Uma coisa bonita era para se dar ou para se receber, não apenas para se ter. Clarice Lispector
22 de jan. de 2015
Ocupo muito de mim com o meu desconhecer. :: Manoel de Barros
Ocupo muito de mim com o meu desconhecer.
Sou um sujeito letrado em dicionários.
Não tenho que 100 palavras.
Pelo menos uma vez por dia me vou no Morais
ou no Viterbo -
A fim de consertar a minha ignorãça,
mas só acrescenta.
Despesas para minha erudição tiro nos almanaques:
- Ser ou não ser, eis a questão.
Ou na porta dos cemitérios:
- Lembra que és pó e que ao pó tu voltarás.
Ou no verso das folhinhas:
- Conhece-te a ti mesmo.
Ou na boca do povinho:
- Coisa que não acaba no mundo é gente besta
e pau seco.
Etc.
Etc.
Etc.
Maior que o infinito é a encomenda.
O livro das ignorãças. Record, 1997.
20 de jan. de 2015
Parceria :: Flora Figueiredo (São Paulo, SP. – 1951 )
Abraham Manievich
Ficamos assim: você joga as queixas no telhado,
eu ponho as manias de lado,
você lava a escadaria, eu rego o jardim.
Podemos varrer juntos as nódoas secas aderentes ao passado.
Se você se habilita, eu me disponho, num desafio à desdita.
Você acende a luz, eu desempeno o sonho,
enquanto você ensaia o passo, eu troco a fita.
Na mesa torta, a toalha colorida.
O resto é fácil: basta mandar flores ao futuro,
derrubar o muro e acreditar na vida.
19 de jan. de 2015
Poética :: Claudio Willer
então é isso
quando achamos que vivemos estranhas experiências
a vida como um filme passando
ou faíscas saltando de um núcleo
não propriamente a experiência amorosa
porém aquilo que a precede
e que é ar
concretude carregada de tudo:
a cidade refletindo para sua hora noturna e todos indo para casa ou então
marcando encontros improváveis e absurdos, burburinho da multidão circulando
pelo centro e pelos bairros enquanto as lojas fecham mas ainda estão iluminadas,
os loucos discursando pelas esquinas, a umidade da chuva que ainda não passou,
até mesmo a lembrança da noite anterior no quarto revolvendo-nos em carícias e
expondo as sucessivas camadas do que tem a ver – onde a proximidade dos
corpos confunde tudo, palavra e beijo, gesto e carícia
tudo gravado no ar
e não o fazemos por vontade própria
mas por atavismo
in: Pinto, Manuel da Costa.Antologia Comentada da Poesia Brasileira do Seculo 21. Publifolha, 2006.
18 de jan. de 2015
As pessoas dormem em toda a parte :: THOMAS MÖHLMANN
a testa encostada ao braço
o rosto voltado para a terra, respirando calmamente.
Sobre a terra, debaixo de cobertores quentes
sob tectos sólidos, enlaçados uns nos outros
à sorte, enrodilhados em si mesmos
enquanto o mundo se abre qual mão
enquanto os dedos procuram outros dedos
outros dedos procuram outros e os peixes
embalam o mar para o acalmar e os navios as suas cargas
e a rádio embala o pai e, como um tecido macio,
o pai a mãe, os candeeiros a noite.
Porque velas. Por que razão alguém
está de vigília, alguém está presente.
17 de jan. de 2015
16 de jan. de 2015
A INVENÇÃO DE UM MODO :: Adélia Prado
willian vallim
"Entre paciência e fama quero as duas,
pra envelhecer vergada de motivos.
Imito o andar das velhas de cadeiras duras
e se me surpreendem, explico cheia de verdade:
tô ensaiando. Ninguém acredita
e eu ganho uma hora de juventude.
Quis fazer uma saia longa pra ficar em casa,
a menina disse:
"Ora, isso é pras mulheres de São Paulo"
Fico entre montanhas,
entre guarda e vã,
entre branco e branco ,
lentes pra proteger de reverberações.
Explicação é para o corpo do morto,
de sua alma eu sei.
Estátua na Igreja e Praça
quero extremada as duas.
Por isso é que eu prevarico e me apanham chorando ,
vendo televisão,
ou tirando sorte com quem vou casar.
Porque que tudo que invento já foi dito
nos dois livros que eu li :
as escrituras de Deus,
as escrituras de João.
Tudo é Bíblias. Tudo é Grande Sertão."
fonte: Bagagem, 1976.
15 de jan. de 2015
Ode à gratidão :: Pablo Neruda
Grato pela palavra
que agradece.
