21 de dez. de 2011

Cerzido de Débora Siqueira Bueno


Vilhelm Hammershoi -  Uma mulher costurando , 1901

Fui velha antes de ser moça.
De peso
tive olhos doentes.

Cobri de recato o corpo.
Resguardo
das frestas evidentes.

Por tempos tive vergonha.
Pudores
por não saber, somente.

Cerzi minha própria roupa.
Palavras,
remendos da mente.

Solstício de verão


20 de dez. de 2011

É diferente - Zora Neale Hurston

José PancettI - Mar grande

O amor é que nem o oceano. É uma coisa que se move, 
mas mesmo assim toma a forma da praia que encontra, e é diferente em toda praia.

in: Hurston, Zora Neale.  Seus olhos viam Deus. Record, 2002. p. 2008

Cais Matutino de Ribeiro, extrato crônica de Carlos Heitor Cony



(...) Embora escreva crônicas para jornais ou revistas há bastante tempo, não costumo abordar temas literários. Eventualmente comento um livro ou um autor, mas em 60 anos de ofício são raros os textos sobre o assunto.
Faço este registro da Série Essencial da ABL para ter o pretexto de transcrever um pequeno poema de Ribeiro Couto, que há anos mantenho sob o vidro da minha mesa de trabalho:

"Cais Matutino"
"Mercado do peixe, mercado da aurora: cantigas, apelos, pregões e risadas à proa dos barcos que chegam de fora.
Cordames e redes dormindo no fundo; à popa estendidas, as velas molhadas; foi noite de chuva nos mares do mundo.
Pureza do largo, pureza da aurora, há viscos de sangue no solo da feira, se eu tivesse um barco, partiria agora.
O longe que aspiro no vento salgado tem gosto de um corpo que cintila e cheira para mim sozinho, num mar ignorado."



Quando estou triste, muito triste mesmo, e descrente de quase tudo, leio com renovada atenção este pequeno poema, apesar de sabê-lo de cor.

fonte:  Folha de São Paulo, Ilustrada sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Buganvília, Primavera







Nome comum: Buganvília; Primavera, Três-marias, Sempre-lustrosa, Santa-Rita, Roseiro, Roseta, Riso, Pataguinha, Pau-de-roseira e Flor-de-papel. 
Família: Nyctaginaceae 
Outras variedades: B. glabra “Harrisii” e “Sandevana variegata”, B. spectablilis e B. buttiana
Bougainvillea é um gênero botânico da família Nyctaginaceae, de espécies geralmente designadas como buganvílias. Nativas da América do Sul, o seu nome provém de Louis Antoine de Bougainville, capitão de navio, advogado, matemático e explorador, que se juntou à armada francesa por volta de 1767 no Canadá, onde viria a conhecer e a fazer amizade com Philibert Commerson, viajante e botânico francês que em 1760 viajava ao serviço de Sua Majestade e veio a descobrir esta planta no Brasil, de onde é originária. Daí o nome de Bouganvillea. 

19 de dez. de 2011

Oda a la tristeza de Pablo Neruda

De: Apple Blossoms and a Hummingbird, 1875 Martin Johnson Heade


TRISTEZA, escarabajo 
de siete patas rotas, 
huevo de telaraña, 
rata descalabrada, 
esqueleto de perra: 
Aquí no entras. 
No pasas. 
Ándate. 
Vuelve 
al Sur con tu paraguas, 
vuelve 
al Norte con tus dientes de culebra. 
Aquí vive un poeta. 
La tristeza no puede 
entrar por estas puertas. 
Por las ventanas 
entra el aire del mundo, 
las rojas rosas nuevas, 
las banderas bordadas 
del pueblo y sus victorias. 
No puedes. 
Aquí no entras. 
Sacude 
tus alas de murciélago, 
yo pisaré las plumas 
que caen de tu manto, 
yo barreré los trozos 
de tu cadáver hacia 
las cuatro puntas del viento, 
yo te torceré el cuello, 
te coseré los ojos, 
cortaré tu mortaja 
y enterraré tus huesos roedores 
bajo la primavera de un manzano.

Meu jardim de Débora Siqueira Bueno


No meu jardim de palavras brotam cardos. 
Cactos e espinhos nascem 
da areia 
do deserto da linguagem, 
onde faltaram palavras e sobraram lágrimas. 
  
No meu jardim de palavras se alastram 
as plantas simples e rasteiras 
do viver cotidiano. 
Grama comum, tecido 
sobre o qual se pisa, distraído. 
  
Semi-ocultas no jardim se encontram flores. 
Sempre-vivas 
pontilham com seu branco o descampado. 
Cá e lá, orquídeas róseas 
florescem, exuberância obstinada. 
  
Árvores também estão plantadas, 
várias, 
boas de sombra e fruto. 
Troncos sólidos 
crescidos com suor e muitos anos. 

Do meu jardim recolho as folhas secas. 
Galhos e letras 
podo, até que encontre 
a justa forma, que em seu ritmo revele 
os brotos e os restos de uma história.

