Mostrando postagens com marcador Arnaldo Antunes. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Arnaldo Antunes. Mostrar todas as postagens

4 de nov. de 2015

O Buraco :: Arnaldo Antunes

Paul Gauguin, 1892

o buraco ensina a caber
a semente ensina a não caber em si
a terra sabe receber
a caveira ri
o céu ensina a tudo caber
o corpo cabe
a terra sabe receber
o cadáver

corpo enterrado
sobre corpo enterrado
adubando o chão
a morrer
ninguém foi ensinado
e todos morrerão

a chuva ensina a chorar
o tempo ensina a parar de chover
a terra sabe receber
a chuva
o buraco ensina tudo a acabar
no fundo
a terra sabe receber
o defunto

corpo enterrado
sobre corpo enterrado
adubando o chão
a morrer
ninguém foi ensinado
e todos morrerão

21 de jun. de 2014

As coisas :: Arnaldo Antunes


As coisas têm peso,
massa,
volume,
tamanho,
tempo,
forma,
cor,
posição,
textura,
duração,
densidade,
cheiro,
valor,
consistência,
profundidade,
contorno,
temperatura,
função,
aprência,
preço,
destino,
idade,
sentido.
As coisas não têm paz.

26 de mar. de 2014

A Casa é Sua :: Arnaldo Antunes

Não me falta cadeira
Não me falta sofá
Só falta você sentada na sala
Só falta você estar

Não me falta parede
E nela uma porta pra você entrar
Não me falta tapete
Só falta o seu pé descalço pra pisar

Não me falta cama
Só falta você deitar
Não me falta o sol da manhã
Só falta você acordar

Pras janelas se abrirem pra mim
E o vento brincar no quintal
Embalando as flores do jardim
Balançando as cores no varal

A casa é sua
Por que não chega agora?
Até o teto tá de ponta-cabeça
Porque você demora

A casa é sua
Por que não chega logo?
Nem o prego aguenta mais
O peso desse relógio

Não me falta banheiro, quarto
Abajur, sala de jantar
Não me falta cozinha
Só falta a campainha tocar

Não me falta cachorro
Uivando só porque você não está
Parece até que está pedindo socorro
Como tudo aqui nesse lugar

Não me falta casa
Só falta ela ser um lar
Não me falta o tempo que passa
Só não dá mais para tanto esperar

Para os pássaros voltarem a cantar
E a nuvem desenhar um coração flechado
Para o chão voltar a se deitar
E a chuva batucar no telhado

A casa é sua
Por que não chega agora?
Até o teto tá de ponta-cabeça
Porque você demora

A casa é sua
Por que não chega logo?
Nem o prego aguenta mais
O peso desse relógio

https://www.youtube.com/watch?v=c4CQGG27Ng8&list=RDc4CQGG27Ng8#t=0

21 de mar. de 2014

Azul Vazio :: Arnaldo Antunes

Ouve, só se ouve ouvir
O rio só se ouve quem
De longe lá de onde vem
O rio daqui se ouve bem
De dentro ecoa a água
Que deságua no azul vazio

Serpente, serpenteia o rio
Percorre corre em minha veia
A correnteza o coração bombeia
O rio navega e lava
O pensamento leva
O corpo todo como um navio

Um rio que não tem beira
Por um fio abismo cachoeira
Onde deságua se não tem mar
E não tem margem só o olho d'água
Brota espelho molha o azul do céu

Ouve, só se ouve ouvir
O rio só se ouve quem
De longe lá de onde vem
O rio daqui se ouve bem
De dentro ecoa a água
Que deságua no azul vazio

Serpente, serpenteia o rio
Percorre corre em minha veia
A correnteza o coração bombeia
O rio navega e lava
O pensamento leva
O corpo todo como um navio

Um rio que não tem beira
Por um fio abismo cachoeira
Onde deságua se não tem mar
E não tem margem só o olho d'água
Brota espelho molha o azul do céu

