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25 de out. de 2015

A uma passante :: Charles Baudelaire

Federico Zandomeneghi


A uma transeunte

A rua ensurdecedora em meu redor berrava
Alta, esguia, de luto carregado, dor majestosa,
Um mulher passou, com sua mão faustosa
Erguendo, baloiçando o ramo e a bainha

Ágil e nobre, com sua perna de estátua,
Eu bebia, crispado como extravagante,
No seu olhar, céu lívido onde nasce o furacão,
A doçura que fascina e o prazer que mata

Um raio… em seguida, a noite!  - Beleza fugitiva
Cujo olhar me fez repentinamente renascer,
Só voltarei a ver-te na eternidade?

Algures, bem longe daqui! Demasiado tarde! Nunca talvez!
Eu não sei para onde fugiste, tu não sabes para onde vou,
Tu que eu teria amado, tu que sabias que sim!

Tradução de Maria Gabriela Llansol

.........

A rua em derredor era um ruído incomum, 
longa, magra, de luto e na dor majestosa, 
Uma mulher passou e com a mão faustosa 
Erguendo, balançando o festão e o debrum;

Nobre e ágil, tendo a perna assim de estátua exata. 
Eu bebia perdido em minha crispação 
No seu olhar, céu que germina o furacão, 
A doçura que embala o frenesi que mata.

Um relâmpago e após a noite! — Aérea beldade, 
E cujo olhar me fez renascer de repente, 
Só te verei um dia e já na eternidade?

Bem longe, tarde, além, jamais provavelmente! 
Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais, 
Tu que eu teria amado — e o sabias demais! 

Tradução de  Paulo Menezes

........

A uma passante
A rua, em torno, era ensurdecedora vaia.

Toda de luto, alta e sutil, dor majestosa,
Uma mulher passou, com sua mão vaidosa
Erguendo e balançando a barra alva da saia;

Pernas de estátua, era fidalga, ágil e fina.

Eu bebia, como um basbaque extravagante,
No tempestuoso céu do seu olhar distante,
A doçura que encanta e o prazer que assassina.

Brilho… e a noite depois! – Fugitiva beldade

De um olhar que me fez nascer segunda vez,
Não mais te hei de rever senão na eternidade?

Longe daqui! tarde demais! “nunca” talvez!

Pois não sabes de mim, não sei que fim levaste,
Tu que eu teria amado, ó tu que o adivinhaste!

Tradução de Guilherme de Almeida

A uma Passante
A rua em derredor era um ruído incomum,

Longa, magra, de luto e na dor majestosa,
Uma mulher passou e com a mão faustosa
Erguendo, balançando o festão e o debrum;

Nobre e ágil, tendo a perna assim de estátua exata.

Eu bebia perdido em minha crispação
No seu olhar, céu que germina o furacão,
A doçura que se embala e o frenesi que mata.

Um relâmpago, e após a noite! – Aérea beldade,

E cujo olhar me fez renascer de repente,
Só te verei um dia e já na eternidade?

Bem longe, tarde, além, “jamais” provavelmente!

Não sabes aonde vou, eu não sei aonde vais,
Tu que eu teria amado – e o sabias demais!
Tradução de Jamil Haddad


À une passante (original)
La rue assourdissante autour de moi hurlait.

Longue, mince, en grand deuil, douleur majestueuse ,
Une femme passa, d’ une main fastueuse
Soulevant, balançant le feston et l’ourlet;

Agile et noble, avec sa jambe de stautue.

Moi, je buvais, crispé comme un extravagant,
Dans son oeil, ciel livide où germe l’ouragan,
La douceur qui fascine et le plaisir qui tue.

Un éclair…puis la nuit! – Fugitive beauté

Dont le regard m’a fait soudainement renaître,
Ne te verrai-je plus que dans l’eternité?

Ailleurs, bien loin d’ici! trop tard! “jamais” peut-être!

Car j’ignore où tu fuis, tu ne sais où je vais,
Ô toi que j’eusse aimée, ô toi qui le savais!

23 de mai. de 2015

O lugar que eu quis :: Juan Rulfo


“Lá achará minha querência. O lugar que eu quis. Onde os sonhos me enfraqueceram. Meu povoado, levantado sobre a planície. Cheio de árvores e de folhas, como um cofrinho onde guardamos nossas recordações. Sentirá que ali alguém quisesse viver pela eternidade. O amanhecer; a manhã; o meio-dia e a noite, sempre os mesmos; mas com a diferença do ar. Ali onde o ar muda a cor das coisas; onde se ventila a vida como se fosse um murmúrio; como se fosse um puro murmúrio da vida…”
In: Pedro Páramo. 

