e a roupa mal lavada;

há casas que são um rio; há casas

que são um barco,


outras têm pomares

onde os dióspiros ardem;

há casas com terras de vinho e trigo

e muros a toda a roda.


Há casas que são um poema

para dar a um amigo.


Eugénio de Andrade, Poesia,

Porto, Fundação Eugénio de Andrade, 2000

Nenhum comentário:

Mapa:: Wislawa Szymborska

Plano como a mesa na qual está colocado. Por baixo dele nada se move nem busca vazão. Sobre ele - meu hálito humano não cria vórt...