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10 de nov. de 2017

Parábola :: Wislawa Szymborska ( 1923 - 2012 )

 Ivan Aivazovsky

Os Pescadores tiraram uma garrafa das profundezas.
Havia nela um papel que continha as seguintes palavras:
"Acudam! Estou aqui. O oceano atirou-me para uma ilha deserta. Estou junto à água à espera de ajuda. Depressa. Estou aqui!"
- Não traz data. Por certo já é tarde. A garrafa poderia ter andado à deriva por muito tempo - disse o primeiro pescador.
- E não indicou o lugar. O oceano, pode ser um qualquer - disse o segundo pescador.
- Não é por ser tarde nem longe. A ilha Aqui pode estar em qualquer parte - disse o terceiro pescador.
Sentiram embaraço, fez-se silêncio. Com as verdades universais, é sempre assim.

18 de mai. de 2015

Com o Tempo a Sabedoria :: W. B. Yeats

 Frida Kahlo, 1943

Embora muitas sejam as folhas, a raiz é só uma;
Ao longo dos enganadores dias da mocidade,
Oscilaram ao sol minhas folhas, minhas flores;
Agora posso murchar no coração da verdade.
..............

The Coming of Wisdom with Me
Though leaves are many, the root is one;
Through all the lying days of my youth
I swayed my leaves and flowers in the sun;
Now I may wither into the truth.
  
Tradução: José Agostinho Baptista. 

20 de dez. de 2013

Anunciação :: Clarice Lispector

Angelo Savelli

Tenho em casa uma pintura do italiano Savelli - depois compreendi muito bem quando soube que ele fora convidado para fazer vitrais no Vaticano.

Por mais que olhe o quadro, não me canso dele. Pelo contrário, ele me renova.

Nele, Maria está sentada perto de uma janela e vê-se pelo volume de seu ventre que está grávida . O arcanjo , de pé ao seu lado, olha-a . E ela, como se mal suportasse o que lhe fora anunciado como destino seu e destino para a humanidade futura através dela, Maria aperta a garganta com a mão, em surpresa e angústia .

O anjo, que veio pela janela, é quase humano : só suas longas asas é que lembram que ele pode se transladar sem ser pelos pés. As asas são muito humanas: carnudas, e o seu rosto é o rosto de um homem.

É a mais bela e cruciante verdade do mundo.

Cada ser humano recebe a anunciação: e, grávido de alma, leva a mão à garganta em susto e angústia . Como se houvesse para cada um, em algum momento da vida, a anunciação de que há uma missão a cumprir .

A missão não é leve: cada homem é responsável pelo mundo inteiro .

In: A Descoberta do Mundo.  Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1984. p. 232

25 de out. de 2013

A perfeição de Clarice Lispector


O que me tranquiliza é que tudo o que existe, existe com uma precisão absoluta.O que for do tamanho de uma cabeça de alfinete não transborda nem uma fração de milímetro além do tamanho de uma cabeça de alfinete.Tudo o que existe é de uma grande exatidão. Pena é que a maior parte do que existe com essa exatidão nos é tecnicamente invisível. (...) O bom é que a verdade chega a nós como um sentido secreto das coisas. Nós terminamos adivinhando, confusos, a perfeição.

In: A descoberta do mundo. Nova Fronteira, 1984. p. 226

1 de jul. de 2013

Crônicas de Viagem de Cecília Meireles



E o viajante apenas inclina a cabeça nas mãos, na sua janela, para entender dentro de si o que é sonho
e o que é verdade. E todos os dias são dias novos e antigos, e todas as ruas são de hoje e da
eternidade: e o viajante imóvel é uma pessoa sem data e sem nome, na qual repercutem todos os
nomes e datas que clamam por amor, compreensão, ressurreição. (1999, p. 104)

MEIRELES, Cecília. Crônicas de Viagem, vol. 2. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.


1 de abr. de 2013

Amigo de Alexandre O’Neill

Mal nos conhecemos 
Inaugurámos a palavra «amigo».
«Amigo» é um sorriso 
De boca em boca, 
Um olhar bem limpo, 
Uma casa, mesmo modesta, que se oferece, 
Um coração pronto a pulsar 
Na nossa mão!
«Amigo» (recordam-se, vocês aí, 
Escrupulosos detritos?) 
«Amigo» é o contrário de inimigo! 
«Amigo» é o erro corrigido,
Não o erro perseguido, explorado, 
É a verdade partilhada, praticada.
«Amigo» é a solidão derrotada!
«Amigo» é uma grande tarefa, 
Um trabalho sem fim, 
Um espaço útil, um tempo fértil, 
«Amigo» vai ser, é já uma grande festa!

 in No Reino da Dinamarca

21 de out. de 2012

Escrevias pela noite afora de Helder Moura Pereira


Escrevias pela noite fora. Olhava-te, olhava 
o que ia ficando nas pausas entre cada 
sorriso. Por ti mudei a razão das coisas, 
faz de conta que não sei as coisas que não queres 
que saiba, acabei por te pensar com crianças 
à volta. Agora há prédios onde havia 
laranjeiras e romãs no chão e as palavras 
nem o sabem dizer, apenas apontam a rua 
que foi comum, o quarto estreito. Um livro 
é suficiente neste passeio. Quando não escreves 
estás a ler e ao lado das árvores o silêncio 
é maior. Decerto te digo o que penso 
baixando a cabeça e tu respondes sempre 
com a cabeça inclinada e o fumo suspenso 
no ar. As verdades nunca se disseram. Queria 
prender-te, tornar a perder-te, achar-te 
assim por acaso no meu dia livre a meio 
da semana. Mantêm-se as causas iguais 
das pequenas alegrias, longe da alegria, a rotina 
dos sorrisos vem de nenhum vício. Este abandono 
custa. Porque estou contigo e me deixas 
a tua imagem passa pelas noites sem sono, 
está aqui a cadeira em que te sentaste 
a escrever lendo. Pudesse eu propor-te 
vida menos igual, outras iguais obrigações. 
Havias de rir, sair à rua, comprar o jornal. 


em De Novo as Sombras e as Calmas

24 de jun. de 2012

O Mundo Está tão Cheio de Livros como Falto de Verdades de Antonio Vieira


O mundo está tão cheio de livros, como falto de verdades. E oxalá que nos homens fossem de algum modo tantos os frutos, quantas são sem número nos livros as folhas; mas a desgraça é que, por mais que sejam muitos os notadores dos livros, são muito mais os que no mundo vivem notados; e não basta vermos encadernados os livros, para que deixemos de ver desencadernados os homens. Com efeito, são os livros os suores dos homens ou o engenho dos homens; e está o mundo tão emendado, que já ninguém vive do suor alheio.

Padre Antonio Vieira, in "As Sete Propriedades da Alma"

26 de jun. de 2011

Verdade



As verdades diferentes na aparência são como inúmeras folhas 
que parecem diferentes 
e estão na mesma árvore. 
Gandhi

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)