Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
11 de nov. de 2017
10 de nov. de 2017
Parábola :: Wislawa Szymborska ( 1923 - 2012 )
Ivan Aivazovsky
Os Pescadores tiraram uma garrafa das profundezas.
Havia nela um papel que continha as seguintes palavras:
"Acudam! Estou aqui. O oceano atirou-me para uma ilha deserta. Estou junto à água à espera de ajuda. Depressa. Estou aqui!"
- Não traz data. Por certo já é tarde. A garrafa poderia ter andado à deriva por muito tempo - disse o primeiro pescador.
- E não indicou o lugar. O oceano, pode ser um qualquer - disse o segundo pescador.
- Não é por ser tarde nem longe. A ilha Aqui pode estar em qualquer parte - disse o terceiro pescador.
Sentiram embaraço, fez-se silêncio. Com as verdades universais, é sempre assim.
9 de nov. de 2017
Amor e Seu Tempo :: Carlos Drummond de Andrade
Amor é privilégio de maduros
Estendidos na mais estreita cama,
Que se torna a mais larga e mais relvosa,
Roçando, em cada poro, o céu do corpo.
É isto, amor: o ganho não previsto,
O prêmio subterrâneo e coruscante,
Leitura de relâmpago cifrado,
Que, decifrado, nada mais existe
Valendo a pena e o preço do terrestre,
Salvo o minuto de ouro no relógio
Minúsculo, vibrando no crepúsculo.
Amor é o que se aprende no limite,
Depois de se arquivar toda a ciência
Herdada, ouvida. amor começa tarde.
8 de nov. de 2017
7 de nov. de 2017
Bilhete a Bishop: André Ricardo Aguiar
Tudo soa como perda,
a mesa, esse poema,
uma cachaça,
um continente,
o alarido abstraio
dos quintais,
pétalas do calendário,
o amor
(esse outdoor silencioso)
runas e ruínas
o tempo cronometrado
do metro,
as segundas exiladas,
os domingos
em ponto morto,
tudo soa e ressoa
melancolicamente
pequena luz
para insetos:
a perda,
maçã sabendo
a paraíso perdido.
6 de nov. de 2017
2 de nov. de 2017
O LADO FATAL :: Lya Luft
Amado meu, que tanto ensinaste
de mim a mim mesma, e do mundo
a quem o conhecia pouco:
quando se desfizer escura a noite desta perda,
quero enxergar pelos teus olhos,
amar através do teu amor
as coisas que me restaram.
Amado meu, vivo em mim para sempre,
apesar da ruga a mais
e do olhar mais triste,
devo-te isto:
voltar a amar a vida
como agora amas, inteiramente,
a tua morte.
1 de nov. de 2017
Horário do Fim :: Mia Couto
Vasily Vereshchagin
morre-se nada
quando chega a vez
é só um solavanco
na estrada por onde já não vamos
morre-se tudo
quando não é o justo momento
e não é nunca
esse momento
Raiz de Orvalho e Outros Poemas. Caminho, 2014
31 de out. de 2017
Saci Matuta Perê:: Adriana Frias
Ele nasce no meio do bambuzal e fica por lá 7 anos. Depois viaja nos redemoinhos de vento, que ele faz ao girar em torno de si mesmo, e vive mais 77 anos. É travesso, arteiro e de um humor delicioso, cuida da mata e ama as estrelas. Adora esconder coisas, como os dedais das costureiras, e de fazer o feijão queimar (em minha casa ele costuma esconder as chaves). Fuma cachimbo e solta a fumaça pelos olhos. Gosta de assoviar e consegue ficar invisível. Depois de viver como Saci esse moleque encantador vira cogumelo orelha de pau. Hoje também é seu dia. Viva o Matuta, Viva Matimpererê . Viva
Cabecinhas brancas flutuantes :: Ruth Manus
Eu poderia facilmente listar centenas de coisas que me encantam na paisagem portuguesa. Poderia falar do céu azul quase invencível que se transforma diariamente em pôr do sol laranja, rosa, amarelo e lilás num ato que beira o desrespeito com os céus banais do resto do mundo. Poderia falar dos terrenos acidentados do Douro que abdicaram do aspecto de barranco aflitivo para se tornarem românticos, curiosos e convidativos. Ou poderia mencionar as desinibidas roupas coloridas penduradas nos varais das janelas, incluindo soutiens e calcinhas que balançam com o vento e panos de prato cansados que não se envergonham das manchas do tempo.
