25 de mai. de 2013

Às quatro já há luz... de Östen Sjöstrand


Fredrick_Lord_Leighton_(1830-1896)

Às quatro já há luz.
Os lírios, os narcisos, os jacintos
e as túlipas turcas, as de turbante vermelho,
já acordaram
e voltam-se para a luz.

Penso que dormes
só a setenta quilómetros daqui
e que não posso rodear-te
com os meus braços.


(Versão a partir da tradução castelhana de Francisco J. Uriz reproduzida em Afinidades afectivas - antologia de la poesia nordica, prólogo, selecção do tradutor, Libros del Innombrable, Saragoça, 2002, p. 55).

24 de mai. de 2013

fazer nascimentos de Manoel de Barros


Marysia Portinari
"(...)

As coisas que não têm nome são mais pronunciadas
por crianças.


(...)


No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá
onde a criança diz: Eu escuto a cor dos
passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não
funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um
verbo, ele delira.
E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz
de fazer nascimentos –
O verbo tem que pegar delírio.



(...)"


Manuel de Barros, Uma didáctica da invenção

23 de mai. de 2013

Renata De Bonis ( São Paulo em 16 de agosto de 1984 )
























A Dor Tem um Elemento de Vazio - Emily Dickinson

A Dor - tem um Elemento de Vazio - 
Não se consegue lembrar 
De quando começou - ou se houve 
Um tempo em que não existiu - 

Não tem Futuro - para lá de si própria - 
O seu Infinito contém 
O seu Passado - iluminado para aperceber 
Novas Épocas - de Dor. 

Emily Dickinson, in "Poemas e Cartas" 
Tradução de Nuno Júdice

22 de mai. de 2013

Como El Agua - Camaron de la Isla y Paco de Lucia

Limpiava el agua del río
como la estrella de la mañana,
limpio va el cariño mío
al manantial de tu fuente clara.

Como el agua. 

Como el agua clara
que abaja del monte,
así quiero verte
de día y de noche.

Como el agua. 

Yo te eche mi brazo al hombro
y un brillo de luz de luna
iluminaba tus ojos.

De ti deseo yo to el calor
pa ti mi cuerpo si lo quieres tu
fuego en la sangre nos corre a los dos.

Como el agua. 

Si tus ojillos fueran
aceitunitas verdes,
toa la noche estaría
muele que muele, muele que muele,
toa la noche estaría
muele que muele, muele que muele, muele que muele.

Luz del alma me adivina
que a mí me alumbra mi corazón
mi cuerpo alegre camina
porque de ti lleva la ilusión.



Como el agua

http://letras.mus.br/camaron-de-la-isla/748731/

Envelhecer para trás é voltar ao começo de Adélia Prado


foto: Adélia Prado

"Envelheço para trás, ideia consoladora, porque envelhecer para trás é voltar ao começo, ao lugar ageográfico onde se iria casar, ter filhos, uma casa com coisas minhas, quinquilharias de que poderia dispor como bem entendesse. Tudo se cumpriu, não apenas meus seios. Ninguém tira do lugar, por inadequado que seja, o quadro, o jarro, o relógio, sou a dona, governo a combinação dos legumes, decido entre carne e peixe, desembarco na plataforma onde uma mulher, sem se preocupar se a alça do sutiã está aparecendo, anuncia ao mundo: sei como se aquece uma casa. Contudo me ronda, com desassossegado apetite, o demônio da tristeza, ronda à minha cata, à cata do mundo, certamente aliciando mulheres como eu, nos confundindo quanto a hormônios, palpites na criação dos netos, minando com maestria os muros do castelo."

fonte: Manuscritos de Felipa, de Adélia Prado p.83

21 de mai. de 2013

No entanto de Sylvia Beirute


Roland Shakespeare Wakelin (1887-1971) 


tão especiais os homens de acção
e esta liberdade de poder alongar o verso até ao extremo sem ter de prestar contas ao Criador, 
sem ter de ser realmente especial. 
e é concebível que um desses homens 
venha parar a este meu jorro, à ousadia 
de ter certezas muito desenvolvidas, certezas, também elas, 
até ao extremo absoluto da personalidade colectiva, às 
decisões pelos velhos hábitos. 
se assim é, meus senhores: sentem-se, bebam um café 
que o meu próximo poema servirá com as leis 
da consciência já alteradas, com encontros fora de prazo.
para já: entretenham-se com os meus olhos

e corrijam o que entenderem.



