16 de jan. de 2012

Cessar de Manoel de Barros

Pensar que a gente cessa é íngreme. Minha alegria ficou sem voz.

do "Livro Sobre Nada" (Arte de Infantilizar Formigas), Editora Record, 1996, pág. 29.

15 de jan. de 2012

Sonhos de Livia Garcia Roza



Chagall - Acima da cidade

Sem contar os sonhos, não sou dona de nada.

Uma pessoa que procura o que profundamente se sente de Clarice Lispector


imagem: Clarice Lispector 
“Um nome para o que eu sou, importa muito pouco. Importa o que eu gostaria de ser.
O que eu gostaria de ser era uma lutadora. Quero dizer, uma pessoa que luta pelo bem dos outros. Isso desde pequena eu quis. Por que foi o destino me levando a escrever o que já escrevi, em vez de também desenvolver em mim a qualidade de lutadora que eu tinha? Em pequena, minha família por brincadeira chamava-me de ‘a protetora dos animais’. Porque bastava acusarem uma pessoa para eu imediatamente defendê-la.
[...] No entanto, o que terminei sendo, e tão cedo? Terminei sendo uma pessoa que procura o que profundamente se sente e usa a palavra que o exprima.
É pouco, é muito pouco.”

14 de jan. de 2012

A mulher e a casa de João Cabral de Melo Neto



Tua sedução é menos
de mulher do que de casa:
pois vem de como é por dentro
ou por detrás da fachada.

Mesmo quando ela possui
tua plácida elegância,
esse teu reboco claro,
riso franco de varandas,

uma casa não é nunca
só para ser contemplada;
melhor: somente por dentro
é possível contemplá-la.

Seduz pelo que é dentro,
ou será, quando se abra;
pelo que pode ser dentro
de suas paredes fechadas;

pelo que dentro fizeram
com seus vazios, com o nada;
pelos espaços de dentro,
não pelo que dentro guarda;

pelos espaços de dentro:
seus recintos, suas áreas,
organizando-se dentro
em corredores e salas,

os quais sugerindo ao homem
estâncias aconchegadas,
paredes bem revestidas
ou recessos bons de cavas,

exercem sobre esse homem
efeito igual ao que causas:
a vontade de corrê-la
por dentro, de visitá-la.

Melo Neto, João Cabral de. Antologia Poética. 4ª edição. Rio de Janeiro, José Olympio, 1978.

Carta de Clarice Lispector para Andrea Azulay


A Andrea Azulay

Rio, 7 de julho de 1974

Andréa de Azulay que é minha filha espiritual:
Você sabe muita coisa, minha colega. Mas de qualquer jeito vou lhe dar umas dicas para a vida e outras para escrever.
       Sugestões de vida:
       - Você sabe se espreguiçar? É tão bom. Quando você se sentir cansadinha (você nunca se sente cansada porque é uma borboleta alegre) ou quando quiser sentir uma coisa boa para o seu corpinho, então espreguice-se. É assim: espiche os braços e as pernas ao último máximo, tanto quanto puder. Fique assim um momento. Em seguida largue-se de repente, relaxe o corpo como se este fosse um trapo. Você vai ver como é gostoso. A gente ganha um corpo novo.
       - Você gosta de comer coisa boa? Então experimente fios de ovos com creme de leite Nestlé. A gente não tem vontade de acabar nunca.
      - Pergunte ao seu pai e a sua mãe se eles deixam o seguinte: esquente uma colher de sobremesa de vinho tinto, esquente uma xícara de café com açúcar, misture tudo e beba devagarzinho. Dá um gosto bom no coração.
      - Experimente mocotó. Demora a cozinhar e leva tempero. Mande fazer um pirão com o caldo. É forte, é potente, dá força humana. É capaz de você odiar!!!
      Sugestões para escrever:
      - Você não precisa de nada, já sabe quase tudo. Mas vou lhe dar umas idéias:
      - Não descuide da pontuação. Pontuação é a respiração da frase. Uma vírgula pode cortar o fôlego. É melhor não abusar de vírgulas. O ponto de interrogação e o de exclamação use-os quando precisar: são válidos. Cuidado com reticências: só as empregue em caso raro. Como depois de um suspiro. Quanto ao ponto e vírgula, ele é um osso atravessado na garganta da frase. Uma minha amiga, com quem falei a respeito da pontuação, acrescentou que o ponto e vírgula é o soluço da frase. O travessão é muito bom para a gente se apoiar nele. Agora esqueça tudo que eu disse.
     - Cuidado com o “que”, muitos ques numa mesma frase atropela a gente. Você pode tomar a liberdade que eu já tomei, isto é: começar um frase com “que”. Mas esse recurso já foi por demais imitado, eu já não uso mais, só às vezes.
Quando você fizer sucesso fique contentinha mas não contentona. É preciso ter sempre uma simples humildade tanto na vida quanto na literatura.
Afago os seus cabelos.
                                                                                                                                                Clarice