Poderia me lembrar da cara iluminada da minha amiga que, vinda de Paris para Lisboa, disse “parece que saí de uma televisão em preto e branco e cheguei a uma televisão em cores”. Ou do dia em que me sentei no alto do parque Eduardo VII e não fiz nada, absolutamente nada que não fosse simplesmente olhar para a cidade durante mais de 40 minutos, sem nem perceber que o vento gelado que entrava no meio dos meus cabelos causaria estragos bastante razoáveis na sequência. Poderia falar das flores roxas que despencam das janelas no princípio da primavera, contrastando com o céu azul como se estivessem num duelo de cores vibrantes.
Poderia falar das estradas do Alentejo que parecem um quadro interminável com suas árvores solitárias, seu sol baixo e seus terrenos calmos. Poderia falar daquele certo ângulo exato pelo qual se vê a basílica pelo meio das árvores do Jardim da Estrela, que é capaz de interromper a corrida do atleta mais disciplinado. Ou da vista da janela da casa da minha sogra, com direito ao Tejo calmo, ao movimento da ponte Vasco da Gama e às pessoas que passeiam rindo nas suas bicicletas. Poderia falar do sorriso contido das avós orgulhosas que passeiam com seus netos nos carrinhos pelas ruas planas e raras de Campo de Ourique.
Poderia fechar os olhos e me lembrar de intermináveis cenas bonitas. Mas não foi muito difícil eleger minha visão favorita em terras portuguesas. São elas. As misteriosas cabecinhas brancas flutuantes. A primeira vez que vi, confesso que me assustei. Na segunda, parei para olhar, intrigada. Na terceira, eu já achava curioso. Na quarta, eu comecei a ficar maravilhada.
Quando caminhamos por dentro dos bairros portugueses, seja nas aldeias pequeninas, nas vilas – maiores, porém ainda pequenas – ou nessa pequena-grande metrópole chamada Lisboa, lá estão elas. Velhinhas, vestidas com tecidos pretos diametralmente opostos à cor de seus cabelos. Lá estão elas, durante muitas horas dos seus dias longos, olhando pela janela, como se tivessem se tornado meras espectadoras da vida.
Não me canso de contemplar essa imagem. Parecem dezenas de pinturas verdadeiras espalhadas pelas ruas das cidades. As casas, escuras como as roupas, fazem com que a única coisa visível seja cada uma das cabeças brancas, que parecem flutuar naquele ambiente melancólico em que tudo é preto, exceto elas. Mas a melancolia começa a ser afastada por uma certa autoridade daqueles olhares que dizem “sei que já não sou protagonista, mas também sei que sou onisciente. Sei de tudo, vejo tudo, já vi de tudo”.
Trata-se de um improvável ponto de encontro entre alguma tristeza, alguma sabedoria, alguma obscuridade e muita calma. A solidão daquelas figuras, as histórias marcadas nas rugas daqueles rostos – às vezes serenos –, o breu daquelas casas invisíveis, a sensação de que o tempo passou rápido demais e depois simplesmente ficou estagnado naquelas tardes de terça-feira. É das coisas mais bonitas que já vi. Capaz de ofuscar o pôr do sol laranja, as vinhas do Douro, a cúpula da basílica, as árvores alentejanas ou as flores roxas despencadas.
O Estado de S.Paulo. 22 Outubro 2017
Poderia me lembrar da cara iluminada da minha amiga que, vinda de Paris para Lisboa, disse “parece que saí de uma televisão em preto e branco e cheguei a uma televisão em cores”. Ou do dia em que me sentei no alto do parque Eduardo VII e não fiz nada, absolutamente nada que não fosse simplesmente olhar para a cidade durante mais de 40 minutos, sem nem perceber que o vento gelado que entrava no meio dos meus cabelos causaria estragos bastante razoáveis na sequência. Poderia falar das flores roxas que despencam das janelas no princípio da primavera, contrastando com o céu azul como se estivessem num duelo de cores vibrantes.
