20 de mar. de 2012

As palavras mais preciosas de Chico Buarque


"A horas mortas, eu corria os olhos pela minha prateleira repleta de livros gêmeos, escolhia um a esmo e o abria a bel-prazer. Então anotava num moleskine as palavras mais preciosas, a fim de esmerar o vocabulário com que eu embasbacaria as moças e esmagaria meus rivais."
Chico Buarque no prefácio do Dicionário Analógico da Língua Portuguesa: Ideias Afins/Thesaurus de Francisco Ferreira Dos Santos Azevedo. LEXIKON, 2010.

Libertinagem de Manuel Bandeira


Não sei dançar
Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.
Tenho todos os motivos menos um de ser triste.
Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria...
Abaixo Amiel!
E nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff.

Sim, já perdi pai, mãe, irmãos.
Perdi a saúde também.
É por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz-band.

Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu tomo alegria!

(...) (Libertinagem, Manuel Bandeira)

19 de mar. de 2012

Fellini - Gosto de, não gosto de ...


As minhas estranhas dores de Samuel Beckett

No entanto hei-de falar-vos delas um dia, se me lembrar, se puder, das minhas estranhas dores, em pormenor, distinguindo entre os diferentes gêneros, para maior clareza, as do entendimento, as do coração ou afetivas, as da alma (mais bonitas não há) e finalmente as do corpo propriamente dito, primeiro as internas ou latentes, depois as da superfície, começando pelo cabelo e couro cabeludo e descendo metodicamente, sem pressas, até aos adorados pés, lugar dos calos, caibras, frieiras, joanetes, unhas encravadas, pústulas, gangrena, pé boto, pé de pato, pé-de-galo, pé-de-cabra, pé chato, pé de atleta e outras bizarrias. E, aos que tiverem a gentileza de me ouvir, falarei também, na mesma ocasião, de acordo com um sistema inventado já não me lembro por quem, daqueles instantes em que, sem se estar drogado, nem bêbado, nem em êxtase, não se sente nada.
Samuel Beckett in Primeiro Amor

Su Blackwell e os livros-escultura





fonte: http://www.sublackwell.co.uk/

18 de mar. de 2012

Em rede de algodão rendada de Guimarães Rosa



Até que, um dia, eu estava repousando, no claro estar, em rede de algodão rendada. Alegria me espertou, um pressentimento. Quando eu olhei, vinha vindo uma moça. Otacília. Meu coração rebateu, estava dizendo que o velho era sempre novo. Afirmo ao senhor, minha Otacília ainda se orçava mais linda, me saudou com o salvável carinho, adianto de amor.
João Guimarães Rosa in: Grande Sertão: Veredas

17 de mar. de 2012

Zebrinha de Wania Amarante




Coitada da Zebra!
É tão pobrezinha!
Só tem uma roupa
A coitadinha!
Dorme de pijama,
Pijama de listrinhas
E passa dias inteiros
Vestida de pijaminha.
Que tal a gente se juntar
E fazer uma vaquinha
pra comprar pra zebrinha
vestido de bolinha?

In: AMARANTE, Wania. Cobras e Lagartos. Belo Horizonte, Miguilim, 1987

16 de mar. de 2012

Acalanto de Paulo Henriques Britto


Noite após noite, exaustos, lado a lado,
digerindo o dia, além das palavras
e aquém do sono, nos simplificamos,

despidos de projetos e passados,
fartos de voz e verticalidade,
contentes de ser só corpos na cama;

e o mais das vezes, antes do mergulho
na morte corriqueira e provisória
de urna dormida, nos satisfazemos

em constatar, com uma ponta de orgulho,
a cotidiana e mínima vitória:
mais uma noite a dois, e um dia a menos.

E cada mundo apaga seus contornos
no aconchego de um outro corpo morno. 

fonte: BRITTO, Paulo Henriques. Macau. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

Ode ao gato de José Jorge Letria



Tu e eu temos de permeio 
a rebeldia que desassossega, 
a matéria compulsiva dos sentidos. 
Que ninguém nos dome, 
que ninguém tente 
reduzir-nos ao silêncio branco da cinza, 
pois nós temos fôlegos largos 
de vento e de névoa 
para de novo nos erguermos 
e, sobre o desconsolo dos escombros, 
formarmos o salto 
que leva à glória ou à morte, 
conforme a harmonia dos astros 
e a regra elementar do destino. 

in Animália Odes aos Bichos

15 de mar. de 2012

CRISTINA BERTUZZI - pintora italiana
















Sonhos se apuram de Mia Couto

Van Rainy Hecht-Nielsen

O amor vicia mesmo
antes de acontecer.
Isso aprendi.
Como também aprendi que
os sonhos se apuram
de tanto se repetirem.

COUTO, Mia. Antes de nascer o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 257.

Maitaca, baitaca e suia








Os termos maitaca, baitaca e suia são designações comuns para diversas espécies de aves. As maitacas caracterizam-se pela cauda curta e azul, pela zona sem penas em volta dos olhos, pelo bico cinza-escuro com marcas vermelhas nas laterais das mandíbulas. São semelhantes aos papagaios do gênero Amazona, mas menores. Ocorrem no Brasil da região nordeste (Maranhão, Piauí, Pernambuco, Alagoas) até a região sul, passando pela região centro-oeste (Goiás e Mato Grosso). Ocorrem, também, na Bolívia, no Paraguai e na Argentina.
Vivem em uma variedade de habitat que inclui florestas úmidas, de galeria, savanas e áreas cultivadas, até os 2 000 metros de altitude. Geralmente, voam em bando de seis a oito indivíduos, por vezes até de cinquenta aves quando a comida é muito abundante. Costumam banhar-se em lagos para se refrescar. Se alimentam de frutos e sementes, tais como pinhão do pinheiro-do-brasil e frutos da figueira. Também se alimentam de mangas quando apresentam frutos em formação.
A reprodução das maitacas costuma ocorrer de agosto a janeiro. O casal afasta-se do grupo à procura de um oco formado nas árvores. A fêmea põe de três a cinco ovos brancos com um período de incubação de 23 a 25 dias e o macho, geralmente, permanece no ninho durante o dia. As crias são totalmente dependentes dos pais (altriciais) e saem do ninho com aproximadamente 55 a sessenta dias.

