29 de mar. de 2008

Eu que me Aguente Comigo

foto: Clarinda


Vi sempre o mundo independentemente de mim. 
Por trás disso estavam as minhas sensações vivíssimas, 
Mas isso era outro mundo. 
Contudo a minha mágoa nunca me fez ver negro o que era cor de laranja. 
Acima de tudo o mundo externo! 
Eu que me aguente comigo e com os comigos de mim. 

Álvaro de Campos, in "Poemas" Heterônimo de Fernando Pessoa

18 de mar. de 2008

Visão do Paraíso



Se o amor na sua doação absoluta os faz mais frágeis, 
ao mesmo tempo os protege como uma armadura. 
Os apaixonados voltaram ao Jardim do Paraíso, 
provaram da Árvore do Conhecimento
e agora sabem.
Lygia Fagundes Telles in: A disciplina do amor

11 de mar. de 2008

Três orquídeas :: Cecilia Meireles


As orquídeas do mosteiro fitam-me com seus
olhos roxos.
Elas são alvas, todas de pureza,
com uma leve mácula violácea para uma
pureza de sonho triste, um dia.
Que dia? que dia? dói-me a sua brevidade.
Ah! não vêem o mundo. Ah! não me vêem
como eu as vejo.
Se fossem de alabastro seriam mais amadas?
Mas eu amo o eterno e o efêmero e queria
fazer o efêmero eterno.
As três orquídeas brancas eu sonharia que
durassem,
com sua nervura humana,
seu colorido de veludo,
a graça leve do seu desenho,
o tênue caule de tão delicado verde.
Se elas não vêem o mundo, que o mundo as
visse.
Quem pode deixar de sentir sua beleza?
Antecipo-me em sofrer pelo seu
desaparecimento.
E paira sobre elas a gentileza igualmente frágil,
a gentileza floril
da mão que as trouxe para alegrar a minha
vida.
Durai, durai, flores como se estivésseis ainda
no jardim do mosteiro amado onde fostes
colhidas,
que escrevo para perdurardes em palavras,
pois desejaria que para sempre vos soubessem,
alvas, de olhos roxos (ah! cegos?)
com leves tristezas violáceas na brancura de
alabastro

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)