Poderia falar das estradas do Alentejo que parecem um quadro interminável com suas árvores solitárias, seu sol baixo e seus terrenos calmos. Poderia falar daquele certo ângulo exato pelo qual se vê a basílica pelo meio das árvores do Jardim da Estrela, que é capaz de interromper a corrida do atleta mais disciplinado. Ou da vista da janela da casa da minha sogra, com direito ao Tejo calmo, ao movimento da ponte Vasco da Gama e às pessoas que passeiam rindo nas suas bicicletas. Poderia falar do sorriso contido das avós orgulhosas que passeiam com seus netos nos carrinhos pelas ruas planas e raras de Campo de Ourique.
Poderia fechar os olhos e me lembrar de intermináveis cenas bonitas. Mas não foi muito difícil eleger minha visão favorita em terras portuguesas. São elas. As misteriosas cabecinhas brancas flutuantes. A primeira vez que vi, confesso que me assustei. Na segunda, parei para olhar, intrigada. Na terceira, eu já achava curioso. Na quarta, eu comecei a ficar maravilhada.
Quando caminhamos por dentro dos bairros portugueses, seja nas aldeias pequeninas, nas vilas – maiores, porém ainda pequenas – ou nessa pequena-grande metrópole chamada Lisboa, lá estão elas. Velhinhas, vestidas com tecidos pretos diametralmente opostos à cor de seus cabelos. Lá estão elas, durante muitas horas dos seus dias longos, olhando pela janela, como se tivessem se tornado meras espectadoras da vida.
Não me canso de contemplar essa imagem. Parecem dezenas de pinturas verdadeiras espalhadas pelas ruas das cidades. As casas, escuras como as roupas, fazem com que a única coisa visível seja cada uma das cabeças brancas, que parecem flutuar naquele ambiente melancólico em que tudo é preto, exceto elas. Mas a melancolia começa a ser afastada por uma certa autoridade daqueles olhares que dizem “sei que já não sou protagonista, mas também sei que sou onisciente. Sei de tudo, vejo tudo, já vi de tudo”.
Trata-se de um improvável ponto de encontro entre alguma tristeza, alguma sabedoria, alguma obscuridade e muita calma. A solidão daquelas figuras, as histórias marcadas nas rugas daqueles rostos – às vezes serenos –, o breu daquelas casas invisíveis, a sensação de que o tempo passou rápido demais e depois simplesmente ficou estagnado naquelas tardes de terça-feira. É das coisas mais bonitas que já vi. Capaz de ofuscar o pôr do sol laranja, as vinhas do Douro, a cúpula da basílica, as árvores alentejanas ou as flores roxas despencadas.
O Estado de S.Paulo. 22 Outubro 2017
30 de out. de 2017
Grandeza mortal :: Clarice Lispector
Odilon Redon
(...) a dura luta
que diariamente se enceta contra a grandeza, nossa grandeza
mortal; representando a luta que diariamente com coragem
se enceta contra a nossa bondade, porque a bondade real é
uma violência; representando a luta diária que encetamos
contra a nossa própria liberdade, que é grande demais e que,
com minucioso esforço, diminuímos; nós, que somos tão
objetivos que terminamos sendo de nós mesmos apenas
aquilo que tem uso; com aplicação, fazemos de nós o homem
que um outro homem possa reconhecer e usar; e por
discrição, ignoramos a ferocidade de nosso amor; e por
delicadeza, passamos ao largo do santo e do criminoso; e
quando alguém fala em bondade e sofrimento, abaixamos
olhos ignorantes, sem dizer uma palavra em nosso favor;
aplicamo-nos em dar de nós o que não espante, e quando se
fala em heroísmo não entendemos.
Lispector, Clarice. A maçã no escuro. 1973.
29 de out. de 2017
CANTO FÚNEBRE SEM MÚSICA :: Edna St. Vincent Millay (1892-1950
Não me conformo em ver baixarem à terra dura os corações amorosos,
É assim, assim há de ser, pois assim tem sido desde tempos imemoriais:
Partem para a treva os sábios e os encantadores. Coroados
de louros e de lírios, partem; porém não me conformo com isso.
Amantes, pensadores, misturados com a terra!
Unificados com a triste, indistinta poeira.
