Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
21 de mar. de 2012
Fala, amendoeira de Carlos Drummond de Andrade
Fala, amendoeira – por que fugia ao rito de suas irmãs, adotando vestes assim particulares, a árvore pareceu explicar-lhe:
-- Não vês? Começo a outonear. É 21 de março, data em que as folhinhas assinalam o equinócio do outono. Cumpro meu dever de árvore, embora minhas irmãs não respeitem as estações.
-- E vais outoneando sozinha?
-- Na medida do possível. Anda tudo muito desorganizado, e, como deves notar, trago comigo um resto de verão, uma antecipação de primavera e mesmo, se reparares bem neste ventinho que me fustiga pela madrugada, uma suspeita de inverno.
-- Somos todos assim.
-- Os homens, não. Em ti, por exemplo, o outono é manifesto e exclusivo. Acho-te bem outonal, meu filho, e teu trabalho é exatamente o que os autores chamam de outonada: são frutos colhidos numa hora da vida que já não é clara, mas ainda não se dilui em treva. Repara que o outono é mais estação da alma que da natureza.
-- Não me entristeças.
-- Não, querido, sou tua árvore-de-guarda e simbolizo teu outono pessoal. Quero apenas que te outonize com paciência e doçura. O dardo de luz fere menos, a chuva dá às frutas seu definitivo sabor. As folhas caem, é certo, e os cabelos também, mas há alguma coisa de gracioso em tudo isso: parábolas, ritmos, tons suaves... Outoniza-se com dignidade, meu velho.
20 de mar. de 2012
As palavras mais preciosas de Chico Buarque
"A horas mortas, eu corria os olhos pela minha prateleira repleta de livros gêmeos, escolhia um a esmo e o abria a bel-prazer. Então anotava num moleskine as palavras mais preciosas, a fim de esmerar o vocabulário com que eu embasbacaria as moças e esmagaria meus rivais."
Chico Buarque no prefácio do Dicionário Analógico da Língua Portuguesa: Ideias Afins/Thesaurus de Francisco Ferreira Dos Santos Azevedo. LEXIKON, 2010.
Libertinagem de Manuel Bandeira
Não sei dançar
Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.
Tenho todos os motivos menos um de ser triste.
Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria...
Abaixo Amiel!
E nunca lerei o diário de Maria Bashkirtseff.
Sim, já perdi pai, mãe, irmãos.
Perdi a saúde também.
É por isso que sinto como ninguém o ritmo do jazz-band.
Uns tomam éter, outros cocaína.
Eu tomo alegria!
(...) (Libertinagem, Manuel Bandeira)
19 de mar. de 2012
As minhas estranhas dores de Samuel Beckett
No entanto hei-de falar-vos delas um dia, se me lembrar, se puder, das minhas estranhas dores, em pormenor, distinguindo entre os diferentes gêneros, para maior clareza, as do entendimento, as do coração ou afetivas, as da alma (mais bonitas não há) e finalmente as do corpo propriamente dito, primeiro as internas ou latentes, depois as da superfície, começando pelo cabelo e couro cabeludo e descendo metodicamente, sem pressas, até aos adorados pés, lugar dos calos, caibras, frieiras, joanetes, unhas encravadas, pústulas, gangrena, pé boto, pé de pato, pé-de-galo, pé-de-cabra, pé chato, pé de atleta e outras bizarrias. E, aos que tiverem a gentileza de me ouvir, falarei também, na mesma ocasião, de acordo com um sistema inventado já não me lembro por quem, daqueles instantes em que, sem se estar drogado, nem bêbado, nem em êxtase, não se sente nada.
Samuel Beckett in Primeiro Amor
18 de mar. de 2012
Em rede de algodão rendada de Guimarães Rosa
João Guimarães Rosa in: Grande Sertão: Veredas
17 de mar. de 2012
Zebrinha de Wania Amarante
Coitada da Zebra!
É tão pobrezinha!
Só tem uma roupa
A coitadinha!
Dorme de pijama,
Pijama de listrinhas
E passa dias inteiros
Vestida de pijaminha.