20 de mai. de 2013

Tentação em maio de Adélia Prado


Maio se extingue
e com tal luz
e de tal forma se extingue
que um pecado oculto me sugere:
não olhe porque maio não é seu.
Ninguém se livra de maio.
Encantados todos viram as cabeças:
‘Do que é mesmo que falávamos?’
De tua luz eterna, ó maio,
rosa que se fecha sem fanar-se.

Zínia, Canela-de-velho, Capitão, Moça-e-velha









Nome Científico: Zinnia elegans
Família: Asteraceae
Categoria: Flores Anuais
Clima: Equatorial, Mediterrâneo, Subtropical,Temperado, Tropical
Origem: América do Norte
Altura: 0.9 a 1.2 metros
Luminosidade: Sol Pleno
Ciclo de Vida: Anual


A zínia é uma florífera anual de verão, muito apreciada por jardineiros de todo o mundo. Suas flores pequenas são reunidas em capítulos solitários, grandes, que podem ser simples, semi-dobrados ou dobrados. Estes apresentam diversas cores vivas, como o rosa, amarelo, vermelho, branco, roxo, laranja, creme, entre outras, além de listrados ou bicolores. Sua folhagem também é muito vistosa, tornando-a uma planta excelente para compor maciços e bordaduras no jardim, assim como fica ótima em floreiras e vasos. Ocorrem ainda variedades anãs. A zínia também é muito apreciada para o corte e apresenta grande durabilidade.

Devem ser cultivadas a pleno sol, em solo composto de terra de jardim e terra vegetal, drenável, com regas regulares. Aprecia o calor dos trópicos, mas adapta-se a um clima mais ameno. Multiplica-se por sementes.

19 de mai. de 2013

Meditação do Duque de Gandia sobre a Morte de Isabel de Portugal de Sofia de Melo Breyner Andresen

Nunca mais
A tua face será pura limpa e viva
Nem o teu andar como onda fugitiva
Se poderá nos passos do tempo tecer.
E nunca mais darei ao tempo a minha vida.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.
A luz da tarde mostra-me os destroços
Do teu ser. Em breve a podridão
Beberá os teus olhos e os teus ossos
Tomando a tua mão na sua mão.

Nunca mais amarei quem não possa viver
Sempre,
Porque eu amei como se fossem eternos
A glória, a luz e o brilho do teu ser,
Amei-te em verdade e transparência
E nem sequer me resta a tua ausência,
És um rosto de nojo e negação
E eu fecho os olhos para não te ver.

Nunca mais servirei senhor que possa morrer.

Nunca mais te darei o tempo puro
Que em dias demorados eu teci
Pois o tempo já não regressa a ti
E assim eu não regresso e não procuro
O deus que sem esperança te pedi.

18 de mai. de 2013

CAUSOS/2 - Eduardo Galeano



E dizem por aí que ali havia um tesouro, escondido na casa de um velhinho todo mequetrefe.
Uma vez por mês, o velhinho, que estava nas últimas, se levantava da cama e ia receber a pensão.
Aproveitando a ausência, alguns ladrões, vindos de Montevidéu, invadiram a casa.
Os ladrões buscaram e buscaram o tesouro em cada canto. A única coisa que encontraram foi um baú de madeira, coberto de trapos, num canto do porão. O tremendo cadeado que o defendia resistiu, invicto, ao ataque das gazuas.
E assim, levaram o baú. Quando finalmente conseguiram abrí-lo, já longe dali, descobriram que o baú estava cheio de cartas. Eram as cartas de amor que o velhinho tinha recebido ao longo de sua longa vida.
Os ladrões iam queimar as cartas. Discutiram. Finalmente, decidiram devolvê-las. Uma por uma. Uma por semana.
Desde então, ao meio-dia de cada segunda-feira, o velhinho se sentava no alto da colina. E lá esperava que aparecesse o carteiro no caminho. Mal via o cavalo, gordo de alforjes, entre as árvores, o velhinho desandava a correr. O carteiro, que já sabia, trazia sua carta nas mãos.
E até São Pedro escutava as batidas daquele coração enlouquecido de alegria por receber palavras de mulher.

De O livro dos abraços

17 de mai. de 2013

"Os sonhos, cortinados de ametistas" de Fernando Pessoa







Meu coração é um pórtico partido
Dando excessivamente sobre o mar
Vejo em minha alma as velas vãs passar
E cada vela passa num sentido.

