12 de set. de 2022

AUSÊNCIA :: MARÍA EUGENIA RAMOS (Tegucigalpa, Honduras, 26 de noviembre de 1959)

Alguém se foi

e deixou todos os cadernos

abertos na página 21,

servidos  o café

e o feijão

na mesa,

quente

a casa por fazer,

o cão

esperando a comida,

uma hora marcada para o amor

colocada a secar na janela

e os vazios do guarda-roupa

o odor dos sonhos.

.................

Alguien se fue

y dejó todos los cuadernos

abiertos en la ágina 21,

servidos el café

y los frijoles

en la mesa,

caliente

la cama sin hacer,

el perro

esperando su comida,

una cita de amor

puesta a secar en la ventana

y en los vacíos del ropero

el olor de los sueños.

 Tradução de Antonio Miranda


5 de set. de 2022

Eucanaã Ferraz, "Acontecido"


Mary Jane Glauber

Como quem se banhasse
no mesmo rio
de águas repetidas,
outra vez era setembro
e o amor tão novo.
Iguais, teu hálito mascavo
e minha mão inquieta.
Novamente o quarto,
a praça vista da janela,
teu peito.
Depois eu era só – vê -
sob a chuva miúda daquele dia.

1 de set. de 2022

Pobres, verdadeiramente pobres :: Eduardo Galeano (1940-2015)

Pobres, verdadeiramente pobres, são os 

que não têm tempo para perder tempo

Pobres, verdadeiramente pobres, são os que não têm silêncio e nem podem comprá-lo.

Pobres, verdadeiramente pobres, são os que têm pernas que se esqueceram de andar, como as asas das galinhas, que se esqueceram de voar.

Pobres, verdadeiramente pobres, são os que comem lixo e pagam por ele como se fosse comida.

Pobres, verdadeiramente pobres, são os que têm o direito de respirar merda, como se fosse ar, sem pagar nada por ela.

Pobres, verdadeiramente pobres, são os que não têm liberdade senão para escolher entre um e outro canal de televisão.

Pobres, verdadeiramente pobres, são os que vivem dramas passionais com as máquinas.

Pobres, verdadeiramente pobres, são os que sempre são muitos e sempre estão sós.

Pobres, verdadeiramente pobres, são os que não sabem que são pobres.

De pernas pro ar.  tradução Sergio Faraco. L&PM, 1998.


30 de ago. de 2022

Coleus (Plectranthus)

 

























Coleus é presentemente considerado um sinónimo taxonómico de Plectranthus.

O termo "coleus" (ou "cóleus") é frequentemente utilizado como um nome comum para algumas das espécies anteriormente integradas no extinto género Coleus que são cultivadas e comercializadas como plantas ornamentais.

A lista que se segue apresenta a equivalência entre os nomes científicos tradicionalmente utilizados e a corrente estruturação do género Plectranthus:

Coleus blumei = Coleus scutellarioides = Plectranthus scutellarioides = Solenostemon scutellarioides

Coleus amboinicus = Plectranthus amboinicus

Coleus barbatus = Plectranthus barbatus

Coleus caninus = Plectranthus caninus

Coleus edulis = Plectranthus edulis

Coleus esculentus = Plectranthus esculentus

Coleus forskohlii = Plectranthus barbatus

Coleus rotundifolius = Plectranthus rotundifolius

29 de ago. de 2022

Combate :: CLEMENTINA SUÁREZ (Honduras 1906-1991)

Eu sou um poeta,

um exército de poetas.

E hoje quero escrever um poema,

um poema de apitos

um poema fuzis.

Para pregá-los nas portas,

nas selas das prisões

nos muros das escolas.

Hoje quero construir e destruir,

erigir andaimes de esperança.

Despertar a criança

arcanjo das espadas,

ser relâmpago, trovão,

com estatura de herói

para abater, arrasar,

as podres raízes de minha cidade.

............

