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18 de jun. de 2016

A Casa do Meu Avô :: Carlos Lacerda




Há uma ponta de mangueira a que os filhotes de manga imprimem movimento delicado. Ela se mexe enquanto todo o resto da massa vegetal jaz inerte. Essa fina extremidade do galho, como uma antena, tem vida própria; embora lhe venha toda a seiva das entranhas da terra ela parece autônoma, acena, acolhe, dá boas-vindas virentes. Lá estão, da flor crestada pelo frio de junho transformada em pequenos frutos, entre folhas muito macias e verdes, os sinais que a árvore me faz.

Quem disse que a esquizofrenia é uma doença do sangue teve razão. Ela baixa nas veias e neste momento me move, estuante, na direção do galho me me acena, da lua que se entranha em mim, das vigas e ripas que cercam os escombros e lhes dão vida, pois essa ruína em vias de reconstrução me diz muitos segredos, me explica, me decifra, me convida a mergulhar para sempre em seus alicerces e ali deixar meu sangue, meus ossos, as seivas todas do meu ser que começa a se cansar do esforço de viver em vão.
A Casa do Meu Avô.  p. 28-29

18 de dez. de 2011

Flor de Débora Siqueira Bueno

Khnopff - Retrato de Eugenie (1888)

Minha mãe ama as coisas da terra, 
cultiva flores com especial desvelo. 
Seu jardim era todo ladeado por íris 
como aquelas, 
das telas de Van Gogh. 
Havia grandes flores amarelas 
cujo nome não sei, 
não eram girassóis. 
Não sou boa de nomes. Coleciono lembranças, 
perfumes e sombras. 
Das mangueiras, generosas, 
o chão coberto de ovais verde-amarelos. 
A jabuticabeira demorou tanto a dar 
que esperei a infância inteira. 
Nas espatodéias eu subia alto, 
eram meu reino, os cabelos soltos. 
Uma vez um tio tirou minha fotografia 
com sua máquina americana. 
Nas cores mais lindas se via o jardim de minha mãe. 
A lagoa era ainda mais azul; 
os cabelos, ainda mais ruivos. 
Aquele tempo só figurava em branco e preto, 
mas a revelação estrangeira 
capturou as cores vivas 
e as sombras mortas 
do meu semblante. 
Lá estava a menina, 
aos seis anos de idade. 
Com uma blusa de marinheiro, 
não fantasiava singrar mares; 
nos seus sonhos, 
andava no lago sob as águas. 
No meio do jardim, 
precocemente séria, 
bela flor pesada.

João Fasolino (1987, Rio de Janeiro)