Um soslaio de sombras e ruído
Na transparente solidão do ar
Evoca estrelas sobre a noite estar
Em afastados céus o pórtico ido...

E em palmares de Antilhas entrevistas
Através de, com mãos eis apartados
Os sonhos, cortinados de ametistas,

Imperfeito o sabor de compensando
O grande espaço entre os troféus alçados
Ao centro do triunfo em ruído e bando...
s. d.
«Passos da Cruz». Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995). 
 - 49.
1ª publ. in Centauro , nº 1. Lisboa: Out.-Dez. 1916.

A ametista é uma variedade violeta ou púrpura do quartzo, muito usada como ornamento. Diz-se que a origem de seu nome é do grego a, "não" e methuskein, "intoxicar", de acordo com a antiga crença de que esta pedra protegia seu dono da embriaguez. A palavra provavelmente é uma corruptela de um nome oriental da pedra.
A ametista foi usada como pedra preciosa pelos antigos egípcios e era amplamente empregue na antiguidade por entalhadores. Contas de ametista foram encontradas em túmulos anglo-saxônicos na Inglaterra.

Curiosidades

Na mitologia grega, Ametista seria o nome de uma ninfa que, para ser protegida do assédio de Dioniso, (Baco, na versão romana), foi transformada pela deusa da castidade num cristal transparente. Baco então nada mais podia fazer, a não ser mergulhá-la no vinho - de onde teria vindo sua coloração arroxeada.
Acredita-se que a ametista pode ser usada como um amuleto para proteger da intoxicação. A ametista foi considerada também um amuleto para proteção de soldados e para ajudar caçadores a capturar bestas selvagens. No oriente também é costume engastá-la na testa, acreditando-se que exerça influência positiva sobre o chakra Ajna, conhecido também por "terceiro olho".
Em 1928, no distrito de Brejinho das Ametistas, na cidade baiana de Caetité, foi encontrada uma pedra pesando mais de 90 kg, sendo esta localidade uma das principais produtoras do mineral no Brasil. Em Ametista do Sul, no Rio Grande do Sul, já foram encontrados geodos com mais de 2.500 kg.
Até ao século XVIII a ametista foi a principal pedra preciosa (sendo até esse momento a Rainha das Pedras Preciosas) até mesmo ao nível do diamante.Contudo a descoberta de abundantes jazidas no Brasil fez com que se tornasse numa pedra preciosa de médio valor.




16 de mai. de 2013

Crisma !


O que me encanta é a magia,
Que resiste ao nada que a sustenta
O que me seduz é a beleza,
Que resiste às carnes corroídas
O me diz é o carinho
Que resiste à ausência que se impõe ao toque.
.
O que sei é o que me sinto,
Belo, encantado, acolhido
Como a pérola da qual nada sabe a concha
Me resguardo em quem não me sabe.
Escondido, escandido, nada para nenhum olhar
.
Até que um pescador me colha e me revele,
Outra pérola em busca de uma menina
Que me fixe enfeite, enfeitiçada,
E me retorne ao nada donde parti.
.

15 de mai. de 2013

Fotografei você de Maria Camargo


-- Pai, me empresta a câmera?
-- De jeito nenhum.
-- Mas por quê?
-- Porque não.
-- Mas você nem usa mais!
-- Uso, sim.
-- Mentira, ela tá abandonada aqui. E imunda, olha...
-- Esquece, Maria.
Não esqueci. Talvez o diálogo não tenha sido exatamente assim --quem se lembra com pontos e vírgulas de uma conversa que aconteceu há mais de 25 anos?-- mas foi quase isso, ou poderia ter sido. A vida era analógica então, os sais de prata da película muito mais confiáveis para guardar memórias do que as nuvens do século que viria.
A velha Nikon F, objeto do meu desejo, já tinha tido seu tempo: com ela meu pai fotografou os relevos de madeira nos anos 60, a primeira mulher, Marie Louise, os filhos Cristóvão e Carlos. Depois, minha mãe muito jovem, as primeiras esculturas em mármore, meus olhos de bebê fixando a câmera. Inês e Irene chegaram depois, mas essas ele não fotografou --ou, talvez porque doesse muito, tenha preferido guardar segredo do que viu através da lente.
Minha infância já tinha acabado quando descobri a câmera aposentada no fundo do armário. A lente, cuidadosamente ornamentada por fungos, parecia obra da minha prima Clezinha, que me deu aulas de bordado lá no Ceará. Mas dos pontos de bordado eu não lembrava mais nada, só pensava em fotografar.
-- Mas como é que eu vou fazer o curso de fotografia?
-- Usa a sua câmera.
-- Ela é ruim demais, pai. E é automática, tem que ser uma manual. Pra treinar abertura, velocidade.
-- Então não faz o curso. Paciência.