14 de mar. de 2012

Licença de Débora Siqueira Bueno



Quando nasci eu era roxa. 
Não sei se havia anjos 
mas respirei fundo, 
recebi minha missão. 

Falta de ar conheço bem, 
me ensinou a espera. 
Falta de amor graças a Deus não tive muita, 
no ter e não ter fui me fazendo. 

Tão sempre a falta. 
Apesar das pernas das moças, 
despeito o cheiro bom dos moços, 
desejo, de contínuo se escapa. 

Meu nome quer dizer abelha – 
aquela que sempre trabalha. 
Desde o tempo que a memória alcança 
amanheço e entardeço no cuidado. 

Parece dom, mas é sina mineral 
buscar o que advém e é profundeza; 
separar pedra e entulho, encontrar beleza 
oculta na vastidão do sofrimento. 

Quero traçar de novo o meu destino, 
peço licença pra mudar de lavra. 
De agora em diante, carrego a bateia 
para lidar no garimpo das palavras.

13 de mar. de 2012

Fernand Khnopff : Delicadeza como marca
















Fernand Edmond Jean Marie Khnopff (Grembergen, 12 de setembro de 1858 - Bruxelas, 12 de novembro de 1921) foi um pintor simbolista belga.

Feminina de Joyce



- Ô mãe, me explica, me ensina, me diz o que é feminina?
- Não é no cabelo, no dengo ou no olhar, é ser menina por todo lugar.
- Então me ilumina, me diz como é que termina?
- Termina na hora de recomeçar, dobra uma esquina no mesmo lugar.

Costura o fio da vida só pra poder cortar
Depois se larga no mundo pra nunca mais voltar
Prepara e bota na mesa com todo o paladar
Depois, acende outro fogo, deixa tudo queimar
E esse mistério estará sempre lá
Feminina menina no mesmo lugar

Sou meu hóspede



Sou meu hóspede noturno 
em doses mínimas
e uso a noite
para despojar-me
da modéstia
e outras vaidades
procuro ser tratado
sem os prejuízos
das boas-vindas
e com as cortesias
do silêncio
não coleciono padeceres
nem os sarcasmos
que deixam marca
sou tão-só
meu hóspede
e trago uma pomba
que não é sinal de paz
mas sim pomba
como hóspede
estritamente meu
no quadro-negro da noite
traço uma linha
branca
    
  Mario Benedetti , De La Vida ese Parentesis

12 de mar. de 2012

Sonho de Mia Couto

imagem: Sonia Madruga 


É uma pena a senhora andar por aí fatigando seus olhos pelo mundo. Devia era, logo de manhã, passar um sonho pelo rosto. É isso que impede o tempo e atrasa a ruga. Sabe o que se faz? Estende-se aí na areia, oblonga-se deitadinha, estica a alma na diagonal. Depois, fica assim, caladita, rentinha ao chão, até sentir a terra se enamorar de si. Digo-lhe, Dona: quando ficamos calados, igual a uma pedra, acabamos por escutar os sotaques da terra. A senhora num certo momento, há-de ouvir um chão marinho, faz conta é um mar sob a pele do chão. Aproveita esse embalo, Dona Luarmina.Eu tiro vantagens desses silêncios submarinos. São eles que me fazem adormecer ainda hoje. Sou criança dele, do mar.

Jasmim-Manga



Jasmim-manga (Plumeria rubra) é uma planta do gênero Plumeria.

O jasmim-manga é uma árvore; pode atingir um porte entre 4 m e 8 m. É muito usado como planta ornamental. Seus caules são grossos e lisos, de cor cinzenta ou bronzeada de formato escultural; por essas características, é muito apreciado por paisagistas. As folhas são verde-escuras e nascem nas extremidades dos ramos. No inverno e na primavera, caem. Suas flores formam grandes inflorescências terminais, e são rosa (cor)s ou vermelhas, havendo variantes brancas e amareladas. A Plumeria rubra floresce durante o verão e o outono. As flores exalam um olor suave, semelhante ao das flores de jasmim.

É originária da América tropical, onde ocorre naturalmente, desde o México até a Colômbia e Venezuela.
Fonte: Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre

11 de mar. de 2012

Tem o serviço só de fantasiar de Mia Couto


Klimt         

- Escute o que eu falo: você, sim, é flor.

- Está, sou flor. Mas uma dessas que nunca serviu.

- Você serviu belezas, Luarmina.

- E para que servem as belezas? Para nada.

- Veja, exemplo, só: quem ilustra mais o céu? Não é o arco-íris? 

E, pois, me diga: qual o serviço que tem o arco-íris?

- Nem sei lá.

-Tem o serviço só de fantasiar, de ensinar o céu a sonhar.


 in “MAR ME QUER”


Ausência de Carlos Drummond de Andrade

Andrew Wyeth

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...