O olho d'água
Brota espelho molha o azul do céu

http://letras.mus.br/arnaldo-antunes/azul-vazio/

3 de fev. de 2014

Pensamento - Arnaldo Antunes



Pensamento que vem de fora
e pensa que vem de dentro,
pensamento que expectora
o que no meu peito penso.
Pensamento a mil por hora,
tormento a todo momento.
Por que é que eu penso agora
sem o meu consentimento?
Se tudo que comemora
tem o seu impedimento,
se tudo aquilo que chora
cresce com o seu fermento;
pensamento, dê o fora,
saia do meu pensamento.
Pensamento, vá embora,
desapareça no vento.
E não jogarei sementes
em cima do seu cimento.


Antunes, Arnaldo. Tudos. São Paulo: Iluminuras, 2001.

3 de jul. de 2013

As pedras são muito mais lentas - Arnaldo Antunes

Joan Miró: Hirondelle Amour


As pedras são muito mais lentas do que os animais. As plantas exalam mais cheiro quando a chuva cai. As andorinhas quando chega o inverno voam até o verão. Os pombos gostam de milho e de migalhas de pão. As chuvas vêm da água que o sol evapora. Os homens quando vêm de longe trazem malas. Os peixes quando nadam juntos formam um cardume. As larvas viram borboletas dentro dos casulos. Os dedos dos pés evitam que se caia. Os sábios ficam em silêncio quando os outros falam. As máquinas de fazer nada não estão quebradas. Os rabos dos macacos servem como braços. Os rabos dos cachorros servem como riso. As vacas comem duas vezes a mesma comida. As páginas foram escritas para serem lidas. As árvores podem viver mais tempo que as pessoas. Os elefantes e golfinhos têm boa memória. Palavras podem ser usadas de muitas maneiras. Os fósforos só podem ser usados uma vez. Os vidros quando estão bem limpos quase não se vê. Chicletes são para mastigar mas não para engolir. Os dromedários têm uma corcova e os camelos duas. As meia-noites duram menos do que os meio-dias. As tartarugas nascem em ovos mas não são aves. As baleias vivem na água mas não são peixes. Os dentes quando a gente escova ficam brancos. Cabelos quando ficam velhos ficam brancos. As músicas dos índios fazem cair a chuva. Os corpos dos mortos enterrados adubam a terra. Os carros fazem muitas curvas pra subir a serra. Crianças gostam de fazer perguntas sobre tudo. Nem todas as respostas cabem num adulto.


A lua no cinema e outros poemas/organização Eucanaã Ferraz. - São Paulo: Companhia das Letras, 2011

24 de ago. de 2012

Morada de Livia Garcia Roza e O seu olhar de Arnaldo Antunes

Matt Wisniewski 


Moro no mais íntimo de seu olhar.
Share on email

..........................................................................

O seu olhar lá fora
O seu olhar no céu 
O seu olhar demora 
O seu olhar no meu 
 O seu olhar seu olhar melhora 
Melhora o meu 
 Onde a brasa mora 
E devora o breu 
Como a chuva molha 
O que se escondeu 
 O seu olhar seu olhar melhora 
Melhora o meu 
 O seu olhar agora 
O seu olhar nasceu 
O seu olhar me olha 
O seu olhar é seu 
 O seu olhar seu olhar melhora 
Melhora o meu

13 de ago. de 2012

Se tudo pode acontecer Arnaldo Antunes, Paulo Tatit, Alice Ruiz e João Bandeira

Se tudo pode acontecer 
Se pode acontecer 
qualquer coisa 
um deserto florescer 
uma nuvem cheia não chover 

Pode alguém aparecer 
e acontecer de ser você 
um cometa vir ao chão 
um relâmpago na escuridão 

E a gente caminhando 
de mão dada 
de qualquer maneira 
eu quero que esse momento 
dure a vida inteira 
e além da vida 
ainda de manhã 
no outro dia 
se for eu e você 

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)