16 de fev. de 2015

O habitante:: Mia Couto

(ao meu pai)

Se partiste, não sei. 
Porque estás, 
tanto quanto sempre estiveste.

Essa tua, 
tão nossa, presença 
enche de sombra a casa 
como se criasse, 
dentro de nós, 
uma outra casa.

No silêncio distraído 
de uma varanda 
que foi o teu único castelo, 
ecoam ainda os teus passos
feitos não para caminhar
mas para acariciar o chão.

Nessa varanda te sentas 
nesse tão delicado modo de morrer 
como se nos estivesse ensinando 
um outro modo de viver.

Se o passo é tão celeste
a viagem não conta
senão pelo poema que nos veste.

Os lugares que buscaste
não têm geografia.

São vozes, são fontes,
rios sem vontade de mar,
tempo que escapa da eternidade.

Moras dentro, 
sem deus nem adeus.

fonte: Vagas e lumes. Editorial Caminho, 2014. 

15 de nov. de 2014

Que valem triunfos que não têm data :: Eça de Queirós

Konstantin Somov
«Que valem triunfos que não têm data?» Que valem, na verdade? É a certeza da data que imprime realidade às coisas que, sem essa certeza encarnadora, apenas passadas, se desfariam na diafaneidade e impalpabilidade do Tempo. Todo o nosso viver consiste num rolo de sonhos que se vão desprendendo de nós, fugindo para trás como o fumo de uma tocha que corre, depressa adelgaçados, logo esvaídos. São as datas que prendem, retêm esses sonhos: nelas ficam imóveis, em torno delas se condensam, por elas ganham forma e duração.
Foi entrevendo esta verdade que Bossuet, numa grande imagem, comparou os dias felizes de uma existência a pregos de ouro cravados numa parede escura. Esses pregos eram as datas, onde as venturas dessa existência, que já voavam, se iam dissipar na eternidade, ficaram presas, imóveis, resplandecendo como pontos de ouro.
 in 'Notas Contemporâneas'

26 de out. de 2014

Minas Geraes :: letra: Novelli e Ronaldo Bastos


Com o coração aberto em vento
Por toda a eternidade
Com o coração doendo
De tanta felicidade

Coração, coração, coração
Coração, coração...

Todas as canções inutilmente
Todas as canções eternamente
Jogos de criar sorte e azar

6 de jun. de 2014

Faça de Conta :: Isabel Machado

Oswaldo Guayasamin

Faça de conta 
que a vida é curta 
e o tempo não nos pertença 
para assim sorver cada minuto 
como último 
e cada sonho 
como eterno... 
Faça de conta 
que não há limites
entre espaços 
quando abraços - em costas 
são sentidos à léguas... 
Faça de conta 
que o desejo nunca morre 
não dá trégua 
não pede água 
e só não é eterno 
para viver mais 
em clima de paixão..

31 de mar. de 2014

A cotidianidade dá uma ilusão de perenidade :: Julián Marías,

Klimt 

A imaginação nunca se detém no hoje; a projeção é inevitável; o homem projeta e projeta e projeta, indefinidamente, e vai traçando trajetórias. A cotidianidade em nenhum caso é indefinida: mudam as coisas que compõem a circunstância, passam as idades, produz-se o envelhecimento, ao final encontra-se a morte, própria e alheia. Ao despertar, sobretudo se se faz à felicidade, se imagina e projeta, mas se percebe que não é possível continuar indefinidamente. A cotidianidade, e isso é fundamental, finge uma ilusão de eternidade: se o homem faz todos os dias as mesmas coisas, tem a impressão de que o poderá fazer sempre; não é verdade, e o sabe, mas a cotidianidade dá uma ilusão de perenidade, sem a qual a vida seria angustiante.
Fonte: A Felicidade Humana. Duas Cidades, pg. 361)

