15 de abr. de 2013

Olaf Hajek (1965 Rendsburg, Alemanha)

























O mundo que gostaria de morar de Clarice Lispector

Ann Gorbett
"Em uma outra vida que tive, aos 15 anos, entrei numa livraria, que me pareceu o mundo que gostaria de morar. De repente, um dos livros que abri continha frases tão diferentes que fiquei lendo, presa, ali mesmo. Emocionada, eu pensava: mas esse livro sou eu! Só depois vim a saber que a autora era considerada um dos melhores escritores de sua época: Katherine Mansfield."

13 de abr. de 2013

A surpreendente aventura - Simone de Beauvoir


foto de Cartier-Bresson, 1946

Abro as cortinas do meu quarto, deito-me num divã, tudo em volta deixa de existir, ignoro-me a mim mesma: existe somente a página preta e branca que meus olhos percorrem. E eis que me ocorre a surpreendente aventura relatada por alguns sábios taoístas: abandonando em seu leito uma carcaça inerte, eles levantavam voo; durante séculos viajavam de cume em cume, através da terra inteira e até o céu. Quando reecontravam seu corpo, este não envelhecera. Assim vago eu, imóvel, sob outros céus em épocas passadas, e é possível que transcorram séculos antes que me reencontre, a duas ou três horas de distância, neste lugar do qual não saí. Nenhuma experiência é comparável a esta. (…) Somente a leitura, com uma economia extraordinária de meios – apenas um volume em minha mão -, cria relações novas e duráveis entre mim e as coisas.

Fonte: Balanço Final. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990 [1972]. pp. 153-154.

12 de abr. de 2013

Não, não é cansaço... por Fernando Pessoa -Álvaro de Campos


Não, não é cansaço...
É uma quantidade de desilusão
Que se me entranha na espécie de pensar,
E um domingo às avessas
Do sentimento,
Um feriado passado no abismo...
Não, cansaço não é...
É eu estar existindo
E também o mundo,
Com tudo aquilo que contém,
Como tudo aquilo que nele se desdobra
E afinal é a mesma coisa variada em cópias iguais.
Não. Cansaço por quê?
É uma sensação abstrata
Da vida concreta —
Qualquer coisa como um grito
Por dar,
Qualquer coisa como uma angústia
Por sofrer,
Ou por sofrer completamente,
Ou por sofrer como...
Sim, ou por sofrer como...
Isso mesmo, como...
Como quê?...
Se soubesse, não haveria em mim este falso cansaço.
(Ai, cegos que cantam na rua,
Que formidável realejo
Que é a guitarra de um, e a viola do outro, e a voz dela!)
Porque oiço, vejo.
Confesso: é cansaço!...

COMO SE DESCE UMA MONTANHA de Affonso Romano de Sant’Anna


Herbert List

Não é mais fácil
nem menos perigoso
do que subir
                         — é diverso.
Se olhados de fora
— os gestos —
podem parecer mais lentos.
Para quem desce
ao contrário, a sensação
não é de vertigem
— é complemento.
Subir foi demorado
descer
             é outra arte.
É como se Sísifo
do outro lado do monte
estivesse.
Descer com uma pedra
nos ombros
                     — pode ser leve.

do livro: Sísifo desce a montanha.  Rocco.

11 de abr. de 2013

Joaninha, Mariquitas, Chinitas, bichos de Deus, ave da Senhora, inseto da Senhora










Sólo le pido a Dios de Leon Gieco


Sólo le pido a Dios
Que el dolor no me sea indiferente,
Que la reseca muerte no me encuentre
Vacío y solo sin haber hecho lo suficiente.

Sólo le pido a Dios
Que lo injusto no me sea indiferente,
Que no me abofeteen la otra mejilla
Después que una garra me arañó esta suerte.

Sólo le pido a Dios
Que la guerra no me sea indiferente,
Es un monstruo grande y pisa fuerte
Toda la pobre inocencia de la gente.

