Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
3 de out. de 2015
O que é o cérebro humano senão um palimpsesto imenso e natural?
Meu cérebro é um palimpsesto e o seu também, leitor.
Inúmeras camadas de ideias, de imagens, de sentimentos caem sucessivamente sobre seu cérebro, tão docemente como a luz.
Pareceu que cada uma
sepultava a precedente. Mas nenhuma, na realidade,e, pereceu.
BAUDELAIRE, Charles-Pierre. Les Paradis Artificiels. Paris: Librio, 2005, p. 113.
2 de out. de 2015
INFÂNCIA Paulo Mendes Campos
Há muito, arquiteturas corrompidas,
Frustrados amarelos e o carmim
De altas flores à noite se inclinaram
Sobre o peixe cego de um jardim .
Velavam o luar da madrugada
Os panos do varal dependurados;
Usávamos mordaças de metal
Mas os lábios se abriam se beijados.
Coados em noturna claridade ,
Na copa , os utensílios da cozinha
Falavam duas vidas diferentes ,
Separando da vossa a vida minha .
Meu pai tinha um cavalo e um chicote ;
No quintal dava pedra e tangerina ;
A noite devolvia o caçador
Com a perna de pau , a carabina .
Doou-me a pedra um dia o seu suplício .
A carapaça dos besouros era dura
Como a vida — contradição poética —
Quando os assassinava por ternura .
Um homem é, primeiro , o pranto , o sal ,
O mal , o fel , o sol , o mar — o homem .
Só depois surge a sua infância-texto,
Explicação das aves que o comem.
Só depois antes aparece ao homem .
A morte é antes , feroz lembrança
Do que aconteceu, e nada mais
Aconteceu; o resto é esperança .
O que comigo se passou e passa
É pena que ninguém nunca o explique:
Caminhos de mim para mim , silvados,
Sarçais em que se perde o verde Henrique.
Há comigo , sem dúvida , a aurora ,
Alba sangüínea , menstruada aurora ,
Marchetada de musgo umedecido,
Fauna e flora , flor e hora , passiflora,
Espaço afeito a meu cansaço , fonte ,
Fonte , consoladora dos aflitos ,
Rainha do céu , torre de marfim ,
Vinho dos bêbados , altar do mito .
Certeza nenhuma tive muitos anos ,
Nem mesmo a de ser sonho de uma cova ,
Senão de que das trevas correria
O sangue fresco de uma aurora nova .
Reparte-nos o sol em fantasias
Mas à noite é a alma arrebatada.
A madrugada une corpo e alma
Como o amante unido à sua amada .
O melhor texto li naquele tempo ,
Nas paredes , nas pedras , nas pastagens ,
No azul do azul lavado pela chuva ,
No grito das grutas , na luz do aquário ,
No claro-azul desenho das ramagens ,
Nas hortaliças do quintal molhado
( Onde também floria a rosa brava )
No topázio do gato , no be-bop
Do pato , na romã banal , na trava
Do caju , no batuque do gambá ,
No sol-com-chuva, já quando a manhã
Ia lavar a boca no riacho .
Tudo é ritmo na infância , tudo é riso ,
Quando pode ser onde , onde é quando .
A besta era serena e atendia
Pelo suave nome de Suzana.
Em nossa mão à tarde ela comia
O sal e a palha da ternura humana .
O cavalo Joaquim era vermelho
Com duas rosas brancas no abdômen;
À noite o vi comer um girassol ;
Era um cavalo estranho feito um homem .
Tínhamos pombas que traziam tardes
Meigas quando voltavam aos pombais ;
Voaram para a morte as pombas frágeis
E as tardes não voltaram nunca mais .
Sorria à toa quando o horizonte
Estrangulava o grito do socó
Que procurava a fêmea na campina .
Que vida a minha vida ! E ria só .
Que âncora poderosa carregamos
Em nossa noite cega atribulada!
Que força do destino tem a carne
Feita de estrelas turvas e de nada !
Sou restos de um menino que passou.
Sou rastos erradios num caminho
Que não segue, nem volta , que circunda
A escuridão como os braços de um moinho .
