Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
14 de fev. de 2019
11 de fev. de 2019
Armário :: Luiz Fernando Verissimo.
Eu queria senhora
ser o seu armário
e guardar os seus tesouros
como um corsário
Que coisa louca:
ser seu guarda-roupa!
Alguma coisa sólida
circunspecta e pesada
nessa sua vida estabanada.
Um amigo de lei
(de que madeira eu não sei).
Um sentinela do seu leito
— com todo o respeito.
Ah, ter gavetinhas
para suas argolinhas.
Ter um vão
para seu camisolão
e sentir o seu cheiro, senhora
o dia inteiro.
Meus nichos
como bichos
engoliriam suas meias-calças,
seus soutiens sem alças,
e tirariam nacos
dos seus casacos,
E no meu chão,
como trufas,
as suas pantufas…
Seus echarpes, seus jeans,
seus longos e afins.
Seus trastes
e contrastes.
Aquele vestido com asa
e aquele de andar em casa.
Um turbante antigo.
Um pulôver amigo.
Bonecas de pano.
Um brinco cigano.
Um chapéu de aba larga.
Um isqueiro sem carga.
Suéteres de lã
e um estranho astracã.
Ah, vê-la se vendo
no meu espelho, correndo.
Puxando, sem dores,
os meus puxadores.
Mexendo com o meu interior
- à procura de um pregador.
Desarrumando meu ser
por um prêt-à-porter…
Ser o seu segredo,
senhora,
e o seu medo.
E sufocar
com agravantes
todos os seus amantes.
ser o seu armário
e guardar os seus tesouros
como um corsário
Que coisa louca:
ser seu guarda-roupa!
Alguma coisa sólida
circunspecta e pesada
nessa sua vida estabanada.
Um amigo de lei
(de que madeira eu não sei).
Um sentinela do seu leito
— com todo o respeito.
Ah, ter gavetinhas
para suas argolinhas.
Ter um vão
para seu camisolão
e sentir o seu cheiro, senhora
o dia inteiro.
Meus nichos
como bichos
engoliriam suas meias-calças,
seus soutiens sem alças,
e tirariam nacos
dos seus casacos,
E no meu chão,
como trufas,
as suas pantufas…
Seus echarpes, seus jeans,
seus longos e afins.
Seus trastes
e contrastes.
Aquele vestido com asa
e aquele de andar em casa.
Um turbante antigo.
Um pulôver amigo.
Bonecas de pano.
Um brinco cigano.
Um chapéu de aba larga.
Um isqueiro sem carga.
Suéteres de lã
e um estranho astracã.
Ah, vê-la se vendo
no meu espelho, correndo.
Puxando, sem dores,
os meus puxadores.
Mexendo com o meu interior
- à procura de um pregador.
Desarrumando meu ser
por um prêt-à-porter…
Ser o seu segredo,
senhora,
e o seu medo.
E sufocar
com agravantes
todos os seus amantes.
10 de fev. de 2019
Minas há :: Carlos Drummond de Andrade
(...)Minas há e – acrescento – haverá sempre, se soubermos preservar certas marcas imunes à industrialização e ao cosmopolitismo, e conviventes com eles. A gente carrega Minas no sangue, por onde quer que vá… O meu “José” deve uma explicação: foi escrito em momento de crise existencial, quando eu queria fugir de tudo e de todos, e não voltar fisicamente para Minas, por motivos muito especiais. Então, Minas “não havia mais” para mim. Mas o próprio “José”, no final, procura libertar-se do desespero, marchando não sabe para onde – para Minas reencontrada no íntimo – é a explicação que me dou. Não sei se é boa. É a que eu encontro, tantos anos depois desses versos amargos.
Arquivo Francisco Iglésias/ Acervo IMS. Esta carta foi publicada no número 11 ½ da revista serrote, edição especial para a FLIP 2012.
Arquivo Francisco Iglésias/ Acervo IMS. Esta carta foi publicada no número 11 ½ da revista serrote, edição especial para a FLIP 2012.
8 de fev. de 2019
O céu sobre Berlim (Der Himmel uber Berlin) :: Ines Lourenço
No filme de Wenders, com
versos de Handke, os anjos fingem
estar fartos de um tempo infinito. Sonham com os pequenos tempos de sentar-se à mesa
a jogar cartas. Ser cumprimentado na
rua, nem que seja com um aceno. Ter
febre. Ficar com os dedos sujos de ler o jornal. Entusiasmar-me com uma refeição ou com a curva de uma nuca. Mentir
com habilidade. ao andar
sentir a ossatura mexer-se a cada passo. Supor, em vez de saber
sempre tudo.
Cá em baixo, os humanos não suspeitam da beleza
do peso, que os segura à terra e fingem
o futuro em cada minuto, para
deixar de dizer agora, agora, agora...
Inês Lourenço, "A Enganadora Respiração da Manhã.
versos de Handke, os anjos fingem
estar fartos de um tempo infinito. Sonham com os pequenos tempos de sentar-se à mesa
a jogar cartas. Ser cumprimentado na
rua, nem que seja com um aceno. Ter
febre. Ficar com os dedos sujos de ler o jornal. Entusiasmar-me com uma refeição ou com a curva de uma nuca. Mentir
com habilidade. ao andar
sentir a ossatura mexer-se a cada passo. Supor, em vez de saber
sempre tudo.
Cá em baixo, os humanos não suspeitam da beleza
do peso, que os segura à terra e fingem
o futuro em cada minuto, para
deixar de dizer agora, agora, agora...
Inês Lourenço, "A Enganadora Respiração da Manhã.
5 de fev. de 2019
4 de fev. de 2019
2 de fev. de 2019
João Cabral de Melo Neto: Catar feijão
Catar feijão se limita com escrever:
jogam-se os grãos na água do alguidare as palavras na da folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.
Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a com risco.
MELO NETO, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar.
Assinar:
Postagens (Atom)
Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector
Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...
-
Tem de haver mais Agora o verão se foi E poderia nunca ter vindo. No sol está quente. Mas tem de haver mais. Tudo aconteceu, Tu...
-
A ilha da Madeira foi descoberta no séc. XV e julga-se que os bordados começaram desde logo a ser produzidos pel...