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11 de abr. de 2015

SONETO DAS DEFINIÇÕES :: Carlos Penas Filho



Não falarei das coisas, mas de inventos
e de pacientes buscas no esquisito.
Em breve, chegarei à cor do grito
à música das cores e dos ventos.

Multiplicar-me-ei em mil cinzentos
(desta maneira, lúcido, me evito)
e a estes pés cansados de granito
saberei transformar em cataventos.

Daí, o meu desprezo a jogos claros
e nunca comparados ou medidos
como estes meus, ilógicos, mas raros.

Daí também, a enorme divergência
entre os dias e os jogos, divertidos
e feitos de beleza e improcedência.


18 de ago. de 2014

Lisonjear as palavras:: Manoel de Barros

Bryan Allen

"Tenho gosto de lisonjear as palavras ao modo que o Padre Vieira lisonjeava. Seria uma técnica literária do Vieira? É visto que as palavras lisonjeadas se enverdeciam para ele. Eu uso essa técnica. Eu lisonjeio as palavras. E elas até me inventam. E elas se mostram faceiras para mim. Na faceirice as palavras me oferecem todos os seus lados. Então a gente sai a vadiar com elas por todos os cantos do idioma.
Ficamos a brincar brincadeiras e brincadeiras. Porque a gente não queria informar acontecimentos. Nem contar episódios. Nem fazer histórias. A gente só gostasse de fazer de conta. De inventar as coisas que aumentassem o nada. A gente não gostava de fazer nada que não fosse de brinquedo. Essas vadiagens pelos recantos do idioma seriam só para fazer jubilação com as palavras. Tirar delas algum motivo de alegria.
Uma alegria de não informar nada de nada. Seria qualquer coisa como a conversa no chão entre dois passarinhos a catar perninhas de moscas. Qualquer coisa como jogar amarelinha nas calçadas. Qualquer coisa como correr em cavalo de pau. Essas coisas. Pura jubilação sem compromissos. As palavras mais faceiras gostam de inventar travessuras. Uma delas propôs que ficássemos de horizonte para os pássaros. E os pássaros voariam sobre o nosso azul. Eu tentei me horizontar às andorinhas. E as palavras mais faceiras queriam se enluarar sobre os rios. Se ficassem prateadas sobre os rios falavam que os peixinhos viriam beijá-las.
A gente brincava no prateado das águas. A mais pura jubilação!"
In: Memórias Inventadas - A Terceira Infância; Planeta, 2010

8 de nov. de 2013

Canto esponjoso de Carlos Drummond de Andrade

Richard Pousette-Dart
Bela
esta manhã sem carência de mito,
E mel sorvido sem blasfêmia.

Bela 
esta manhã ou outra possível, 
esta vida ou outra invenção, 
sem, na sombra, fantasmas. 

Umidade de areia adere ao pé. 
Engulo o mar, que me engole. 
Valvas, curvos pensamentos, matizes da luz 
azul 
completa 
sobre formas constituídas. 

Bela 
a passagem do corpo, sua fusão 
no corpo geral do mundo. 
Vontade de cantar. Mas tão absoluta 
que me calo, repleto.

14 de dez. de 2012

A LUÍS MAURÍCIO, INFANTE de Carlos Drummond de Andrade



Monet 

Acorda, Luís Mauricio. Vou te mostrar o mundo,
se é que não preferes vê-lo de teu reino profundo.


Despertando, Luís Mauricio, não chores mais que um tiquinho.
Se as crianças da América choram em coro, que seria, digamos, do teu vizinho?



Que seria de ti, Luís Mauricio, pranteando mais que o necessário?
Os olhos se inflamam depressa, e do mundo o espetáculo é vário



e pede ser visto e amado. É tão pouco, cinco sentidos.
Pois que sejam lépidos, Luís Mauricio, que sejam novos e comovidos.



E como há tempo para viver, Luís Mauricio, podes gastá-lo à janela
que dá para a "Justicia del Trabajo", onde a imaginosa linha da hera



tenazmente compõe seu desenho, recobrindo o que é feio, formal e triste.
Sucede que chegou a primavera, menino, e o muro já não existe.



Admito que amo nos vegetais a carga de silêncio, Luís Mauricio.
Mas há que tentar o diálogo quando a solidão é vício.



E agora, começa a crescer. Em poucas semanas um homem
Se manifesta na boca, nos rins, na medalhinha do nome.



Já te vejo na proporção da cidade, dessa caminha em que dormes.
Dir-se-ia que só o anão de Harrods, hoje velho, entre garotos enormes,



conserva o disfarce da infância, como, na sua imobilidade,
à esquina de Córdoba e Florida, só aquele velho pendido e sentado,



de luvas e sobretudo, vê passar (é cego) o tempo que não enxergamos,
o tempo irreversível, o tempo estático, espaço vazio entre ramos.