Frustrados amarelos e o carmim
De altas flores à noite se inclinaram
Sobre o peixe cego de um jardim .
Velavam o luar da madrugada
Os panos do varal dependurados;
Usávamos mordaças de metal
Mas os lábios se abriam se beijados.
Coados em noturna claridade ,
Na copa , os utensílios da cozinha
Falavam duas vidas diferentes ,
Separando da vossa a vida minha .
Meu pai tinha um cavalo e um chicote ;
No quintal dava pedra e tangerina ;
A noite devolvia o caçador
Com a perna de pau , a carabina .
Doou-me a pedra um dia o seu suplício .
A carapaça dos besouros era dura
Como a vida — contradição poética —
Quando os assassinava por ternura .
Um homem é, primeiro , o pranto , o sal ,
O mal , o fel , o sol , o mar — o homem .
Só depois surge a sua infância-texto,
Explicação das aves que o comem.
Só depois antes aparece ao homem .
A morte é antes , feroz lembrança
Do que aconteceu, e nada mais
Aconteceu; o resto é esperança .
O que comigo se passou e passa
É pena que ninguém nunca o explique:
Caminhos de mim para mim , silvados,
Sarçais em que se perde o verde Henrique.
Há comigo , sem dúvida , a aurora ,
Alba sangüínea , menstruada aurora ,
Marchetada de musgo umedecido,
Fauna e flora , flor e hora , passiflora,
Espaço afeito a meu cansaço , fonte ,
Fonte , consoladora dos aflitos ,
Rainha do céu , torre de marfim ,
Vinho dos bêbados , altar do mito .
Certeza nenhuma tive muitos anos ,
Nem mesmo a de ser sonho de uma cova ,
Senão de que das trevas correria
O sangue fresco de uma aurora nova .
Reparte-nos o sol em fantasias
Mas à noite é a alma arrebatada.
A madrugada une corpo e alma
Como o amante unido à sua amada .
O melhor texto li naquele tempo ,
Nas paredes , nas pedras , nas pastagens ,
No azul do azul lavado pela chuva ,
No grito das grutas , na luz do aquário ,
No claro-azul desenho das ramagens ,
Nas hortaliças do quintal molhado
( Onde também floria a rosa brava )
No topázio do gato , no be-bop
Do pato , na romã banal , na trava
Do caju , no batuque do gambá ,
No sol-com-chuva, já quando a manhã
Ia lavar a boca no riacho .
Tudo é ritmo na infância , tudo é riso ,
Quando pode ser onde , onde é quando .
A besta era serena e atendia
Pelo suave nome de Suzana.
Em nossa mão à tarde ela comia
O sal e a palha da ternura humana .
O cavalo Joaquim era vermelho
Com duas rosas brancas no abdômen;
À noite o vi comer um girassol ;
Era um cavalo estranho feito um homem .
Tínhamos pombas que traziam tardes
Meigas quando voltavam aos pombais ;
Voaram para a morte as pombas frágeis
E as tardes não voltaram nunca mais .
Sorria à toa quando o horizonte
Estrangulava o grito do socó
Que procurava a fêmea na campina .
Que vida a minha vida ! E ria só .
Que âncora poderosa carregamos
Em nossa noite cega atribulada!
Que força do destino tem a carne
Feita de estrelas turvas e de nada !
Sou restos de um menino que passou.
Sou rastos erradios num caminho
Que não segue, nem volta , que circunda
A escuridão como os braços de um moinho .
1 de out. de 2015
Dor :: Alfonsina Storni :(1892 -1938)
Nicholas Roerich
Quisera esta tarde divina de outubro
passear pela beira longínqua do mar;
Que a areia de ouro, e as águas verdes,
e os céus puros me vissem passar.
Ser alta, soberba, perfeita, quisera,
como uma romana, para concordar
com as grandes ondas, e as rocas mortas
e as largas praias que apertem o mar.
