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24 de nov. de 2015

O Mundo :: Eduardo Galeano

Franz Stuck
 Um homem do povoado de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir alto no céu e na volta contou: disse que tinha contemplado, lá de cima, a vida humana. E disse que somos um mar de foguinhos. O mundo é isso, revelou: um monte de gente, um mar de foguinhos. Não existem dois fogos iguais. Cada pessoa brilha com luz própria, entre todas as outras. Existem fogos grandes e fogos pequenos, e fogos de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem fica sabendo do vento, e existe gente de fogo louco, que enche o ar de faíscas. Alguns fogos, fogos bobos, não iluminam nem queimam. Mas outros, outros ardem a vida com tanta vontade que não se pode olhá-los sem pestanejar, e quem se aproxima se incendeia.
  
.......... 

Un hombre del pueblo de Neguá, en la costa de Colombia, pudo subir al alto cielo. A la vuelta, contó. Dijo que había contemplado, desde allá arriba, la vida humana. Y dijo que somos un mar de fueguitos. El mundo es eso -reveló- Un montón de gente, un mar de fueguitos. Cada persona brilla con luz propia entre todas las demás. No hay dos fuegos iguales. Hay fuegos grandes y fuegos chicos y fuegos de todos los colores. Hay gente de fuego sereno, que ni se entera del viento, y gente de fuego loco, que llena el aire de chispas. Algunos fuegos, fuegos bobos, no alumbran ni queman; pero otros arden la vida con tantas ganas que no se puede mirarlos sin parpadear, y quien se acerca, se enciende.
in: El libro de los abrazos. Ediciones La Cueva. p. 5

18 de abr. de 2015

SÃO PAULO - PASSAGENS :: CAMILO THOMÉ :: XILOGRAVURA

















Walter Benjamin refere-se a Paris como uma cidade escrita. Pode-se percorrê-la e buscar em seus capítulos um mapa dentro do mapa. A cidade se dá aos olhos, e a todos os sentidos, como pura fruição, mesmo que misteriosa.
São Paulo, não. Cidade-esboço, sem descartar o mistério, sempre reconquistada e perdida, não se concretiza à nossa frente. Como se pudesse existir uma argamassa de vapor a construí-la, densa e frágil, que ao ser observada já se desfaz. Grande Esfinge abaixo do Equador.
As xilogravuras de Camilo Thomé, me parece, enfrentam este olhar oblíquo. Mesmo que bem talhadas, recusam a impressão habitual e buscam um modo mais bruto, paradoxalmente evanescente, de se apresentar. São de uma solidez inconclusa. Paisagem sem horizonte, que de tantos não o tem,são a visão do andarilho perplexo e fascinado pelos espaços quase inapreensíveis. No Planalto de Piratininga toda a cartografia é inútil.

Cláudio Mubarac. Paris, primavera de 1999

31 de mar. de 2015

Charles Bukowski

Edward Hopper. 
você pode não acreditar nisto 
mas há as pessoas 
que passam pela vida com 
muito pouca 
fricção de angústia. 

eles se vestem bem, dormem bem. 
eles estão contentes com 
a família deles. 
com a vida.

eles são imperturbáveis 
e freqüentemente se sentem 
muito bem. 
e quando eles morrem 
é uma morte fácil, normalmente durante o 
sono. 

você pode não acreditar nisto 
mas tais pessoas existem.
mas eu não sou nenhum deles.

oh não, eu não sou nenhum deles, 
eu não estou nem mesmo próximo 
para ser um deles.

mas eles 
estão lá ...

e eu estou aqui.

23 de dez. de 2014

UMA COISA É NECESSÁRIA :: HANS BØRLI (Noruega 1918-1989)

Claude Monet 


Uma coisa é necessária – aqui
neste nosso mundo díficil
de sem-abrigos e desterrados:

Fixares residência em ti.

Entra pela escuridão
e limpa a fuligem da lâmpada.

Para que as pessoas na estrada
possam entrever uma luz
em teus olhos habitados.

