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13 de dez. de 2015

Canção III :: Hilda Hilst


A minha Casa é guardiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência
E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.
A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
À uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta
Por que recusas amor e permanência?



9 de fev. de 2015

Canção III - Hilda Hilst

Giacomo Balla

A minha Casa é guardiã do meu corpo 
E protetora de todas minhas ardências. 
E transmuta em palavra 
Paixão e veemência 
E minha boca se faz fonte de prata 
Ainda que eu grite à Casa que só existo 
Para sorver a água da tua boca. 
A minha Casa, Dionísio, te lamenta 
E manda que eu te pergunte assim de frente: 
À uma mulher que canta ensolarada 
E que é sonora, múltipla, argonauta
Por que recusas amor e permanência?



Fonte:  Poesia: 1959-1979. Quíron; INL, 1980.

27 de jun. de 2014

Penso linhos e ungüentos :: Hilda Hilst

Vermeer, c. 1658

Penso linhos e ungüentos
para o coração machucado de Tempo.
Penso bilhas e pátios
Pela comoção de contemplá-los.
(E de te ver ali
À luz da geometria de teus atos)
Penso-te
Pensando-me em agonia. E não estou.
Estou apenas densa
Recolhendo aroma, passo
O refulgente de ti que me restou.

12 de abr. de 2014

Amor de sombras de ocasos e de ovelhas :: Hilda Hilst

Felix Vallotton, 1913
Amor de sombras de ocasos e de ovelhas.
Volto como quem soma a vida inteira
A todos os outonos. Volto novíssima, incoerente
Cógnita
Como quem vê e escuta o cerne da semente
E da altura de dentro já lhe sabe o nome.

E reverdeço
No rosa de umas tangerinas
E nos azuis de todos os começos.


 fonte: Amavisse, 1989

5 de fev. de 2014

Corpo de luz de Hilda Hilst



I

Caminhas em direção ao Sul. O que te move
É alfa, Adonai, Claríssima Morada.
Teu peito é transparência em plenitude alada
E não te vejo na distância e no tempo.
Sei que a memória é límpida cancela
E que viaja a sós, eterna.
E sendo assim, a ti te reconheço.

II

Tu não estás comigo. Nem na tua noite
De antes, de granito. Nem a tua voz
É voz entre muralhas. Estás além agora:
Arco do infinito.

III

Teu sono não é o sono vulgar.
Estendes a vigília
E apreendes através da opacidade.
Também assim
Repousa o mar.

IV

Fechou-se para o efêmero das coisas
O incomensurável da retina.
Assim pousas na Verdade:
Fronte de opalina.

V

Poeta, os homens manipulam a matéria.
Artífices do grande sonho dão -se as mãos
e é o meu canto o fruto dessa espera.
Canto como quem risca a pedra. Te celebro
Na mais alta metamorfose da minha época.
Não cantarei em vão.

VI

Há um espaço finito onde o meu canto paira.
E no multidimensional, na estrutura
Onde a realidade se refaz, tu te demoras.
Pastor, o que parecia tangível se evapora.
E sobre nós, a grande noite
Num etéreo nada, jaz.

VII

Sabias de outro tempo? O universo
Agora se parece a um grande pensamento.
Tu cantaste o espanto, asa de silêncio.
Eu canto o espírito
Que penetrou no reino da matéria:
Asa de espanto do conhecimento.

29 de jan. de 2014

O unicórnio de Hilda Hilst

Gauguin 

Então, o que é a vida? E não pude chegar a nenhuma conclusão excepcional, apenas admiti que a vida é uma coisa que pode encher o nosso coração de mel e girassóis. Nossa, que otimismo! E por que girassóis? Porque sinto uma alegria absurda quando vejo um girassol e acho que os girassóis também são uma coisa absurda porque não há nada tão amarelo, tão delicado dentro daquela aparência de flor superfortaleza, não há nada mais comovente do que ver um girassol de manhãzinha bem cedo. E ainda que não houvesse manhãs e sol, o girassol continuaria a ser para mim uma coisa de alegria absurda. Se não houvesse sol, o girassol seria amarelo? Não sei, isso é um problema da física, da ótica, da vida? Não sei, mas ainda que o girassol fosse roxo ou vermelho, para mim ele sempre seria amarelo absurdo. Pois bem, eu estava dizendo que a vida é uma coisa que pode encher o nosso coração de mel e girassóis. É isso. E não pude ir mais adiante. Fiquei um pouco triste de não descobrir uma nova maneira de dizer qualquer coisa de mais fundo a respeito da vida. Depois pensei: quando foi que o meu coração se encheu de mel e girassóis? Olha, eu tenho vergonha de dizer mas vou dizer, vocês vão achar que é bobagem, mas sabem? Sabem, eu gosto muito de escrever, ninguém publica mas eu gosto e, bem, eu vou dizer logo: eu escrevi um conto uma vez e depois que eu acabei o conto eu senti que o meu coração se encheu de mel e girassóis. Um conto? Então lê pra nós. Verdade? Vocês querem ouvir! É verdade? Eu vou buscar.