Paciência não era o meu forte. Nas semanas que se seguiram, sempre às terças e quintas, eu religiosamente roubava a Nikon do armário. As aulas já estavam prestes a terminar quando o dono da câmera acabou na frente dela, posando pra mim. Seríssimo, nenhum esboço de sorriso no rosto.

-- Não vai demorar, vai?
-- Tenho que fazer várias versões, pra comparar depois.
-- Vamos logo com isso.
Demorou. Eu tinha que pensar antes de ajustar o foco, a velocidade --muitos passos lentos antes de apertar o disparador. A câmera ainda era uma estranha para mim. Ele, o meu modelo, também.
Estranhos embora íntimos, éramos só nós dois ali naquela sala ensolarada em Copacabana. Nós, a Nikon e mais umas tantas perguntas bailando no ar como a poeira no contraluz: de quanto tempo e de que diafragma eu precisava para a exposição perfeita? De quanto tempo precisava para chegar até ele, para entender o que ainda não entendia? Por que ele me negou a câmera, por que fingiu não perceber meus roubos programados, por que aceitou posar para mim? O que eu queria aprender de verdade quando montei o tripé na frente do meu pai e olhei para ele através da lente?
-- Chega, tenho mais o que fazer.
-- Espera.
-- Esperar o quê?
-- A luz. Tá ficando mais bonita.
Eu sabia: tinha um sorriso escondido ali, em algum lugar. Ele sempre tinha. Apertei o botão.

-- Posso te mostrar as fotos?
-- Que fotos?
-- Do Pará. Lá do filme.
O filme era "Brincando nos Campos do Senhor", do nosso querido amigo Hector Babenco. Fui visitar as filmagens um ano e meio depois da tarde do retrato. Trouxe de Belém um monte de rolinhos de filme para serem revelados, uma doença que peguei no Norte, como na música do Chico, e o princípio de uma história de amor que me daria um filho.
-- Bonitas.
-- As fotos?
-- Claro que são as fotos. O que mais podia ser?
-- Sei lá. As índias.
-- Muito boas. As fotos, não as índias.
-- Nossa. Será que vai chover?
Ele riu, eu ri, não choveu. Nem naquele dia, nem no seguinte --quando meu pai morreu, fazia sol. E uma luz danada de bonita.

fonte: Folha de São Paulo - Ilustríssima. 11/05/2013

Eucanaã Ferraz, "Rimas para Suzana"


O amor com que Suzana
rega as plantas do jardim.

Segue o mundo, segue a rua,
seque tudo até ao fim.

Suzana persiste, atenta; mais,
concentrada; mais, amorosa,

como se o universo fora
a erva, a orquídea, a rosa.

O amor com que Suzana
planta, replanta, vela,

como se cuidasse do tempo
e a água viesse dela.

Ao redor de seus cuidados
se ajunta de tudo a sede:

o alecrim, a bromélia,
um verde que não se mede.

O amor com que Suzana
se faz mãe e matinal,

matando a sede de azul
da montanha, do animal,

sede de água e carinho,
sede de tudo o que esteja

na quadra de seu jardim
ainda que seu jardim seja

a memória, o mundo todo.
O amor é o seu modo.

14 de mai. de 2013

Estou aqui sentado - ali o mar, as palmeiras de Eugénio de Andrade

foto: joerg lehmann

"Estou aqui sentado - ali o mar,
as palmeiras.
O leite fresco, o pão na mesa.
O gesto sempre igual
da luz, o mesmo olhar da ave.
Existe uma secreta harmonia
entre a luz e o mar,
a mesma provavelmente
entre a palmeira e a ave,
o leite e o pão.
E com a palavra, o seu
voo a prumo,
com a palavra qual é a relação?"

Eugénio de Andrade, "O Sal da Língua" in Poesia, 2ª ed., Porto, Fundação Eugénio de Andrade, 2005, pp 514-515.

Amber Alexander (Vermont, EUA)










Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...