O tempo que fazer dele? Como adivinhar, Luís Mauricio,
o que cada hora traz em si de plenitude e sacrifício?



Hás de aprender o tempo, Luís Mauricio. E há de ser tua ciência
uma tão íntima conexão de ti mesmo e tua existência,



que ninguém suspeitará nada. E teu primeiro segredo
seja antes de alegria subterrânea que de soturno medo.



Aprenderás muitas leis, Luís Mauricio. Mas se as esqueceres depressa,
Outras mais altas descobrirás, e é então que a vida começa,



e recomeça, e a todo instante é outra: tudo é distinto de tudo,
e anda o silêncio, e fala o nevoento horizonte; e sabe guiar-nos o mundo.



Pois a linguagem planta suas árvores no homem e quer vê-las cobertas
de folhas, de signos, de obscuros sentimentos, e avenidas desertas



são apenas as que vemos sem ver, há pelo menos formigas
atarefadas, e pedras felizes ao sol, e projetos e cantigas



que alguém um dia cantará, Luís Mauricio. Procura deslindar o canto.
Ou antes, não procures. Ele se oferecerá sob forma de pranto



ou de riso. E te acompanhará, Luís Mauricio. E as palavras serão servas
de estranha majestade. É tudo estranho. Medita por, exemplo, as ervas,



enquanto és pequeno e teu instinto, solerte, festivamente se aventura
até o âmago das coisas. A que veio, que pode, quanto dura



essa discreta forma verde, entre formas? E imagina ser pensado,
pela erva que pensas. Imagina um elo, uma afeição surda, um passado



articulando os bichos e suas visões, o mundo e seus problemas;
imagina o rei com suas angústias, o pobre com seus diademas,



imagina uma ordem nova; ainda que uma nova desordem, não será bela?
Imagina tudo: o povo,com sua música; o passarinho, com sua donzela;



o namorado com seu espelho mágico; a namorada, com seu mistério;
a casa, com seu calor próprio; a despedida, com seu rosto sério;



o físico, o viajante, o afiador de facas, o italiano das sortes e seu realejo;
o poeta sempre meio complicado; o perfume nativo das coisas e seu arpejo;



o menino que é teu irmão, e sua estouvada ciência
de olhos líquidos e azuis, feita de maliciosa inocência,



que ora viaja enigmas extraordinários; por tua vez, a pesquisa
há de solicitar-te um dia, mensagem perturbadora na brisa.



É preciso criar de novo, Luís Mauricio. Reinventar nagôs e latinos,
E as mais severas inscrições, e quantos ensinamentos e os modelos mais finos,



de tal maneira a vida nos excede e temos de enfrentá-la com poderosos recursos.
Mas seja humilde tua valentia. Repara que há veludo nos ursos.



Inconformados e prisioneiros, em Palermo, eles procuram o outro lado,
E na sua faminta inquietação, algo se liberta da jaula e seu quadrado.



Detém-te. A grande flor do hipopótamo brota da água nenúfar!
E dos dejetos do rinoceronte se alimentam os pássaros. E o açúcar



que dás na palma da mão à língua terna do cão adoça todos os animais.
Repara que autênticos, que fiéis a um estatuto sereno, e como são naturais.



É meio-dia, Luís Maurício, hora belíssima entre todas,
pois, unindo e separando os crepúsculos, à sua luz se consumam as bodas



do vivo com o que já viveu ou vai viver, e a seu puríssimo raio
entre repuxos, os "chicos" e as "palomas" confraternizam na "Plaza de Mayo".



Aqui me despeço e tenho por plenamente ensinado o teu ofício,
que de ti mesmo e em púrpura o aprendeste ao nascer, meu netinho Luís Mauricio.

6 de ago. de 2012

Coisas que não há que há de Manuel António Pina


"Uma coisa que me põe triste é que não exista o que não existe.
(Se é que não existe, e isto é que existe!)

Há tantas coisas bonitas que não há: 
coisas que não há, 
gente que não há, 
bichos que já houve e já não há, 
livros por ler, 
coisas por ver, 
feitos desfeitos, outros feitos por fazer, 
pessoas tão boas ainda por nascer e outras que morreram há tanto tempo! 

Tantas lembranças de que não me lembro, 
sítios que não sei, 
invenções que não invento, 
gente de vidro e de vento, 
países por achar, paisagens, 
plantas, 
jardins de ar, 
tudo o que eu nem posso imaginar porque se o imaginasse já existia 
embora num sítio onde só eu ia..."


5 de out. de 2011

Melhor invenção de toda a vida



A morte é o destino final do qual todos nós partilhamos. 
Ninguém jamais escapou dela. 
E é assim que as coisas deveriam ser, 
porque a morte é provavelmente a melhor invenção de toda a vida.
Ela é o grande agente transformador da vida. 
Ela tira do caminho o que é velho e
abre espaço para o que é novo. 


Steve Jobs em 2005

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)