Grato a grato
pelo
quanto essa palavra
derrete neve ou ferro.
O mundo parecia ameaçador
até que suave
como uma pluma
clara,
ou doce como pétala de açúcar,
de lábio em lábio
passa,
grato,
grandes a boca plena
ou sussurrantes,
apenas murmuradas,
e o ser voltou a ser homem
e não janela,
alguma claridade
entrou no bosque:
foi possível cantar embaixo das folhas.
Grato, és pílula
contra
os óxidos cortantes do desprezo,
a luz contra o altar da dureza.
Talvez
também tapete
entre os mais distantes homens
foste.
Os passageiros que disseminaram
na natureza
e então
na selva
dos desconhecidos,
merci, enquanto o trem frenético
muda de pátria,
borra as fronteiras,
spasivo
junto aos pontiagudos
vulcões, frio e fogo,
thanks, sim, gracias, e então
a terra se transforma em uma mesa:
uma palavra a limpou,
brilham os pratos e copos,
ressoam os talheres
e parecem toalhas as planuras.
Grato, gracias,
que viajes e que voltes,
que subas
ou que desças.
Está entendido, não
preenches tudo,
palavra grato,
mas
onde aparece
tua pequena pétala
escondem-se os punhais do orgulho
e aparece um centavo de sorriso.
.........................
Oda a las Gracias
(Ode to Gratitude)
Gracias a la palabra
que agradece,
gracias a gracias
por
cuanto esta palabra
derrite nieve o hierro.
El mundo paecía amenazante
hasta que suave
como pluma
clara,
o dulce como pétalo de azúcar,
de labio en labio
pasa
gracias,
grandes a plena boca
o susurrantes,
apenas murmulladas,
y el ser volvió a ser hombre
y no ventana,
alguna claridad
entró en el bosque.
fue posible cantar bajo las hojas.
Gracias, eres la píldora
contra
los óxidos cortantes del desprecio,
la luz contra el altar de la dureza.
Tal vez
también tapiz
entre los más distantes hombres
fuiste.
Los pasajeros
se diseminaron
en la naturaleza
y entonces
en la selva
de los desconocidos,
merci,
mientras el tren frénetico
cambia de patria,
borra las fronteras,
spasivo,
junto a los puntiagudos
volcanes, frío y fuego,
thanks, sí, gracias, y entonces
se transforma la tierra en una mesa.
una palabra la limió,
brillan platos y copas,
suenan los tenedores
y parecen manteles las llanuras.
Gracias, gracias,
que viajes y que vuelvas,
que subas
y que bajes.
Está entendido, no
lo llenas todo,
palabra gracias,
pero
donde aparece
tu pétalo pequeño
se esconden los puñales del orgullo,
y aparece un centavo de sonrisa.
.....
Thanks to the word
that gives thanks.
Thanks to the gratitude
for how excellently
the word melts snow or iron.
The planet seemed full of threats
until soft
as a translucent
feather,
or sweet as a sugary petal,
from lip to lip,
it passed,
thank you,
magnificent, filling the mouth,
or whispered,
hardly voiced,
and the soul became human again,
not a window,
soome clear shine
penetrated the forest:
it was possible again to sing beneath the leaves.
Gratitude, you are medicine
opposing
scorn's bitter oxides,
light melting the cruel altar.
Perhaps
you are also
the carpet
uniting
the most distant men,
passengers spread out
through nature
and the jungle
of unknown men,
merci,
as the delirous train
penetrates a new country,
eradicating frontiers,
spasibo,
joined with the sharp-cusped
volcanoes, frost and fire,
thanks, yes, gracias, and the Earth
turns into a table,
a single word swept it clean,
plates and cups glisten,
forks jingle,
and the flatlands seem like tablecloths.
Thanks, gracias,
you travel and return,
you rise
and descend.
It is understood, you don't
permeate everything,
but where the word of thanksgiving
appears like a tiny petal,
proud fists hide
and a penny's worth of a smile appears.
.........................
Oda a las Gracias
(Ode to Gratitude)
Gracias a la palabra
que agradece,
gracias a gracias
por
cuanto esta palabra
derrite nieve o hierro.
El mundo paecía amenazante
hasta que suave
como pluma
clara,
o dulce como pétalo de azúcar,
de labio en labio
pasa
gracias,
grandes a plena boca
o susurrantes,
apenas murmulladas,
y el ser volvió a ser hombre
y no ventana,
alguna claridad
entró en el bosque.
fue posible cantar bajo las hojas.
Gracias, eres la píldora
contra
los óxidos cortantes del desprecio,
la luz contra el altar de la dureza.