Do livro correspondências Clarice Lispector, organizado por Teresa Montero, editora Rocco

13 de jan. de 2012

As coisas serão ditas sem eu as ter dito de Clarice Lispector


Original manuscrito de A hora da estrela (1977). Acervo Clarice Lispector/IMS 
As palavras me antecedem e ultrapassam, elas me tentam e me modificam, e se não tomo cuidado será tarde demais: as coisas serão ditas sem eu as ter dito. Ou, pelo menos, não era apenas isso. Meu enleio vem de que um tapete é feito de tantos fios que não posso me resignar a seguir um fio só; meu enredamento vem de que uma história é feita de muitas histórias. E nem todas posso contar — uma palavra mais verdadeira poderia de eco em eco fazer desabar pelo despenhadeiro as minhas altas geleiras. Assim, pois, não falarei mais no sorvedouro que havia em mim enquanto eu devaneava antes de adormecer. 

In: OS DESATRES DE SOFIA

12 de jan. de 2012

Antonio Poteiro, Antônio Batista de Sousa - (Província do Minho, Aldeia de Santa Cristina da Pousa, Portugal, 10 de outubro de 1925 - Goiânia, Brasil, 8 de junho de 2010)



















"Sonhava em ser um poeta,

fiz da cerâmica e da pintura,
minha poesia."
Antônio Poteiro

Ondas de Virginia Woolf

imagem: Virginia Woolf
Quão melhor é o silêncio; a xícara de café, a mesa. Quão melhor é sentar-me sozinho como a solitária ave marinha que abre suas asas sobre a estaca. Deixem-me ficar sentado aqui para sempre com coisas nuas, esta xícara de café, esta faca, este garfo, coisas em si, eu mesmo sendo eu mesmo. Não venham preocupar-me com suas alusões a que é tempo de fechar a casa e partir. Eu daria de boa vontade todo o meu dinheiro para que vocês não me perturbassem, mas me deixassem ficar aqui sentado, para sempre, silencioso e só.”
Fonte: As Ondas de Virginia Woolf.  Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.

11 de jan. de 2012

Imprevisão do tempo de Débora Siqueira Bueno

Olívia Niemeyer -   Nós: autobiografismos

Trago óculos de sol para um dia de chuva fina.
Chovem ausências e me desprotejo.
Quero sentir a dor funda, visceral,
palpar lembranças rombas
sob o rebordo costal.

Tenho o vestido leve para o dia em cinzas.
O ar me agulha a pele.
Quero o frio que me lembre quem não fui.
Tenho saudades
de futuros esquecidos.

Costela de Adão



A costela-de-adão (Monstera deliciosa) é uma planta da família das aráceas. Possui folhas grandes, cordiformes, penatífidas e perfuradas, com longos pecíolos, flores aromáticas, em espádice comestível, branco-creme, com espata verde, e bagas amarelo-claras.
Esta planta é muito confundida com outra arácea, a banana de macaco (Philodendron bipinnatifidum), mas difere desta por apresentar furos nas folhas e recortes maiores e mais uniformes.
A espécie é nativa do México e é mundialmente cultivada como ornamental pelas belas e peculiares folhas, com segmentos que lembram costelas. Seu fruto (delicioso) é comestível e muito saboroso, daí seu nome científico, Monstera deliciosa. A princesa Isabel, filha do Imperador D. Pedro II do Brasil, considerava esse fruto o melhor de todos.

Carta de Clarice Lispector para Olga Borelli


10 de jan. de 2012

Precoce de Clarice Lispector





“[...] Quando criança, e depois adolescente, fui precoce em muitas coisas. Em sentir um ambiente, por exemplo, em apreender a atmosfera íntima de uma pessoa. Por outro lado, longe de precoce, estava em incrível atraso em relação a outras coisas importantes. Continuo, aliás, atrasada em muitos terrenos. Nada posso fazer: parece que há em mim um lado infantil que não cresce jamais.

Até mais que treze anos, por exemplo, eu estava em atraso quanto ao que os americanos chamam de fatos da vida. Essa expressão se refere à relação profunda de amor entre um homem e uma mulher, da qual nascem os filhos. [...] Depois, com o decorrer de mais tempo, em vez de me sentir escandalizada pelo modo como uma mulher e um homem se unem, passei a achar esse modo de uma grande perfeição. E também de grande delicadeza. Já então eu me transformara numa mocinha alta, pensativa, rebelde, tudo misturado a bastante selvageria e muita timidez.

