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2 de mar. de 2017

Gentileza de Sylvia Plath

John Singer Sargent

Gentileza plana sobre minha casa.
Dama Gentileza, tão amável!
As jóias azuis e vermelhas de seus anéis enfumaçam
Nas janelas, os espelhos
Enchem-se de sorrisos.
O que é tão real quanto o choro de uma criança?
O grito de um coelho pode ser mais selvagem,
Mas não tem alma.
O açúcar pode curar qualquer coisa, segundo Gentileza.
O açúcar é um fluido necessário,
Seus cristais são pequenos cataplasmas.
Oh, gentileza, gentileza,
Delicadamente juntando pedaços!
Minhas sedas japonesas, borboletas desesperadas,
Podem ser trespassadas a qualquer momento, anestesiadas.
E aí vem você com uma xícara de chá
Envolta em vapor.
O jato de sangue é poesia,
Não há como estancá-lo.
Você me entrega duas crianças, duas rosas.

22 de out. de 2015

TEMPO É TERNURA :: Fabrício Carpinejar

Viver tem sido adiantar o serviço do dia seguinte. No domingo, já estamos na segunda, na terça já estamos na quarta e sempre um dia a mais do dia que deveríamos viver. Pelo excesso de antecedência, vamos morrer um mês antes.

Está na hora de encarar a folha branca da agenda e não escrever. O costume é marcar o compromisso e depois adiar, que não deixa de ser uma maneira de ainda cumpri-lo.

Tempo é ternura.

Perder tempo é a maior demonstração de afeto. A maior gentileza. Sair daquele aproveitamento máximo de tarefas. Ler um livro para o filho pequeno dormir. Arrumar as gavetas da escrivaninha de sua mulher quando poderia estar fazendo suas coisas. Consertar os aparelhos da cozinha, trocar as pilhas do controle remoto. Preparar um assado de 40 minutos. Usar pratos desnecessários, não economizar esforço, não simplificar, não poupar trabalho, desperdiçar simpatia.

Levar uma manhã para alinhar os quadros, uma tarde para passar um paninho nas capas dos livros e lembrar as obras que você ainda não leu. Experimentar roupas antigas e não colocar nenhuma fora. Produzir sentido da absoluta falta de lógica.

Tempo é ternura.

O tempo sempre foi algoz dos relacionamentos. Convencionou-se explicar que a paixão é biológica, dura apenas dois anos e o resto da convivência é comodismo.

Não é verdade, amor não é intensidade que se extravia na duração.

Somente descobriremos a intensidade se permitirmos durar. Se existe disponibilidade para errar e repetir. Quem repete o erro logo se apaixonará pelo defeito mais do que pelo acerto e buscará acertar o erro mais do que confirmar o acerto. Pois errar duas vezes é talento, acertar uma vez é sorte.

Acima da obsessão de controlar a rotina e os próximos passos, improvisar para permanecer ao lado da esposa. Interromper o que precisamos para despertar novas necessidades.

Intensidade é paciência, é capricho, é não abandonar algo porque não funcionou. É começar a cuidar justamente porque não funcionou.

Casais há mais de três décadas juntos perderam tempo. Criaram mais chances do que os demais. Superaram preconceitos. Perdoaram medos. Dobraram o orgulho ao longo das brigas. Dormiram antes de tomar uma decisão.

Cederam o que tinham de mais precioso: a chance de outras vidas. Dar uma vida a alguém será sempre maior do que qualquer vida imaginada.

Publicado no jornal Zero Hora. 21/06/201, p. 2. Porto Alegre (RS), Edição N° 16736

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)