Tal vez
también tapiz
entre los más distantes hombres
fuiste.
Los pasajeros
se diseminaron
en la naturaleza
y entonces
en la selva
de los desconocidos,
merci,
mientras el tren frénetico
cambia de patria,
borra las fronteras,
spasivo,
junto a los puntiagudos
volcanes, frío y fuego,
thanks, sí, gracias, y entonces
se transforma la tierra en una mesa.
una palabra la limió,
brillan platos y copas,
suenan los tenedores
y parecen manteles las llanuras.
Gracias, gracias,
que viajes y que vuelvas,
que subas
y que bajes.
Está entendido, no
lo llenas todo,
palabra gracias,
pero
donde aparece
tu pétalo pequeño
se esconden los puñales del orgullo,
y aparece un centavo de sonrisa.
.....
Thanks to the word
that gives thanks.
Thanks to the gratitude
for how excellently
the word melts snow or iron.
The planet seemed full of threats
until soft
as a translucent
feather,
or sweet as a sugary petal,
from lip to lip,
it passed,
thank you,
magnificent, filling the mouth,
or whispered,
hardly voiced,
and the soul became human again,
not a window,
soome clear shine
penetrated the forest:
it was possible again to sing beneath the leaves.
Gratitude, you are medicine
opposing
scorn's bitter oxides,
light melting the cruel altar.
Perhaps
you are also
the carpet
uniting
the most distant men,
passengers spread out
through nature
and the jungle
of unknown men,
merci,
as the delirous train
penetrates a new country,
eradicating frontiers,
spasibo,
joined with the sharp-cusped
volcanoes, frost and fire,
thanks, yes, gracias, and the Earth
turns into a table,
a single word swept it clean,
plates and cups glisten,
forks jingle,
and the flatlands seem like tablecloths.
Thanks, gracias,
you travel and return,
you rise
and descend.
It is understood, you don't
permeate everything,
but where the word of thanksgiving
appears like a tiny petal,
proud fists hide
and a penny's worth of a smile appears.
14 de jan. de 2015
Viagem às Minas de Hélio Pellegrino
no rosto lavrado. Escalavrado. A lavra lágrima
decorre, colorada. O escropo cáustico,
amarrado e amargo em punho cego,
prossegue seu trabalho. Em vão me pego
na vertente da areia que me sabe. Eu sou, tu és,
o amplo oceano do céu é uma amplidão parada,
o eterno
roreja tempo na pedra. Ó tempo eterno
da pedra, fundado e decifrado,
mais que a barca de Pedro, pedra viva
vivendo o seu silêncio — água múrmura.
À luz da tarde
verte seus ecos e mistérios,
nas montanhas tamanhas. Arde a tarde,
e a tarde arde. É tarde, é noite, é foice, é antemanhã.
O arco-íris,
suscitado em sua cova, ressuscita. Lua nova e sol posto
nascem do mesmo estojo. Pojo. Bojo. Sangradouro
de minérios domados. Esses gados.
13 de jan. de 2015
Quando acordares lembra-te de mim :: Manuel António Pina
Marc Chagall, 1981
in Todas as palavras
12 de jan. de 2015
CALEIDOSCÓPIO :: FLORA FIGUEIREDO
Pela fresta observo a dança das cores
nos vidros recortados.
Separam-se, aglutinam-se,
desenham maravilhas
Como se bailassem calçando sapatilhas.
A cada movimento, uma surpresa,
a mesma flor concebida com destreza,
em seguida se espalha e se desfaz.
Por trás de seu processo giratório,
o caleidoscópio avisa:
a forma é fugaz e imprecisa
e o colorido de hoje é provisório.
In: O Trem Que Traz a Noite, 2000
11 de jan. de 2015
Uma vez :: Idea Vilariños
sou meus filhos
e sou o mundo
sou a vida
e não sou nada
ninguém
um pedaço animado
uma visita
que não esteve
nem estará depois.
Estou estando agora
quase não sei mais nada
como uma vez estavam
outras coisas que foram
como um céu distante
um mês
uma semana
um dia de verão
que outros dias do mundo
dissiparam.
Assinar:
Postagens (Atom)
os menores carregam o mundo :: Mar Becker
em todas as espécies, os menores suportam-no com seus braços poucos e seus humilhados ombros como algumas flores breves como as que não dur...
-
Tem de haver mais Agora o verão se foi E poderia nunca ter vindo. No sol está quente. Mas tem de haver mais. Tudo aconteceu, Tu...
-
Ekaterina Pozdniakova Não sei como são as outras casas de família. Na minha casa todos falam em comida. “Esse queijo é seu?” “Não, é...