Sólo le pido a Dios
Que el engaño no me sea indiferente
Si un traidor puede más que unos cuantos,
Que esos cuantos no lo olviden fácilmente.

Sólo le pido a Dios
Que el futuro no me sea indiferente,
Desahuciado está el que tiene que marchar
A vivir una cultura diferente.
------
Só peço a Deus
que a dor não me seja indiferente
que a seca morte não me encontre
vazia e só sem ter feito o suficiente

Só peço a Deus
que o injusto não me seja indiferente
que não me esbofeteem a outra face
Depois que uma garra me arranhou essa sorte

Só peço a Deus
que a guerra não me seja indiferente
É um monstro grande e esmaga
Toda pobre inocência da gente

Só peço a Deus
que o engano não me seja indiferente
Se um traidor pode mais que uns quantos,
que esses não esqueçam facilmente

Só peço a Deus
que o futuro não me seja indiferente,
Desiludido está o que tem que marchar
para viver uma cultura diferente

Só peço a Deus
que a guerra não me seja indiferente
É um monstro grande e esmaga
Toda pobre inocência da gente


10 de abr. de 2013

Vaguedades de ROSALÍA DE CASTRO


Magritte

Bem sei que non hai nada
Novo en baixo do ceo, 
Que antes outros pensaron 
As cousas que ora eu penso. 
E bem, ¿para que escribo? 
E bem, porque así semos, 
Relox que repetimos 
Eternamente o mesmo. 

Tal como as nubes 
Que impele o vento, 
I agora asombran, i agora alegran 
Os espazos inmensos do ceo, 

Así as ideas 
Loucas que eu teño, 
As imaxes de múltiples formas, 
De estranas feituras, de cores incertos, 
Agora asombran, 
Agora acraran 
O fondo sin fondo do meu pensamento. 

...................... 

VAGUEDADES

Bem sei que não há nada de 
Novo sob o céu, 
Que antes outros pensaram 
As cousas que ora eu penso. 
Bem, para que escrevo? 
Bem, porque somos assim: 
Relógios que repetem 
Eternamente o mesmo. 

Tal como as nuvens 
Que impele o vento, 
E ora assombram, e ora alegram 
Os espaços imensos do céu, 
Assim as idéias 
Loucas qu´eu tenho, 
As imagens de múltiplas formas, 
D´estranhas feituras, de cores incertas, 
Ora assombram, 
Ora aclaram 
O fundo sem fundo do meu pensamento. 

Tradução de Andityas Soares de Moura

ROSALÍA DE CASTRO (1837-1885)  Natural da Galícia, Espanha, nasceu na cidade de Santiago de Compostela. Sua poesia inspira-se na lírica popular trovadoresca e foi escrita em galego e em castelhano. Considerada a figura mais importante da poesia galega do século XIX, publicou os livros Cantares Gallegos (1863) e Folhas Novas (1880), ambos escritos em galego, e En las Orillas del Sar (1884), este considerado os primeiros versos modernos em língua castelhana.  Sua poesia será relida e valorizada pela geração de 1898: Antonio Machado, Miguel de Unamuino, Juan Ramón Jiménez e, mais tarde, Federico García Lorca.

9 de abr. de 2013

Equilibrista de Cecília Meireles (1901-1964)


Alto, pálido vidente,
caminhante do vazio,
cujo solo suficiente
é um frágil, aéreo fio!

Sem transigência nenhuma,
experimentas teu passo,
com levitações de pluma
e rigores de compasso.

No mundo, jogam à sorte,
detrás de formosos muros,
à espera da tua morte
e dos despojos futuros.

E tu, cintilante louco,
vais, entre a nuvem e o solo,
só com teu ritmo - tão pouco!
Estrela no alto do pólo.