4 de mar. de 2014

Rosas amarelas :: Carlos Heitor Cony

Cada cidade tem, mais ou menos, o Carnaval que merece. No Paraná, o Carnaval é alegre. Em Recife e Olinda, predominam a tradição, a festa burilada pelas troças, os maracatus.
Mas meu assunto é o Rio: aqui nasci e vivo, aqui pretendo morrer. A pichação é livre: trata-se do pior Carnaval do mundo. Tirante a folia, que inundam as ruas e salões, o que sobrou foi tristeza e aflição de espírito.
Acontece que me canso de ser humano e já estou enjoado de alegria, tanto a espontânea, sadia e varonil pela glória do Brasil --como é a alegria baiana, quanto a industrializada, careta e debochada que explode no Rio. No fundo, dão na mesma.
Fui ao Jardim da Saudade, lá nos fins do Rio, onde o subúrbio acaba e começa o nada. Era aniversário da morte de minha mãe, e eu acordei pensando nela. Levei-lhe flores, "restos arrancados da terra", segundo o soneto machadiano, e me perdi pelas ruas do subúrbio que não mais conheço.
E vi um Carnaval que ainda perdura ao longo dos trilhos da Central e da Leopoldina: blocos de sujos, crianças fantasiadas --uma perseguição em cima de mim-- o folião simples que vai de nada mesmo, mas veste uma alegria que parece estar acabando para sempre em vários lugares.
O cemitério vazio --vazio de vivos, para ser exato. Eu era o solitário visitante que na manhã de Carnaval levou rosas amarelas para um pouco de terra marcada pela placa simples, de granito. Não pensei em nada, nem de rezar sou mais.
Carnavalesco a meu modo, senti uma bruta alegria de saber que as rosas amarelas ali ficariam, vivendo o espaço da manhã de todas as rosas. E que lá fora, no dia e na vida que me esperavam, nada importava além da verdade de ter pisado o chão, a terra única onde nossos mortos nos esperam, sem pressa, sem apelos, mas com o amor provado pela eternidade do nada.

26 de fev. de 2014

9 de mai. de 2013

A estrela - Ferreira Gullar


Gatinho, meu amigo,
fazes ideia do que seja uma estrela?

Dizem que todo este nosso imenso planeta
coberto de oceanos e montanhas
é menos que um grão de poeira
se comparado a uma delas

Estrelas são explosões nucleares em cadeia
numa sucessão que dura bilhões de anos

O mesmo que a eternidade

Não obstante, Gatinho, confesso
que pouco me importa
quanto dura uma estrela

Importa-me quanto duras tu,
querido amigo,
e esses teus olhos azul-safira
com que me fitas

10 de abr. de 2013

Vaguedades de ROSALÍA DE CASTRO


Magritte

Bem sei que non hai nada
Novo en baixo do ceo, 
Que antes outros pensaron 
As cousas que ora eu penso. 
E bem, ¿para que escribo? 
E bem, porque así semos, 
Relox que repetimos 
Eternamente o mesmo. 

Tal como as nubes 
Que impele o vento, 
I agora asombran, i agora alegran 
Os espazos inmensos do ceo, 

Así as ideas 
Loucas que eu teño, 
As imaxes de múltiples formas, 
De estranas feituras, de cores incertos, 
Agora asombran, 
Agora acraran 
O fondo sin fondo do meu pensamento. 

...................... 

VAGUEDADES

Bem sei que não há nada de 
Novo sob o céu, 
Que antes outros pensaram 
As cousas que ora eu penso. 
Bem, para que escrevo? 
Bem, porque somos assim: 
Relógios que repetem 
Eternamente o mesmo. 

Tal como as nuvens 
Que impele o vento, 
E ora assombram, e ora alegram 
Os espaços imensos do céu, 
Assim as idéias 
Loucas qu´eu tenho, 
As imagens de múltiplas formas, 
D´estranhas feituras, de cores incertas, 
Ora assombram, 
Ora aclaram 
O fundo sem fundo do meu pensamento. 

Tradução de Andityas Soares de Moura

ROSALÍA DE CASTRO (1837-1885)  Natural da Galícia, Espanha, nasceu na cidade de Santiago de Compostela. Sua poesia inspira-se na lírica popular trovadoresca e foi escrita em galego e em castelhano. Considerada a figura mais importante da poesia galega do século XIX, publicou os livros Cantares Gallegos (1863) e Folhas Novas (1880), ambos escritos em galego, e En las Orillas del Sar (1884), este considerado os primeiros versos modernos em língua castelhana.  Sua poesia será relida e valorizada pela geração de 1898: Antonio Machado, Miguel de Unamuino, Juan Ramón Jiménez e, mais tarde, Federico García Lorca.

23 de jun. de 2012

Horizontes de Eternidade de Ludwig Wittgenstein

fotografia: Heinrich Zille 
A morte não é um acontecimento da vida. A morte não pode ser vivida. Caso se compreenda por eternidade não uma duração temporal infinita, mas a intemporalidade, quem vive no presente é quem vive eternamente. A nossa vida é tanto mais sem fim quanto mais o nosso campo de visão não tem limites. 
in 'Tratado Lógico-Filosófico'

23 de mar. de 2012

Ao que é temporal chamar eterno de Octavio Paz



"[...] Amamos um ser mortal como se fosse imortal. Lope disse isso melhor: ao que é temporal chamar eterno. Sim, somos mortais, somos filhos do tempo e ninguém se salva da morte. Não só sabemos que vamos morrer como a pessoa que amamos também vai morrer. Somos os joguetes do tempo e de seus acidentes: a doença e a velhice, que desfiguram o corpo e extraviam a alma. Mas o amor é uma das respostas que o homem inventou para olhar de frente a morte. Pelo amor roubamos ao tempo que nos mata umas quantas horas que transformamos, às vezes em paraíso e outras em inferno. De ambas as formas o tempo se distende e deixa de ser uma medida. Mais além da felicidade ou infelicidade, embora seja as duas coisas, o amor é intensidade; não nos presenteia com a eternidade mas sim com a vivacidade, esse minuto no qual se entreabrem as portas do tempo e do espaço - aqui é mais além e agora é sempre. No amor tudo é dois e tudo tende a ser um."