18 de dez. de 2011

O que pintar eu assino de Paulo Leminski


hoje à noite
até as estrelas
cheiram a flor de laranjeira

Rosa de dezembro


Flor de Débora Siqueira Bueno

Khnopff - Retrato de Eugenie (1888)

Minha mãe ama as coisas da terra, 
cultiva flores com especial desvelo. 
Seu jardim era todo ladeado por íris 
como aquelas, 
das telas de Van Gogh. 
Havia grandes flores amarelas 
cujo nome não sei, 
não eram girassóis. 
Não sou boa de nomes. Coleciono lembranças, 
perfumes e sombras. 
Das mangueiras, generosas, 
o chão coberto de ovais verde-amarelos. 
A jabuticabeira demorou tanto a dar 
que esperei a infância inteira. 
Nas espatodéias eu subia alto, 
eram meu reino, os cabelos soltos. 
Uma vez um tio tirou minha fotografia 
com sua máquina americana. 
Nas cores mais lindas se via o jardim de minha mãe. 
A lagoa era ainda mais azul; 
os cabelos, ainda mais ruivos. 
Aquele tempo só figurava em branco e preto, 
mas a revelação estrangeira 
capturou as cores vivas 
e as sombras mortas 
do meu semblante. 
Lá estava a menina, 
aos seis anos de idade. 
Com uma blusa de marinheiro, 
não fantasiava singrar mares; 
nos seus sonhos, 
andava no lago sob as águas. 
No meio do jardim, 
precocemente séria, 
bela flor pesada.

17 de dez. de 2011

16 de dez. de 2011

Frida Kahlo - Pintar



Frida Kahlo com seu cachorro, foto de  Héctor García  México, 1949



''Não estou doente. Estou partida.
Mas me sinto feliz por continuar viva enquanto puder pintar."
Frida Kahlo

ODA AL DICCIONARIO de Pablo Neruda


imagem: Anita Francis

(...) 
Diccionario, una mano 
de tus mil manos, una 
de tus mil esmeraldas, 
una 
sola 
gota 
de tus vertientes virginales, 
un grano 
de 
tus 
magnánimos graneros 
en el momento 
justo 
a mis labios conduce, 
al hilo de mi pluma, 
a mi tintero. 
De tu espesa y sonora 
profundidad de selva, 
dame, 
cuando lo necesite, 
un solo trino, el lujo 
de una abeja, 
un fragmento caído 
de tu antigua madera perfumada 
por una eternidad de jazmineros, 
una 
sílaba, 
un temblor, un sonido, 
una semilla: 
de tierra soy y con palabras canto.

fonte: http://www.neruda.uchile.cl/obra/obranuevasodas3.html

15 de dez. de 2011

Exercício de Livia Garcia Roza




"Cabe a nós, mais que sofrer a vida, exercê-la."

Aos deuses peço só que me concedam de Fernando Pessoa


Aos deuses peço só que me concedam
O nada lhes pedir. A dita é um jugo
E o ser feliz oprime
Porque é um certo estado.
Não quieto nem inquieto meu ser calmo
Quero erguer alto acima de onde os homens
Têm prazer ou dores.
s.d.
Odes de Ricardo Reis . Fernando Pessoa. (Notas de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1946 (imp.1994).
 - 170.

A caixa de linhas de Débora Siqueira Bueno








Na lata azul viajaram biscoitos da Dinamarca.
Aromas vindos do outro lado do oceano
deixaram seu rastro quase imperceptível
nas meadas de linhas coloridas.
Ali foram acomodados
retroses de papelão,
novelos de cores mescladas.

Do rosa quase branco ao fúcsia
roubado ao cálice dos brincos-de-princesa;
e tons de azuis –
o celeste, o cobalto, toda a gama
entre o violeta e o mar que se esverdeia.
Nuances de terra, ocras e musgos,
girassóis, beijos vermelhos.

Vieram da Dinamarca fios de urdidura
para o tear dos destinos –
o ar de inverno rigoroso e austero,
matizes de circunspecção
e alguns dos cinzas
bordados em monogramas
no enxoval dos bisavós.

14 de dez. de 2011

A Imagem refletida de Adélia Prado




Vem de antes do sol

A luz que em tua pupila me desenha.

Aceito amar-me assim
Refletida no olhar com que me vês. 

Ó ventura beijar-te,

espelho que premido não estilhaça

e mais brilha porque chora
e choro de amor radia.

Frivolité










Os historiadores se dividem quanto a origem do Frivolité. Em alguns antigos hieróglifos se lê que os primitivos egípcios usavam “navetes”, para formar círculos e arcos. Alguns historiadores acham que o “frivolité” teve sua origem na França, visto que o respectivo termo usado em algumas línguas parece se originar do termo ‘frivolité”. Já outras teorias afirmam que o lugar de origem do “frivolité”é a Itália ou a Alemanha.
No fim do século XVI, o “frivolité” tornou-se o passatempo favorito da elite inglesa, sendo que o primeiro indício de sua existência se encontra em 1707, no poema "The Royal Knotter", do poeta inglês Sir Charles Sedley. A protagonista desse poema, a Rainha Mary II (1662-1694), é descrita fazendo “frivolité”. Existem também vários quadros da metade do século XIX, que retratam senhoras fazendo “frivolité”, com maravilhosa “navetes” de ouro, de marfim, de madrepérola ou de tartaruga, ricamente adornadas ou ornamentadas de pedras preciosas.
A denominação "frivolité", essencialmente francesa, é adotada em quase todos os países da Europa; entretanto os italianos nomeiam a técnica de "occhi". Já os orientais conservam a antiga denominação "makouk", enquanto nos países de lingua inglesa é chamada de "tatting". A técnica pode ser resumida numa seqüência de nós e picôs que formam círculos e semi-círculos, e estes compõem uma rica trama rendada, graciosa e delicada.

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...