Yo soy un poeta,
un ejército de poetas.
Y hoy quiero escribir un poema,
un poema de silbatos
un poema fusiles.
Para pegarlos en las puertas,
en la celda de las prisiones
en los muros de las escuelas.
Hoy quiero construir y destruir,
levantar en andamios la esperanza.
Despertar al niño
arcángel de las espadas,
ser relámpago, trueno,
con estatura de héroe
para talar, arrasar,
las podridas raíces de mi pueblo

16 de ago. de 2022

Amigos


Depois da perda da saúde, a face mais dura do envelhecimento é conviver com o desaparecimento dos personagens que construíram nossa história. Não importa quantos amigos íntimos tenhamos, cada um deles é insubstituível, os que ficam não preenchem o vazio deixado pelo que se ausentou. Alguém já comparou essa situação à de uma floresta em que cada árvore que desaba abre uma clareira. Você poderá dizer que nela nascerão outras. É verdade, mas levarão tempo para crescer; até se tornarem frondosas e acolhedoras, talvez não estejamos mais aqui. DRAUZIO VARELLA
Fonte: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq1308201132.htm

14 de ago. de 2022

As Mortes Sucessivas :: Adélia Prado

Quando minha irmã morreu eu chorei muito
e me consolei depressa. Tinha um vestido novo
e moitas no quintal onde eu ia existir.
Quando minha mãe morreu
Me consolei mais lento.
Tinha uma perturbação recém-achada:
meus seios conformavam dois montículos
e eu fiquei muito nua,
cruzando os braços sobre eles é que eu chorava.
Quando meu pai morreu
Nunca mais me consolei.
Busquei retratos antigos, procurei conhecidos,
parentes, que me lembrassem sua fala,
seu modo de apertar os lábios e ter certeza.
Reproduzi o encolhido do seu corpo
em seu último sono e repeti as palavras
que ele disse quando toquei seus pés:
´deixa, tá bom assim´.
Quem me consolará desta lembrança?
Meus seios se cumpriram
e as moitas onde existo
são pura sarça ardente de memória.

8 de ago. de 2022

Borboletas:: Manoel de Barros




MAX ERNST GERMAN, 1891-1976

Borboletas me convidaram a elas.
O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu. Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens e das coisas. Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta seria, com certeza, um mundo livre aos poemas. Daquele ponto de vista: Vi que as árvores são mais competentes em auroras do que os homens. Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças do que pelos homens. Vi que as águas têm mais qualidade para a paz do que os homens. Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que os cientistas. Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do ponto de vista de uma borboleta. Ali até o meu fascínio era azul.

1 de ago. de 2022

A curva dos teus olhos : Paul Eluard

A curva dos teus olhos dá a volta ao meu peito 

É uma dança de roda e de doçura. 

Berço noturno e auréola do tempo, 

Se já não sei tudo o que vivi 

É que os teus olhos não me viram sempre. 


Folhas do dia e musgos do orvalho, 

Hastes de brisas, sorrisos de perfume, 

Asas de luz cobrindo o mundo inteiro, 

Barcos de céu e barcos do mar, 

Caçadores dos sons e nascentes das cores. 


Perfume esparso de um manancial de auroras  

Abandonado sobre a palha dos astros, 

Como o dia depende da inocência 

O mundo inteiro depende dos teus olhos 

E todo o meu sangue corre no teu olhar.


Capitale de la douleur. 1926

KAVÁFIS, Konstantinos :: Longe


Mahdi Zavvar

Quisera referir essa lembrança...

Mas já se apagou tanto... visto que nada se mantém --

pois longe, nos primeiros anos de minha adolescência, ela jaz.


Uma pele como feita de jasmim...

Aquela noite de agosto -- era agosto? -- aquela noite...

Mal me lembro agora dos olhos -- eram, creio, azuis...

Ah! sim, azuis: um azul de safira.

..........................

Μακρυά

Θάθελα αυτήν την μνήμη να την πω...

Μα έτσι εσβύσθη πια... σαν τίποτε δεν απομένει —

γιατί μακρυά, στα πρώτα εφηβικά μου χρόνια κείται.


Δέρμα σαν καμωμένο από ιασεμί...

Εκείνη του Aυγούστου — Aύγουστος ήταν; — η βραδυά...

Μόλις θυμούμαι πια τα μάτια• ήσαν, θαρρώ, μαβιά...

A ναι, μαβιά• ένα σαπφείρινο μαβί.


Poemas de K. Kaváfis. Tradução, estudo e notas de Ísis Borges da Fonseca. São Paulo: Odysseus, 2006.