Paz, Octavio. A dupla chama: amor e erotismo. São Paulo: Siciliano, 1994. p.117-8

30 de abr. de 2010

O admirável número pi

PI

O admirável número pi:
três vírgula um quatro um.
Todos os dígitos seguintes são apenas o começo,
cinco nove dois porque ele nunca termina.
Não se pode capturá-lo seis cinco três cinco com um olhar,
oito nove com o cálculo,
sete nove ou com a imaginação,
nem mesmo três dois três oito comparando-o de brincadeira
quatro seis com qualquer outra coisa
dois seis quatro três deste mundo.
A cobra mais comprida do planeta se estende por alguns metros e acaba.
Também são assim, embora mais longas, as serpentes das fábulas.
O cortejo de algarismos do número pi
alcança o final da página e não se detém.
Avança, percorre a mesa, o ar, marcha
sobre o muro, uma folha, um ninho de pássaro, nuvens, e chega ao céu,
até perder-se na insondável imensidão.
A cauda do cometa é minúscula como a de um rato!
Como é frágil um raio de estrela, que se curva em qualquer espaço!
E aqui dois três quinze trezentos dezenove
meu número de telefone o número de tua camisa
o ano mil novecentos e setenta e três sexto andar
o número de habitantes sessenta e cinco centavos
a medida da cintura dois dedos uma charada um código,
no qual voa e canta descuidado um sabiá!
Por favor, mantenham-se calmos, senhoras e senhores,
céus e terra passarão
mas não o número pi, nunca, jamais.
Ele continua com seu extraordinário cinco,
seu refinado oito,
seu nunca derradeiro sete,
empurrando, arf, sempre empurrando a preguiçosa
eternidade.
Wislawa Szymborska, poetisa polonesa
Tradução: Carlos Machado

15 de jan. de 2007

Não Sei Para Que Me Morreste Porque É Inútil :: João Bosco da Silva

Não sei para que me morreste porque é inútil

Não sei para que me morreste, mas também nunca percebi a morte, ou a vida, para quê uma se

A outra está para reduzir tudo a nada, nem cinzas, e os ossos anónimos não fosse o nome sobre

O qual as lágrimas dos que ficaram a ser menos e cada vez menos, não sei para que me morreste,

A égua já deve estranhar a tua ausência, porque hoje não é Domingo e tu de gravata, deitado, a estas

Horas, sem teres bebido gota de vinho e quero acreditar que por isso tão sossegado, não sei onde

Irei depois da festa do Verão amanhecer, agora que a carroça ficará de pernas para o ar e a madeira

Desistirá e cederá todos os anos que aguentou, ao caruncho e os melões ficarão a apodrecer, a vinha

Morrerá de sede do teu suor e o teu vinho não voltará a encher aquela caneca que parecia ir ficar

Pela eternidade fora em cima da lareira, do teu lado pelas noites frias fora, dos rigorosos Invernos

Da terra esquecida pelo país a que dizem que pertence, não sei para que me morreste, mas desculpa

Contrariar-te e roubar um pouco de ti que guardarei até eu morrer para os outros, podes fechar os

Olhos, podes não voltar a contar-me com orgulho a história do jogo da sardinha, que fui eu

Que escrevi nos teus olhos que não sabiam ler, junto à mesma lareira, podes não voltar a fazer batota

Na bisca dos nove, podes esquecer-te de mim, obrigado, eu sei como funcionam as sinapses e é

Na sua união que vive a alma, podes morrer-me, mas prometo-te e que me desculpe a morte,

Que os raios partam, que nunca te deixarei morrer de todo, não enquanto nas minhas veias correr

O teu sangue, não enquanto o dia me permitir acordar e ter saudades tuas, sentado debaixo daquela

Macieira, enquanto as vacas pastavam, com um pedaço de cortiça e uma faca nas mãos,

Com o teu ar de eternidade, as tuas mãos de raiz de castanheiro e cepa e da cortiça dois

Bois e eu convencido que era o neto de um deus real, por isso perdoo o teu coração humano, cansado

Pelos anos, calejado pelos dias, não sei para que me morreste, porque é inútil, nunca me morrerás.