Que tal a gente se juntar
E fazer uma vaquinha
pra comprar pra zebrinha
vestido de bolinha?
In: AMARANTE, Wania. Cobras e Lagartos. Belo Horizonte, Miguilim, 1987
16 de mar. de 2012
Acalanto de Paulo Henriques Britto
Noite após noite, exaustos, lado a lado,
digerindo o dia, além das palavras
e aquém do sono, nos simplificamos,
despidos de projetos e passados,
fartos de voz e verticalidade,
contentes de ser só corpos na cama;
e o mais das vezes, antes do mergulho
na morte corriqueira e provisória
de urna dormida, nos satisfazemos
em constatar, com uma ponta de orgulho,
a cotidiana e mínima vitória:
mais uma noite a dois, e um dia a menos.
E cada mundo apaga seus contornos
no aconchego de um outro corpo morno.
Ode ao gato de José Jorge Letria
Tu e eu temos de permeio
a rebeldia que desassossega,
a matéria compulsiva dos sentidos.
Que ninguém nos dome,
que ninguém tente
reduzir-nos ao silêncio branco da cinza,
pois nós temos fôlegos largos
de vento e de névoa
para de novo nos erguermos
e, sobre o desconsolo dos escombros,
formarmos o salto
que leva à glória ou à morte,
conforme a harmonia dos astros
e a regra elementar do destino.
in Animália Odes aos Bichos
15 de mar. de 2012
Sonhos se apuram de Mia Couto
antes de acontecer.
Isso aprendi.
Como também aprendi que
os sonhos se apuram
de tanto se repetirem.
COUTO, Mia. Antes de nascer o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 257.
COUTO, Mia. Antes de nascer o mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 257.
Maitaca, baitaca e suia
Os termos maitaca, baitaca e suia são designações comuns para diversas espécies de aves. As maitacas caracterizam-se pela cauda curta e azul, pela zona sem penas em volta dos olhos, pelo bico cinza-escuro com marcas vermelhas nas laterais das mandíbulas. São semelhantes aos papagaios do gênero Amazona, mas menores. Ocorrem no Brasil da região nordeste (Maranhão, Piauí, Pernambuco, Alagoas) até a região sul, passando pela região centro-oeste (Goiás e Mato Grosso). Ocorrem, também, na Bolívia, no Paraguai e na Argentina.
Vivem em uma variedade de habitat que inclui florestas úmidas, de galeria, savanas e áreas cultivadas, até os 2 000 metros de altitude. Geralmente, voam em bando de seis a oito indivíduos, por vezes até de cinquenta aves quando a comida é muito abundante. Costumam banhar-se em lagos para se refrescar. Se alimentam de frutos e sementes, tais como pinhão do pinheiro-do-brasil e frutos da figueira. Também se alimentam de mangas quando apresentam frutos em formação.
A reprodução das maitacas costuma ocorrer de agosto a janeiro. O casal afasta-se do grupo à procura de um oco formado nas árvores. A fêmea põe de três a cinco ovos brancos com um período de incubação de 23 a 25 dias e o macho, geralmente, permanece no ninho durante o dia. As crias são totalmente dependentes dos pais (altriciais) e saem do ninho com aproximadamente 55 a sessenta dias.
14 de mar. de 2012
Licença de Débora Siqueira Bueno
Quando nasci eu era roxa.
Não sei se havia anjos
mas respirei fundo,
recebi minha missão.
Falta de ar conheço bem,
me ensinou a espera.
Falta de amor graças a Deus não tive muita,
no ter e não ter fui me fazendo.
Tão sempre a falta.
Apesar das pernas das moças,
despeito o cheiro bom dos moços,
desejo, de contínuo se escapa.
Meu nome quer dizer abelha –
aquela que sempre trabalha.
Desde o tempo que a memória alcança
amanheço e entardeço no cuidado.
Parece dom, mas é sina mineral
buscar o que advém e é profundeza;
separar pedra e entulho, encontrar beleza
oculta na vastidão do sofrimento.