27 de jun. de 2022

Passeio pelas estantes da biblioteca :: Jostein Gaarder e Klaus Hagerup

Passeio pelas estantes da biblioteca. Os livros me dão as costas. Não para me rejeitar, como as pessoas: são convidativos, querendo apresentar-se a mim. Metros e mais metros de livros que nunca poderei ler. E sei: o que aqui se oferece é a vida, são complementos à minha própria vida que esperam ser postos em uso. Mas os dias passam rápido e deixam para trás as possibilidades. Um único desses livros talvez bastasse para mudar completamente a minha vida. Quem sou eu agora? Quem eu seria então?


In: A biblioteca mágica de Bibbi Bokken.

 

20 de jun. de 2022

VIVIANE NATHAN (Montevideo - Uruguai 1953

Confesso não ter a capacidade

que exigem todas as absurdas circunstâncias.

Peço desculpas pelas cem lerdezas diárias,

pelos erros grandes e pequenos,

pela bela bobagem,

pela lúcida vontade

de minha vergonha.

Sou aldeia pequena, de espaços diminutos,

selvas e planícies adornadas

com flores que estremecem silenciosas.

Sou a doce resposta da pergunta que não nasce.

 Tradução: Antonio Miranda 

....................


Pienso no tener equipaje

que exigen todas las absurdas circunstancias.

Me excuso por las cien  torpezas diarias,

por los errores grandes y chiquitos,

por la bella tontería,

por la cuerda voluntad

de mi verguenza.

Soy aldea pequena, de diminutos espacios,

selvas y llanuras adornadadas

con flores que tiemblan silenciosas.

Soy la dulce respuesta de la pregunta que no nace.

6 de jun. de 2022

DA FRUIÇÃO DO SILÊNCIO :: FRANCISCO RUI MONIZ BARRETO ((1935? – 1994 RUY NOGAR, pseudônimo )

Tratávamos o silêncio por tu

Dormíamos na mesma cela

Acordávamos do mesmo sono


Cada sílaba audível

Completamente nua

Feria dum segundo sentido


O palato hipertenso

Da fria cela dezenove


Farrapos de ambiguidade

Pendiam pelas arestas

Das mais afoitas vogais


Ninguém pressentia

No gume acorado

Da quase indiferença

Que o silêncio aparentava

O perfeito sincronismo

Das sílabas dispersas

Pelos tímpanos de cada um


Nada sabíamos de nós próprios

Além da angústia lacerante

Coagulando-nos um a um

Nos limites da expectativa


E no écram memorial

Milhões de imagens se degladiando


Era o silêncio devorando o silêncio

Era o silêncio copulando o silêncio

Era o silêncio assassinando o silêncio

Era silêncio ressuscitando o silêncio

o silêncio


Oh o silêncio

Maldito silêncio colonial

Fuzilando-nos um a um


Contra as paredes da solidão

o silêncio


Oh o silêncio

Maldito silêncio imperial

Sepultando-nos uma a um

Sob os escombros de Portugal.

MOÇAMBIQUE. ANTOLOGIA POÉTICA. Organizador: Rogério Andrade Barbosa.  Brasília:  Thesarus Editora, s.d. 


29 de mai. de 2022

Caderno dos mortos :: mar becker

 "os vivos morrem logo

são os mortos que morrem devagar


são os mortos que seguem morrendo depois que os velamos, que os enterramos


passam-se dias, e ainda encontramos os fios do seu cabelo espalhados pela casa


passam-se meses, e ainda vemos o livro

o marca-páginas guardando o fogo da última palavra lida


passam-se anos, e descobrimos na gaveta uma carta escrita do seu próprio punho e que nunca chegou a ser enviada


são lentos, os mortos

demoram-se nisto de nos revelarem em cadernos um amor que foi calado por toda uma vida


são lentos

como é lento o amor


como é lento reconhecer uma letra, que nos faz lembrar as mãos

como é lento imaginar as mãos, que nos fazem lembrar o pulso

como é lento pressentir o pulso, que nos atravessa

como sangue


em uma hora de hemorragia intensa os vivos perdem todo o sangue dos seus corpos


os mortos no entanto continuam sangrando


sangram por décadas, por gerações

sangram como mênstruo, pelos corpos das mulheres que habitam a casa

sangram no silêncio compartilhado entre mãe e filha

entre duas irmãs


e topamos com seu rosto renascido

em outros rostos


não só os da família, mas também daqueles que cruzam por nós na rua

e que não conhecemos


sempre acabamos encontrando nossos mortos por aí

eles acham jeito de voltar

de permanecer


eles acham jeito de surgir num sorriso

na cor que certos olhos assumem em tardes mais luminosas

num gesto breve

qualquer


os mortos, os mortos

tão vivos"


Fonte: A mulher submersa. Editora Urutau.