Um fragmento do que sentíeis, do que sabíeis,
uma fórmula, uma frase resta — porém o melhor se perdeu.
As réplicas vivas, rápidas, o olhar sincero, o riso, o amor
foram-se embora. Foram-se para alimento das rosas. Elegante, ondulosa
é a flor. Perfumada é a flor. Eu sei. Porém não estou de acordo.
Mais preciosa era a luz em vossos olhos do que todas as rosas do mundo.
Vão baixando, baixando, baixando à escuridão do túmulo
suavemente, os belos, os carinhosos, os bons.
Tranquilamente baixam os espirituosos, os engraçados, os valorosos.
Eu sei. Porém não estou de acordo. E não me conformo.
Tradução: Carlos Drummond de Andrade
É assim, assim há de ser, pois assim tem sido desde tempos imemoriais:
Partem para a treva os sábios e os encantadores. Coroados
de louros e de lírios, partem; porém não me conformo com isso.
Amantes, pensadores, misturados com a terra!
Unificados com a triste, indistinta poeira.
Um fragmento do que sentíeis, do que sabíeis,
uma fórmula, uma frase resta — porém o melhor se perdeu.
As réplicas vivas, rápidas, o olhar sincero, o riso, o amor
foram-se embora. Foram-se para alimento das rosas. Elegante, ondulosa
é a flor. Perfumada é a flor. Eu sei. Porém não estou de acordo.
Mais preciosa era a luz em vossos olhos do que todas as rosas do mundo.
Vão baixando, baixando, baixando à escuridão do túmulo
suavemente, os belos, os carinhosos, os bons.
Tranquilamente baixam os espirituosos, os engraçados, os valorosos.
Eu sei. Porém não estou de acordo. E não me conformo.
Tradução: Carlos Drummond de Andrade
27 de out. de 2017
Não Tenho Medo da Morte :: Gilberto Gil
não tenho medo da morte
mas sim medo de morrer
qual seria a diferença você há de perguntar
é que a morte já é depois que eu deixar de respirar
morrer ainda é aqui na vida, no sol, no ar
ainda pode haver dor ou vontade de mijar
a morte já é depois
já não haverá ninguém como eu aqui agora
pensando sobre o além
já não haverá o além
o além já será então
não terei pé nem cabeça nem figado, nem pulmão
como poderei ter medo
se não terei coração?
não tenho medo da morte
mas medo de morrer, sim
a morte é depois de mim
mas quem vai morrer sou eu
o derradeiro ato meu
e eu terei de estar presente
assim como um presidente
dando posse ao sucessor
terei que morrer vivendo
sabendo que já me vou
então nesse instante sim
sofrerei quem sabe um choque
um piripaque, ou um baque
um calafrio ou um toque
coisas naturais da vida
como comer, caminhar
morrer de morte matada
morrer de morte morrida
quem sabe eu sinta saudade
como em qualquer despedida.
26 de out. de 2017
Amanuense
Meister des Maréchal de Boucicaut
Vulgarmente, considera-se amanuense o escriturário duma repartição pública ou estatal, que manualmente registra, processa documentos ou procedimentos judiciais ou extrajudiciais ou os copia, mesmo utilizando-se de meios informatizados para a realização desses atos.
No Antigo Egito os copistas utilizavam como suporte para a sua escrita o papiro.
No Império Romano chamava-se amanuense (amanuensis) ao escravo que era utilizado como secretário do seu senhor ou proprietário. Começa-se a utilizar o pergaminho como suporte da escrita.
Na Idade Média muitos monges dedicaram-se a copiar livros. Eram os chamados monges copistas que também se distinguiram na iconografia.
O pergaminho é substituído pelo papel.
No Poder Judiciário, escrevente é o funcionário que cuida do andamento dos processos, juntando petições, digitando expediente (como mandados, ofícios, cartas, intimações )
Amanuenses célebres
Houve várias personalidades importantes que, em algum momento da sua vida, desempenharam as funções de amanuense, como por exemplo:
Charles Dickens – romancista inglês
Orestes Barbosa – jornalista brasileiro
Evangelista Torricelli – físico e matemático italiano
Lima Barreto - jornalista e escritor brasileiro
Luís Gama - poeta, escritor, revolucionário e abolicionista afro-brasileiro
fonte: Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.
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