8 de abr. de 2013

Sexo "artístico" de Contardo Calligaris


COM FREQÜÊNCIA (crescente?), o sexo, no cinema, consiste em cenas intermináveis nas quais fragmentos de corpos, enquadrados de maneira que não se sabe mais se são nádegas ou seios, movimentam-se numa luz suave e com uma trilha sonora que é uma espécie de Galvão Bueno da "transa" -só que mais previsível que o apresentador global.
Talvez se trate de um efeito da censura ou da autocensura: o disfarce "artístico" vale como pretexto para que a gente se autorize a mostrar coisas que, sem isso, pareceriam proibidas.
O fato é que, em geral, esse sexo "artístico" me causa um mal-estar.
De repente, passo a contemplar (no escuro) a ponta de meu sapato, como um adolescente que estivesse na companhia dos pais. Mas não é por pudor infantil: no cinema, uma cena de sexo que seja pornográfica ou simplesmente realista não me causa mal-estar algum, e, quer eu goste ou não, sigo olhando para a tela.
De onde vem, então, minha dificuldade com o sexo "artístico"?
Uma amiga gostava de um homem bonito e "sarado". Quando se deitaram juntos pela primeira vez, havia um grande espelho ao lado da cama.
No meio das escaramuças, o homem olhava insistentemente para o espelho. Minha amiga pensou que ele devia achar excitante a visão dos dois corpos nos gestos do amor, mas logo ela notou que o homem não parava de flexionar seus tríceps verificando, no espelho, a definição de seus músculos. Minha amiga perdeu o entusiasmo; esperou, educadamente, que a transa acabasse e nunca mais encontrou o homem.
"O que foi?", perguntei, "você ficou com ciúmes dos olhares apaixonados que ele reservava para seu próprio corpo?". "Não", respondeu minha amiga, "só fiquei com a sensação de que a gente estava na academia. E aí perdi o embalo".
Pois bem, no cinema, as representações "artísticas" do sexo me fazem um efeito parecido: é como se o descontrole do corpo erótico (que, claro, concordo, pode ser obsceno) fosse substituído quer seja por um bailado de corpos higienistas que se exercitam, quer seja por uma câmara lenta de músculos e pele, que parece ambicionar o estatuto de obra de arte abstrata.
Em suma, no estereótipo cinematográfico, o sexo parece mais estético, saudável e pretensamente poético do que extático.
Ora, o sexo não é nada disso, e torná-lo "artístico" não é apenas um jeito de representá-lo, é também um jeito de domesticá-lo, de regrá-lo.
Acaba de ser publicado em português mais um seminário de Michel Foucault, o de 1978-79, "Nascimento da Biopolítica" (Martins Fontes).
Talvez seja a única ocasião em que Foucault analisou diretamente o poder do Estado no mundo contemporâneo. Como sempre, Foucault é genial: ele aponta o ideal do Estado contemporâneo na "frugalidade" (ou seja, no menor governo possível), enquanto o exercício do poder é delegado a mecanismos que triunfam por seu caráter aparentemente natural e incontestável. Exemplo fundamental: o Mercado, que, sem intervenções externas, produziria os preços e os custos "verdadeiros" -só pelo livre jogo dos agentes econômicos. Em outras palavras, no exercício do poder moderno, não é preciso mandar: basta mostrar a "naturalidade" do óbvio.
O seminário termina antes que Foucault consiga tratar propriamente do poder na gestão da vida cotidiana, mas entende-se que ele funciona da mesma forma, graças a reguladores implícitos, que se impõem por sua suposta e "óbvia" naturalidade. Por exemplo, quem negará que a vida saudável, a harmonia e a higiênica limpeza são valores "naturalmente" benéficos?
Então por que seríamos reféns da "feiúra" da concupiscência, quando é possível (como sugerem as cenas artístico-eróticas do cinema) viver orgasmos lindos e simultâneos, quem sabe ritmados pelo coro da "Nona Sinfonia" de Beethoven?
Sem contar que, com luz e música certas, também parece óbvio que o sexo possa espontânea e naturalmente conviver com o amor. Não é?