23 de mai. de 2022

Aforismo :: Carolina Noémia Abranches de Sousa Soares ( 20 Setembro 1926 (Catembe, Moçambique - 04 Dezembro 2002 Cascais, Portugal)

Claudia Interrante

Havia uma formiga

compartilhando comigo o isolamento

e comendo juntos.

Estávamos iguais

com duas diferenças:

Não  era interrogada

e por descuido podiam pisá-la.

Mas aos dois intencionalmente

podiam pôr-nos de rastos

mas não podiam

ajoelhar-nos.

L'Homme Révolté :: Hélio Pellegrino

Dana Carter 

Venho de um negro tempo irredutível,

anterior a mim.

Vou para um negro tempo desmedido,

infinito campo de ébano

onde me apagarei.

De uma escarpa a outra,

transfixado entre negro e negror,

danço —  centelha breve — o meu furor.

22 de mai. de 2022

ALTA GASTRONOMIA. E FUNDA :: Marcílio Godoi

Quer souflé, entrecôte, foie gras?


Não, obrigado.

Quero arroz soltinho com feijão cozido na folha de louro e farinha crocante, frita com cebola picadinha e o dente de alho esmurrado que a mãe colocava só para abrir as narinas da gente e avisar logo à casa inteira que o meio-dia chegara.


Quer petit fours, croissant, pain au chocolat?


Quero não, pode deixar.

Quero é pão de queijo mesmo, quentinho, com ou sem manteiga, mas com uma fatia de minas generosa, branquinha, no meio, crostando entre os molares enxaguados de café bem ralo e doce, como o que fazia minha mãe, no centro geométrico de todas as tardes de minha vida, mesmo muito depois que saí de casa.


Quer petit gateau, vol-au-vent, crème brûlée?


Não, agradecido.

Quero é doce de figo em calda dourada, o coração verde que minha mãe colocava em potes de vidro emergenciais sobre a tábua curva do armário. Quero adentrar o escuro desse armário cheio de quitandas e ouvir de novo as histórias de nossas mil e uma noites familiares, e sua astronômica simplicidade.


Sinto-me como um ingrediente de Deus quando experimento qualquer coisa que me recupere na memória esse alimento que fala-me a todos os sentidos. Sou feito dessa comida. Mal sabem os renomados chefs cuisiniers contemporâneos que há mais de cinco, seis décadas, minha mãe já havia inventado a cozinha molecular. Sim, uma culinária toda à base de um ingrediente atômico indivisível e incondicional muito conhecido, presente em todas as culturas desse mundo, o amor.


Quer visitar a Grande Muralha da China, Machu Picchu, o Taj Mahal?


Não, fica para uma outra vez.

Quero é ir para Minas, ver minha mãe enxugar apressada as mãos no avental antes de me receber na cozinha com o abraço cheirando a cravo. Quero me sentir outra vez o pequeno astronauta incrustado para sempre em suas nuvens de ambrosia.


"A divina Cozinha de dona Etelvina" 

16 de mai. de 2022

A vida é como a água :: Paulina Chiziane

Georgia O'Keeffe

A vida é como a água, nunca esquece o seu caminho. A água vai para o céu mas volta a cair na terra. Vai para o subterrâneo mas volta á superfície. A vida é um eterno ir e voltar. O corpo é apenas uma carcaça onde a alma constrói a sua morada...
O sétimo juramento. Maputo: Ndjira, 2009.

Uma imagem de prazer :: Clarice Lispector

     Conheço em mim uma imagem muito boa, e cada vez que eu quero eu a tenho, e cada vez que ela vem ela aparece toda. É a visão de uma flor...