(1974)

4 de nov. de 2014

Quando vim da minha terra :: Wislawa Szymborska

Quando vim da minha terra,
se é que vim da minha terra
(não estou morto por lá?),
a correnteza do rio
me sussurrou vagamente
que eu havia de quedar
lá donde me despedia.
Os morros, empalidecidos
no entrecerrar-se da tarde,
pareciam me dizer
que não se pode voltar,
porque tudo é conseqüência
de um certo nascer ali.

Quando vim, se é que vim
de algum para outro lugar,
o mundo girava, alheio
à minha baça pessoa,
e no seu giro entrevi
que não se vai nem se volta
de sítio algum a nenhum.

Que carregamos as coisas,
moldura da nossa vida,
rígida cerca de arame,
na mais anônima célula,
e um chão, um riso, uma voz
ressoam incessantemente
em nossas fundas paredes.

Novas coisas sucedendo-se
iludem a nossa fome
de primitivo alimento.
As descobertas são máscaras
do mais obscuro real,
essa ferida alastrada
na pele de nossas almas.

Quando vim da minha terra
não vim, perdi-me no espaço,
na ilusão de ter saído.
Ai de mim, nunca saí.
Lá estou eu, enterrado
por baixo de falas mansas,
por baixo de negras sombras,
por baixo de lavras de ouro,
por baixo de gerações,
por baixo, eu sei, de mim mesmo,
este vivente enganado,
enganoso.

23 de out. de 2014

Caixa de fósforos :: Laura Esquível

foto: Carlos Porto
A minha avó tinha uma teoria muito interessante, dizia que embora todos nasçamos com uma caixa de fósforos no nosso interior, não os podemos acender sozinhos, precisamos (...) de oxigénio e da ajuda de uma vela. Só que neste caso o oxigénio tem de vir, por exemplo, do hálito da pessoa amada; a vela pode ser qualquer tipo de alimento, música, carícia, palavra ou som que faça disparar o detonador e assim acender um dos fósforos (...). Cada pessoa tem de descobrir quais são os seus detonadores para poder viver, pois a combustão que se dá quando um deles se acende é que alimenta a alma de energia.

23 de ago. de 2014

Ele procurou por muito tempo :: Thomas Möhlmann

Istvan Ilosvai Varga

Cada passo diminui e aumenta o número de possibilidades
mas não as possibilidades que ele procura
tem de haver outro caminho que não este, mas assim que ele o toma,
tem de haver outro caminho. Abordou pessoas

apresentou-se sob nomes diferentes e perguntou se
as pessoas sabiam onde estavam. No mar alto, no umbigo do mundo
à beira de jardinzinhos bem-tratados: ninguém sabia.
Onde o ar era tão rarefeito que ele tinha vertigens, onde

o ar denso lhe cortava a respiração, onde todos
se ofendiam mutuamente, onde ninguém se atreveria ir,
onde todos deveriam ter estado: ninguém sabia.

Tradução de Maria Leonor Raven-Gomes

24 de jul. de 2014

ENVELOPE COM FOTOGRAFIAS :: TJISKE JANSEN nasceu em Barneveld, Holanda, em 1971.

Helen von Borstel.

Tal como o mar me consola com a sua profundeza
porque não consigo contar a água,
pois é maior que toda a terra
por onde as pessoas andam,
porque há peixes a quem esse espaço pertence,
pois ele não é das pessoas,

consola-me não me recordar de lá ter estado,
ter feito isto ou aquilo,
daquele bibe, ou daquele vestido,
daquelas meias até ao joelho, ao lado daquela miúda,
ao colo do senhor com a guitarra,
ao colo da avó quando tinha sete meses.

E nos momentos dos quais não há fotografias,
também lá ter estado.