Com o passo lento, e os olhos frios
e a boca muda, deixar-me levar;
ver como se rompem as ondas azuis,
contra os granitos e não pestanejar;
ver como as aves de rapina se comem
os peixes pequenos e não despertar;
pensar que puderam as frágeis barcas
Afundar-se nas águas e não suspirar;
Ver que se adianta a garganta ao ar,
O homem mais belo não desejar amar…
Perder o olhar, distraidamente,
perde-lo e que nunca o volte a encontrar:
E figura erguida entre céu e praia
sentir-me o esquecimento perene do mar.
Tradução de Maria Teresa Almeida Pina
.............
Quisiera esta tarde divina de Octubre
pasear por la orilla lejana del mar;
que la arena de oro, y las aguas verdes,
y los cielos puros me vieran pasar.
Ser alta, soberbia, perfecta, quisiera,
como una romana, para concordar
con las grandes olas, y las rocas muertas
y las anchas playas que ciñen el mar.
Con el paso lento, y los ojos fríos
y la boca muda, dejarme llevar;
ver cómo se rompen las olas azules
contra los granitos y no parpadear;
ver cómo las aves rapaces se comen
los peces pequeños y no despertar;
pensar que pudieran las frágiles barcas
hundirse en las aguas y no suspirar;
ver que se adelanta la garganta al aire,
el hombre más bello no desear amar;
perder la mirada, distraidamente,
perderla, y que nunca la vuelva a encontrar;
y, figura erguida, entre cielo y playa,
sentirme el olvido perenne del mar.
30 de set. de 2015
Acácia-branca (Moringa oleifera )
Reino: Plantae
Divisão: Magnoliophyta
Classe: Magnoliopsida
Ordem: Brassicales
Família: Moringaceae
Género: Moringa
Espécie: Moringa oleifera
Moringa oleifera (ou Moringa moringa, (L.) Millsp. e Moringa pterygosperma, Gaertner) é uma planta da família das oringáceas, mais conhecidas simplesmente por moringas, ainda que seja também vulgarmente designada como acácia-branca, árvore-rabanete-de-cavalo, cedro, moringueiro e quiabo-de-quina. Em Cabo Verde é conhecida como akásia-branka; em Timor, como morangue e na Índia como moxingo. É a espécie do seu género mais cultivada. As folhas e vagens são utilizadas na alimentação humana. A árvore em si não é muito robusta, mas desenvolve ramos que crescem até cerca de 10 m de comprimento. Sua principal riqueza está no altíssimo valor nutricional das suas folhas e frutos.
Cresce principalmente em áreas semi-áridas tropicais e subtropicais. Sendo o seu habitat preferencial o solo seco e arenoso, tolera solos pobres, como em áreas costeiras. Suas mudas são obtidas através de semeadura ou estaquia de ramos com mais de 20 cm. No cultivo em larga escala, seu tronco é submetido a podas regulares de forma que sua altura não ultrapasse cerca de um metro e meio, visando facilitar a colheita das folhas.
Seu crescimento é extremamente rápido, atingindo o porte arbóreo já nos primeiros meses após a semeadura. A produção de sementes se inicia no primeiro ano.
Aparentemente, é nativa dos sopés montanhosos meridionais dos Himalaias (Noroeste da Índia). Hoje, o seu cultivo estende-se a África, à América Central e América do Sul, Sri Lanka, Índia, México, Malásia e nas Filipinas.
Considerada como uma das árvores cultivadas mais úteis para o ser humano, praticamente todas as suas partes podem ser utilizadas para diversos fins. Nos trópicos, a sua folhagem é usada como forragem para animais. As suas sementes, oleosas, são utilizadas para a produção do óleo de Ben (ou Bem), usado em pintura artística. São cápsulas arredondadas e com três asas equidistantes. As folhas são bipinadas. As flores são amarelo-pálidas e relativamente grandes. A sua polinização é efetuada por pássaros e insetos. A madeira é usada na produção de papel e de fibras têxteis. As raízes são consideradas abortivas. Quando reproduzida através da técnica de estaquia, produz raízes capazes de conter a erosão dos solos.