Quero traçar de novo o meu destino,
peço licença pra mudar de lavra.
De agora em diante, carrego a bateia
para lidar no garimpo das palavras.
13 de mar. de 2012
Fernand Khnopff : Delicadeza como marca
Feminina de Joyce
- Ô mãe, me explica, me ensina, me diz o que é feminina?
- Não é no cabelo, no dengo ou no olhar, é ser menina por todo lugar.
- Então me ilumina, me diz como é que termina?
- Termina na hora de recomeçar, dobra uma esquina no mesmo lugar.
Costura o fio da vida só pra poder cortar
Depois se larga no mundo pra nunca mais voltar
Prepara e bota na mesa com todo o paladar
Depois, acende outro fogo, deixa tudo queimar
E esse mistério estará sempre lá
Feminina menina no mesmo lugar
Sou meu hóspede
Sou meu hóspede noturno
em doses mínimas
e uso a noite
para despojar-me
da modéstia
e outras vaidades
e uso a noite
para despojar-me
da modéstia
e outras vaidades
procuro ser tratado
sem os prejuízos
das boas-vindas
e com as cortesias
do silêncio
sem os prejuízos
das boas-vindas
e com as cortesias
do silêncio
não coleciono padeceres
nem os sarcasmos
que deixam marca
nem os sarcasmos
que deixam marca
sou tão-só
meu hóspede
e trago uma pomba
que não é sinal de paz
mas sim pomba
meu hóspede
e trago uma pomba
que não é sinal de paz
mas sim pomba
como hóspede
estritamente meu
no quadro-negro da noite
traço uma linha
branca
estritamente meu
no quadro-negro da noite
traço uma linha
branca
Mario Benedetti , De La Vida ese Parentesis
12 de mar. de 2012
Sonho de Mia Couto
imagem: Sonia Madruga
É uma pena a senhora andar por aí fatigando seus olhos pelo mundo. Devia era, logo de manhã, passar um sonho pelo rosto. É isso que impede o tempo e atrasa a ruga. Sabe o que se faz? Estende-se aí na areia, oblonga-se deitadinha, estica a alma na diagonal. Depois, fica assim, caladita, rentinha ao chão, até sentir a terra se enamorar de si. Digo-lhe, Dona: quando ficamos calados, igual a uma pedra, acabamos por escutar os sotaques da terra. A senhora num certo momento, há-de ouvir um chão marinho, faz conta é um mar sob a pele do chão. Aproveita esse embalo, Dona Luarmina.Eu tiro vantagens desses silêncios submarinos. São eles que me fazem adormecer ainda hoje. Sou criança dele, do mar.
Jasmim-Manga
Jasmim-manga (Plumeria rubra) é uma planta do gênero Plumeria.
O jasmim-manga é uma árvore; pode atingir um porte entre 4 m
e 8 m. É muito usado como planta ornamental. Seus caules são grossos e lisos,
de cor cinzenta ou bronzeada de formato escultural; por essas características,
é muito apreciado por paisagistas. As folhas são verde-escuras e nascem nas
extremidades dos ramos. No inverno e na primavera, caem. Suas flores formam
grandes inflorescências terminais, e são rosa (cor)s ou vermelhas, havendo
variantes brancas e amareladas. A Plumeria rubra floresce durante o verão e o
outono. As flores exalam um olor suave, semelhante ao das flores de jasmim.
É originária da América tropical, onde ocorre naturalmente, desde
o México até a Colômbia e Venezuela.
Fonte: Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre
11 de mar. de 2012
Tem o serviço só de fantasiar de Mia Couto
- Escute o que eu falo: você, sim, é flor.
- Está, sou flor. Mas uma dessas que nunca serviu.
- Você serviu belezas, Luarmina.
- E para que servem as belezas? Para nada.
- Veja, exemplo, só: quem ilustra mais o céu? Não é o arco-íris?
E, pois, me diga: qual o serviço que tem o arco-íris?
- Nem sei lá.
-Tem o serviço só de fantasiar, de ensinar o céu a sonhar.
in “MAR ME QUER”
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