26 de ago. de 2013

Dirás que sonho :: Hilda Hilst

John William Godward

Dirás que sonho o dementado sonho de um poeta
Se digo que me vi em outras vidas
Entre claustros, pássaros, de marfim uns barcos?
Dirás que sonho uma rainha persa
Se digo que me vi dolente e inaudita
Entre amoras negras, nêsperas, sempre-vivas?
Mas não. Alguém gritava: acorda, acorda Vida.
E se te digo que estavas a meu lado
E eloqüente e amante e de palavras ávido
Dirás que menti? Mas não. Alguém gritava:
Palavras... apenas sons e areia. Acorda.
Acorda Vida. 

9 de nov. de 2012

Sonetos que não são de Hilda Hilst

Henri Rousseau - Sonho


Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha

Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha.)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.

10 de out. de 2012

Passeio de Hilda Hilst


(...)
O peito era maior que o céu aberto.
Parávamos. E sabeis
Que o que contenta mais o peito inquieto
É olhar ao redor como quem vê
E silenciar também como quem ama.
(...)

20 de jul. de 2012

Dez chamamentos ao amigo de Hilda Hilst

Não é apenas um vago, modulado sentimento
O que me faz cantar enormemente
A memória de nós. É mais. É como um sopro
De fogo, é fraterno e leal, é ardoroso
É como se a despedida se fizesse o gozo
De saber
Que há no teu todo e no meu, um espaço
Oloroso, onde não vive o adeus.
Não é apenas vaidade de querer
Que aos cinqüenta
Tua alma e teu corpo se enterneçam
Da graça, da justeza do poema. É mais.
E por isso perdoa todo esse amor de mim
E me perdoa de ti a indiferença.

6 de fev. de 2012

Trovas de muito amor para um amado senhor de Hilda Hilst


Senhor, se a mim me acrescento 
Flores e renda, cetins, 
Se solto o cabelo ao vento 
É bem por vós, não por mim. 

Tenho dois olhos contentes 
E a boca fresca e rosada. 
E a vaidade só consente 
Vaidades, se desejada. 

E além de vós 
Não desejo nada.

5 de fev. de 2012

Só Tenho a Ti de Hilda Hilst e Adoniran Barbosa



Só tenho a ti
Mas tão distante
Que não me ouves
Chamo e pergunto
Se ainda me queres
Mas o teu grito de assentimento
Chega cansado a meu ouvido
E assim cansado
Desaparece
Como um lamento

Ó minha amada
Bem eu quisera
Que esta vontade
Que se avoluma
No meu pensamento
Se fosse embora
Se fosse embora

17 de out. de 2010

Eu disse sem querer dizer: mãe, o mundo me dói, me dói pra valer.


Foi assim: de manhãzinha eu passeava dentro do pomar de D. Mariquinha. Peguei um maracujá, uma romã, ia pegando uns araçás quando senti aquela água na cara, jogada por D. Mariquinha. Xinguei assim: ô velha fedida, avarenta. Ia enxugar a cara. Um vento bateu. Fiquei parado no vento. Olhei tudo querendo ser sempre menino, querendo sempre ter um maracujá, uma romã, a vontade de alguns araçás, e água na cara e vento. Grande que eu era de pé, e alguma coisa me estufou o peito, alguma coisa me encheu a boca e eu gritei. OOOOOOOOIAAAAAAAAI e outra vez bem comprido OOOOOOOOOOOOOOOOOIAAAAAAAAAAAAAAAAAI. E a mãe veio correndo, os irmãos também, a velha muito assustada, os cachorros também, as galinhas pretas pequenininhas, a mula veio que veio depressa e todos me rodearam e a mãe falou sem respirar: oquefoimeninooquefoi? E aí eu disse sem querer dizer: mãe, o mundo me dói, me dói pra valer.
HILST, Hilda. Fluxo-floema. São Paulo: Globo, 2003. p.38-39.

4 de out. de 2009

Imperfeita

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

"Júbilo, memória, noviciado da paixão" , de Hilda Hilst

13 de set. de 2009

Sonhos


Há sonhos que devem ser ressonhados, projetos que não podem ser esquecidos..."
"Estar sendo. Ter sido"  de Hilda Hilst