A Moringa oleifera contêm mais de 92 nutrientes e 46 tipos de antioxidantes, além de 36 substâncias anti-inflamatórias e 18 aminoácidos, inclusive os 9 aminoácidos essenciais que não são fabricados pelo corpo humano. As folhas frescas contém nutrientes na seguinte proporção:
Sete vezes mais vitamina C que a laranja; dezassete vezes mais cálcio que o leite; dez vezes mais vitamina A que a cenoura; quinze vezes mais potássio que a banana; duas vezes mais proteína que o leite (cerca de 27% de proteína, equivalente à carne do boi); vinte e cinco vezes mais ferro que o espinafre; vitaminas presentes: A, B (tiamina, riboflavina, niacina), C, E, e beta caroteno. Minerais presentes: Cromo, Cobre, Fósforo, Ferro, Magnésio, Manganës, Potássio, Selênio e Zinco.
Referências bibliográficas
SOUSA, Edite, Moringa. in: Enciclopédia Luso-Brasileira da Cultura, Edição Século XXI Volume XX. Braga: Editorial Verbo, 2001.
HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Lisboa; Temas e Debates; 2005.
El laberinto de la soledad :: Eucanaã Ferraz
Yuri viu que a Terra é azul e disse a Terra é azul.
Depois disso, ao ver que a folha era verde disse
a folha é verde, via que a água era transparente
e dizia a água é transparente via a chuva que caía
e dizia a chuva está caindo via que a noite surgia
e dizia lá vem a noite, por isso uns amigos diziam
que Yuri era só obviedades enquanto outros
atestavam que tolo se limitava a tautologias
e inimigos juravam que Yuri era um idiota
que se comovia mais que o esperado; chorava
nos museus, teatros, diante da televisão, alguém
varrendo a manhã, cafés vazios no fim da noite,
sacos de carvão; a neve caindo, dizia é branca
a neve e chorava; se estava triste, se alegre,
essa mágoa; mas ria se via um besouro dizia
um besouro e ria; vizinhos e cunhados decretaram:
o homem estava doido; mas sua mulher assegurava
que ele apenas voltara sentimental. O astronauta
lacrimoso sentia o peito tangido de amor total
ao ver as filhas brincando de passar anel
e de melancolia ao deparar com antigas fotos
de Klushino, não aquela dos livros, estufada
de pendões e medalhas, mas sua aldeia menina,
dos carpinteiros, das luas e lobisomens,
de seu tio Pavel, de sua mãe, do trem,
de seus primos, coisas assim, luvas velhas,
furadas, que servem somente para chorar.
Era constrangedor o modo como os olhos
de Yuri pareciam transpassarar parede,
nas reuniões de trabalho, nas solenidades,
nas discussões das metas para o próximo ano
e no instante seguinte podiam se encher de água
e os dentes ficavam quase azuis de um sorriso
inexplicável; um velho general, ironicamente
ou não, afirmara em relatório oficial que Yuri
Gagarin vinha sofrendo de uma ternura
devastadora; sabe se lá o que isso significava,
mas parecia que era exatamante isso, porque
o herói não voltou místico ou religioso, ficou
doce, e podia dizer eu amo você com a facilidade
de um pequeno-burguês, conforme sentença
do Partido a portas fechadas. Certo dia, contam,
caiu aos pés de Octavio Paz; descuidado tropeçara
de paixão pelas telas cubistas degeneradas de Picasso.
Médicos recomendaram vodka, férias, Marx,
barbitúricos; o pobre-diabo fez de tudo
para ser igual a todo mundo; mas,
quando aparecia apenas banal, logo dizia coisas
como a leveza é leve. Desde o início,
quiseram calá-lo; uma pena; Yuri voltou vivo
e não nos contou como é a morte.
Assinar:
Postagens (Atom)
Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector
Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...
-
Tem de haver mais Agora o verão se foi E poderia nunca ter vindo. No sol está quente. Mas tem de haver mais. Tudo aconteceu, Tu...
-
A ilha da Madeira foi descoberta no séc. XV e julga-se que os bordados começaram desde logo a ser produzidos pel...