Antes de me reconciliar com o processo da vida, no entanto, sofri muito, o que poderia ter sido evitado se um adulto responsável se tivesse encarregado de me contar como era o amor. [...] Porque o mais surpreendente é que, mesmo depois de saber de tudo, o mistério continuou intacto. Embora eu saiba que de uma planta brota uma flor, continuo surpreendida com os caminhos secretos da natureza. E se continuo até hoje com pudor não é porque ache vergonhoso, é por pudor apenas feminino.
Pois juro que a vida é bonita.”

Os sonhos de José Saramago

Tachibana - Ao amanhecer

"Além da conversa das mulheres, são os sonhos que seguram o mundo na sua órbita. 
Mas são também os sonhos que lhe fazem um coroa de luas, 
por isso o céu é o resplendor que há dentro da cabeça dos homens, 
se não é a cabeça dos homens o próprio e único céu"
In: Memorial do Convento

6 de jan. de 2012

Ode ao gato de Pablo Neruda

imagem: Gatos de Nadir da Costa

Os animais foram
imperfeitos, 
compridos de rabo, tristes 
de cabeça. 
Pouco a pouco se foram 
compondo, 
fazendo-se paisagem, 
adquirindo pintas, graça vôo. 
O gato, 
só o gato apareceu completo 
e orgulhoso: 
nasceu completamente terminado, 
anda sozinho e sabe o que quer.
O homem quer ser peixe e pássaro, 
a serpente quisera ter asas, 
o cachorro é um leão desorientado, 
o engenheiro quer ser poeta, 
a mosca estuda para andorinha, 
o poeta trata de imitar a mosca, 
mas o gato 
quer ser só gato 
e todo gato é gato do bigode ao rabo, 
do pressentimento à ratazana viva, 
da noite até os seus olhos de ouro.
Não há unidade 
como ele, 
não tem 
a lua nem a flor 
tal contextura: 
é uma coisa 
só como o sol ou o topázio, 
e a elástica linha em seu contorno 
firme e sutil é como 
a linha da proa de uma nave. 
Os seus olhos amarelos 
deixaram uma só 
ranhura 
para jogar as moedas da noite .
Oh pequeno imperador sem orbe, 
conquistador sem pátria, 
mínimo tigre de salão, nupcial 
sultão do céu 
das telhas eróticas, 
o vento do amor 
na intempérie 
reclamas 
quando passas 
e pousas 
quatro pés delicados 
no solo, 
cheirando, 
desconfiando 
de todo o terrestre, 
porque tudo 
é imundo 
para o imaculado pé do gato.
Oh fera independente 
da casa, arrogante 
vestígio da noite, 
preguiçoso, ginástico 
e alheio, 
profundíssimo gato, 
polícia secreta 
dos quartos, 
insígnia 
de um 
desaparecido veludo, 
certamente não há 
enigma na tua maneira, 
talvez não sejas mistério, 
todo o mundo sabe de ti e pertences 
ao habitante menos misterioso 
talvez todos acreditem, 
todos se acreditem donos, 
proprietários, tios 
de gato, companheiros, 
colegas, 
discípulos ou amigos do seu gato.
Eu não. 
Eu não subscrevo. 
Eu não conheço o gato. 
Tudo sei, a vida e o seu arquipélago, 
o mar e a cidade incalculável, 
a botânica 
o gineceu com os seus extravios, 
o pôr e o menos da matemática, 
os funis vulcânicos do mundo, 
a casca irreal do crocodilo, 
a bondade ignorada do bombeiro, 
o atavismo azul do sacerdote, 
mas não posso decifrar um gato. 
Minha razão resvalou na sua indiferença, 
os seus olhos têm números de ouro.

Da Saudade de Cecília Meireles



A natureza da saudade é ambígua: associa sentimentos de solidão e tristeza – mas, iluminada pela memória, ganha contorno e expressão de felicidade. Quando Garrett a definiu como “delicioso pungir de acerbo espinho”, estava realizando a fusão desses dois aspectos opostos na fórmula feliz de um verso romântico.
Em geral, vê-se na saudade o sentimento de separação e distância daquilo que se ama e não se tem. Mas todos os instantes da nossa vida não vão sendo perda, separação e distância? O nosso presente, logo que alcança o futuro, já o transforma em passado. A vida é constante perder. A vida é, pois, uma constante saudade.
Há uma saudade queixosa: a que desejaria reter, fixar, possuir. Há uma saudade sábia, que deixa as coisas passarem, como se não passassem. Livrando-as do tempo, salvando a sua essência  de eternidade. É a única maneira, aliás, de lhes dar permanência: imortalizá-las em amor. O verdadeiro amor é, paradoxalmente, uma saudade constante, sem egoísmo nenhum.
MEIRELES, Cecília. In: Cecília Meireles / seleção e prefácio Leodegário A. de Azevedo Filho. São Paulo: Global, 2003. Coleção Melhores Crônicas. p. 144.

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...