2 de jan. de 2014

O pão de Rui Costa


Há pessoas que amam
Com os dedos todos sobre a mesa.
Aquecem o pão com o suor do rosto
E quando as perdemos estão sempre
Ao nosso lado.
Por enquanto não nos tocam:
A lua encontra o pão caiado que comemos
Enquanto o riso das promessas destila
Na solidão da erva.
Estas pessoas são o chão
Onde erguemos o sol que nos falhou os dedos
E pôs um fruto negro no lugar do coração.
Estas pessoas são o chão
Que não precisa de voar.

a nuvem prateada das pessoas graves. quasi, 2005

29 de nov. de 2013

A nuvem prateada das pessoas graves de Rui Costa

Magritte

Nem sempre se deve desconfiar das pessoas graves, aquelas que caminham com o pescoço inclinado para baixo, os olhos delas a tocar pela primeira vez o caminho que os pés confirmarão depois. Às vezes elas vêem o céu do outro lado do caminho que é o que lhes fica por baixo dos pés e por isso do outro lado do mundo. O outro lado do mundo das pessoas graves parece portanto um sítio longe dos pés e mais longe ainda das mãos que também caem nos dias em que o ar pode ser mais pesado e os ossos se enchem de uma substância morna que não se sabe bem o que é.
Na gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, com que nos são alheias quando as olhamos de frente rumo ao lado útil do caminho que escolhemos, essas pessoas arrastam uma nuvem prateada que a cada passo larga uma imagem daquilo que foram ou das pessoas que amaram.

Essas imagens podem desaparecer para sempre se forem pisadas quando caem no chão. A gravidade dos pés e da cabeça, e também dos olhos, dessas pessoas, é, por isso, uma subtil forma de cuidado.

a nuvem prateada das pessoas graves
quasi
2005

6 de ago. de 2012

Coisas que não há que há de Manuel António Pina


"Uma coisa que me põe triste é que não exista o que não existe.
(Se é que não existe, e isto é que existe!)

Há tantas coisas bonitas que não há: 
coisas que não há, 
gente que não há, 
bichos que já houve e já não há, 
livros por ler, 
coisas por ver, 
feitos desfeitos, outros feitos por fazer, 
pessoas tão boas ainda por nascer e outras que morreram há tanto tempo! 

Tantas lembranças de que não me lembro, 
sítios que não sei, 
invenções que não invento, 
gente de vidro e de vento, 
países por achar, paisagens, 
plantas, 
jardins de ar, 
tudo o que eu nem posso imaginar porque se o imaginasse já existia 
embora num sítio onde só eu ia..."


20 de jun. de 2012

MINHA CIDADE SÃO AS PESSOAS de Fabrício Carpinejar


imagem: Paulo Caruso 

O que faz gostar de uma cidade são as pessoas. A amizade é o ponto turístico que resiste ao tempo.
Minha vontade de conhecer mais as praças, os bares e restaurantes depende de alguém emocionado com sua rotina.
Lugarejos ficam atraentes com o entusiasmo de seus moradores. Nem requer grandes monumentos de Antonio Caringi, façanhas arquitetônicas de Álvaro Siza, desenhos de Oscar Niemeyer, paisagens de Burle Marx, mas o cuidado com as singelezas maravilhosas de seu bairro.
O que me seduz é como o morador desenrola o mapa discreto do seu dia a dia. É quando valoriza as quadras de seu mundo, e tem interesse em mostrar onde é o minimercado em que compra suas urgências, a cafeteria que cura sua ressaca, a floricultura que devolve sua esperança no amor.
O arrebatamento surge mais pela ternura do embrulho do que pelo presente. Papel dobrado com fita reflete o dobro de confiança.
A generosidade torna qualquer local agradável, e repõe a gana de voltar. Carisma de garçons salva restaurantes. Simpatia de manicures salva salões. Paciência de atendentes salva lojas.
Não há maior educação do que a alegria.
Sou influenciável pelos personagens comuns que não se esgotam em acordar cedo e falar bem de seus percursos. Fogem do elogio da lamúria. Retiram milagres das repetições.
Os amigos formam minha cidade. As ruas que passo mereceriam nomes das pessoas que amo. Deveria mudar as placas dos logradouros: nada de políticos e celebridades, mas quem é famoso secretamente em meu silêncio.
(...)

fonte: http://carpinejar.blogspot.com/2012/01/minha-cidade-sao-as-pessoas.html

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)