Folha de São Paulo, quinta-feira, 14 de agosto de 2008

7 de abr. de 2013

Todas as direções de Livia Garcia Roza


Estendo a palavra em todas as direções, 
na tentativa de alcançá-lo, 
amor.

Pequena elegia de setembro de Eugénio de Andrade


Burne-Jones 

Não sei como vieste,
mas deve haver um caminho
para regressar da morte.
Estás sentada no jardim,
as mãos no regaço cheias de doçura,
os olhos pousados nas últimas rosas
dos grandes e calmos dias de setembro.

Que música escutas tão atentamente
que não dás por mim?
Que bosque, ou rio, ou mar?
Ou é dentro de ti
que tudo canta ainda?

Queria falar contigo,
dizer-te apenas que estou aqui,
mas tenho medo,
medo que toda a música cesse
e tu não possas mais olhar as rosas.
Medo de quebrar o fio
com que teces os dias sem memória.

Com que palavras
ou beijos ou lágrimas
se acordam os mortos sem os ferir,
sem os trazer a esta espuma negra
onde corpos e corpos se repetem,
parcimoniosamente, no meio de sombras?

Deixa-te estar assim,
ó cheia de doçura,
sentada, olhando as rosas,
e tão alheia
que nem dás por mim.

5 de abr. de 2013

Saber de cor o silêncio de Orides Fontela

Rian Fontenele 

Saber de cor o silêncio
diamante e/ou espelho
o silêncio além 
do branco.

Saber seu peso
seu signo
- habitar sua estrela
impiedosa.

Saber seu centro: vazio
esplendor além
da vida
e vida além
da memória.

Saber de cor o silêncio

- e profaná-lo, dissolvê-lo
em palavras.



4 de abr. de 2013

PSIU, CALOPSITA! de Marisa Queiroz









Psiu, cala!
Canta só
Só amor, tá?
Psiu! cala
Só gema
Sem pena, tá?
Topete em riste
Sorriste?
Psit, cala!
Bicos, beijos
segredos
Psit, calei, tá?
Asas, vôos
Cala, psit!
Cangote 
Cócegas
Segredos...
Calemos, psit...!
Calopsita!

3 de abr. de 2013

A harmonia secreta da desarmonia

escultura : Manizales, Caldas, Colombia
"A harmonia secreta da desarmonia: quero não o que está feito mas o que tortuosamente ainda se faz. Minhas desequilibradas palavras são o luxo de meu silêncio. Escrevo por acrobáticas aéreas piruetas - escrevo por profundamente querer falar. Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio." 

fonte: A paixão segundo G.H.

2 de abr. de 2013

Carícia do vento de Livia Garcia Roza



Uma palavra bonita: carícia. 
Duas palavras bonitas: 
carícia do vento.

Uma mulher que lê de Italo Calvino

IVAN KRAMSKOY
“... há uma mulher que lê. Todos os dias antes de começar a trabalhar, fico algum tempo olhando-a pela luneta. Nesse ar leve e transparente, eu julgo colher em sua figura imóvel os sinais desse movimento invisível que é a leitura, o correr do olhar e da respiração e, mais ainda, o percurso das palavras através de sua pessoa, o fluxo e as interrupções, os impulsos, as hesitações, as pausas, a atenção que se concentra ou se dispersa, os retrocessos, essa trajetória que parece uniforme, mas que é mutante e acidentada.”

1 de abr. de 2013

Amigo de Alexandre O’Neill

Mal nos conhecemos 
Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo» é um sorriso 
De boca em boca, 
Um olhar bem limpo, 
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece, 
Um coração pronto a pulsar 
Na nossa mão!
«Amigo» (recordam-se, vocês aí, 
Escrupulosos detritos?) 
«Amigo» é o contrário de inimigo! 
«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado, 
É a verdade partilhada, praticada.
«Amigo» é a solidão derrotada!
«Amigo» é uma grande tarefa, 
Um trabalho sem fim, 
Um espaço útil, um tempo fértil, 
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!

 in No Reino da Dinamarca

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...